'Não sabia o que era boate antes de SP', diz proprietário da casa A Lôca

Na véspera do feriado de 9 de julho, o clube A Lôca, um dos bastiões do undeground paulistano, celebrou 20 anos com uma festa que durou mais de 12 horas, por onde passaram 1.300 pessoas. Fundada em 1995 por Julio Baldermann, A Lôca se instalou no número 916 da rua Frei Caneca -mesmo lugar que seis meses antes abrigara o clube Samantha Santa.

Desde a morte de Julio [em 2009], quem comanda o clube é o argentino Anibal Aguirre, 58. Nascido em Rosario de la Frontera, ele chegou a São Paulo em meados dos anos 1990 sem saber nada de boate. Na entrevista a seguir, Aguirre conta como acabou se tornando o dono do inferninho mais famoso do Brasil.

Alexandre Moreira /Folhapress
Anibal Aguirre, proprietário da casa noturna A Loca, que completa 20 anos nesse de 2015
Anibal Aguirre, proprietário da casa noturna A Loca, que completa 20 anos nesse de 2015

Como você veio parar em São Paulo?
Eu costumava vir de férias com o Julio [Baldermann], ficávamos uns dois meses direto. Conhecemos o Nenê, que trabalhava no [clube] Sra. Krawitz. A gente entrou nessa e não saiu mais. Eu voltei para a Argentina porque trabalhava lá, o Julio ficou e montou o Samantha Santa, que durou só seis meses. Reformaram toda a casa e me convidaram para vir. Eu entrei como assistente de gerente. Aos poucos, fui puxando o tapete e ficando com a boate [risos].

O que você fazia na Argentina?
Estudei relações internacionais e fiz doutorado em ciências políticas. Dava 60 horas semanais de aulas de história, sociologia e direito constitucional.

Você saía muito por lá?
Não. Tinha uma vida de menino Fran's Café. Não tinha nem noção do que era uma boate antes de chegar a São Paulo.

Como chegar aos 20 anos onde as casas noturnas duram tão pouco?
A gente sempre teve a filosofia de ser fiel ao underground. Nunca gostamos de divulgar coisas da casa. Aí, quando
perguntavam: "É verdade que Tônia Carrero esteve na Lôca?", eu respondia: "Não sei, não vi". Eliana, Gianecchini, Luciana Gimenez, Maria Gadú... Na Lôca, não repassamos fotos de frequentadores, famosos ou não.

A Lôca sempre se preocupou em apoiar a diversidade sexual?
A Lôca é uma casa eclética. Nós recebemos pessoas. E todas as pessoas são só pessoas, iguais.

Como anda a noite paulistana?
Acho que ela perdeu o caminho. A que está mais no caminho certo é a D-Edge [na Barra Funda]. As outras estão tentando se reencontrar, assim como A Lôca.

A festa de 20 anos da Lôca teve alguns bafafás, entre eles uma confusão com um funcionário, que supostamente agrediu uma conhecida hostess da cidade. O que aconteceu?
Eles já chegaram meio altos. Ela reconhece, já falou comigo pelo telefone. Se eu estivesse lá isso não teria acontecido. De qualquer maneira, já pedi desculpas. A Lôca sempre foi muito atenciosa com os clientes e, apesar do que dizem, eu sou muito educado. Mas, quando quero ser mal-educado, claro que sou bem mal-educado.

E por que você não estava lá?
Não estou bem de saúde, então não estou frequentando tanto a casa. Mas quero voltar, porque tenho certeza que a presença do dono faz toda a diferença. Afinal, o responsável sou eu.
Mas já houve outras reclamações sobre funcionários truculentos. Aquela foi uma noite muito cheia, e as coisas não foram do jeito que foram relatadas. Mas sempre temos o bom senso de preservar as pessoas. A casa é muito protetora dos amigos, o que aconteceu foi um incidente. Os funcionários que passam da conta são punidos.

Musicalmente, A Lôca foi um celeiro de techno e house na cidade, especialmente no início. Hoje deu uma guinada para o pop. Para onde vai agora?
Estamos pesquisando para ver qual será o caminho correto a seguir. Uns anos atrás, o público começou a demandar mais música pop, Lady Gaga, etc., mas agora a música pop acabou. Estamos buscando alternativas. Mantemos a terça-feira como a melhor noite de música eletrônica de São Paulo. Quinta, fazemos um british pop e, domingo, música mais variada, do rock ao pop.

Qual foi a coisa mais louca que você viu acontecer na Lôca?
Como a Lôca é louca, pra mim lá é tudo normal. Mas teve uma vez que eu e o promoter Nenê compramos 12 dúzias de bananas para decorar uma festa da proclamação da República. Só que passamos a noite bebendo e nos esquecemos de levar as bananas. Conclusão: depois tivemos que comer 150 bananas cada um, fizemos torta, doce, bolo, doamos...

Na Lôca as pessoas se sentem muito à vontade pra fazer o que quiserem, não?
Eu acho que é porque as pessoas sabem que lá nós cuidamos dos clientes, e eles sabem com quem falar se acontecer alguma coisa estranha. Eu sempre estou no escritório, é só bater na minha porta. Às vezes surge um ou outro funcionário que tem um espírito de pit bull. Mas eu dou um basta na hora. Desde que morreu o Julio e que eu assumi a casa eu tentei mudar a imagem que havia antes com relação à segurança.

A crise afetou muito as casas noturnas?
As casas noturnas sofreram uma invasão. Em volta das casas sempre têm barzinhos com DJs, pode observar. Ou seja, são boates informais. Isso é péssimo, porque eles não sofrem o controle que nós sofremos. E eles se aproveitam, porque podem vender bebida mais barata. A vizinhança fica imunda. A Lôca não deixa nenhuma bituca na calçada. Já os bares, no final da madrugada, parece um fim de feira.

Como é a preocupação da casa com a infraestrutura, brigada de segurança etc.?
Nós cumprimos tudo o que é exigido, mas nem sempre nos informam o que devemos fazer exatamente. Queremos cumprir com tudo o que manda a lei, porque a responsabilidade civil cai sobre a casa. Se exigem duas portas, barras antipânico, saída de emergência, brigada de bombeiros, o que for, queremos fazer, mas nem sempre nos explicam o que devemos fazer. Falta informação por parte da prefeitura.

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