Bom Retiro abriga único ginásio exclusivo de sumô fora do Japão

A primeira pergunta que a estudante Vitória Trajano ouve quando conta a alguém que luta sumô invariavelmente é: "Mas não tem que ser gordo?" A imagem daqueles japoneses enormes, com coques no cabelo e vestindo apenas uma faixa enrolada ao corpo é a primeira que vem à cabeça quando se fala desse esporte tão tradicional no Japão.

Mas o sumô abarca uma gama muito maior de praticantes, de todos os tamanhos e idades, em diversas partes do mundo. E um pedaço desse universo pode ser conhecido em São Paulo. O Bom Retiro abriga o único ginásio exclusivo para a prática do esporte construído fora do Japão.

Foi no Centro Esportivo e Cultural Brasil-Japão que a reportagem da sãopaulo encontrou Vitória, 17, estudante de educação física, ensinando as primeiras noções do esporte para a amiga Camila Wolf dos Santos, 20, que faria sua primeira aula.

"Desde que ela comentou que fazia sumô, fiquei curiosa. Quando se fala em sumô, a gente pensa naqueles homens gordos japoneses. Pouca gente sabe que pode ser praticado por mulheres também e que existem aulas gratuitas em São Paulo. Eu nem sabia que esse lugar existia", diz Camila, 1,57 m e 49 kg.

Os esportes ligados ao Japão ocupam aquela região do Bom Retiro desde a década de 1950. O estádio de beisebol Mie Nishi, no mesmo complexo, foi inaugurado em 1958. Os atletas de sumô estão no local desde os anos 1980. Em 2008, como parte dos festejos do centenário da imigração, o Mie Nishi passou por uma grande reforma e a antiga arena dos sumotoris (nome dado aos lutadores) foi desativada. O novo ginásio foi inaugurado em 2011.

As portas desse templo do sumô encravado perto da marginal Tietê estão abertas a todos. Não há limite de idade, nem é exigido um nível mínimo de conhecimento. Basta aparecer no ginásio e mostrar interesse. O local é simples, possui um dohyo (local em que acontecem as lutas), pequenas arquibancadas e dois vestiários. As aulas ocorrem aos sábados e domingos, de manhã.

Aos sábados, Wagner Yoshihiro Higuchi comanda o treino com atenção especial aos iniciantes. Aos domingos, atletas de elite, que colecionam títulos nacionais e internacionais, misturam-se aos novatos. Incentivados pelo sensei John Kioshi Shimazaki, os mais experientes também fazem as vezes de professores.

Os treinos incluem exercícios físicos, repetições de movimentos e técnicas do esporte e simulações de lutas. As práticas duram cerca de três horas. Alguns movimentos básicos exigem muito esforço até dos veteranos. São centenas de repetições, contadas em japonês por todos que participam da roda. Segundo Shimazaki, um sumotori novato precisa de pelo menos seis meses de treinos, uma vez por semana, para dominar o básico das técnicas do esporte.
"Trabalha principalmente as pernas. Perdi oito calças!", diz Vitória. "Mas não é só físico. Você precisa aprender a agir e raciocinar rápido, já que um luta pode durar só três segundos. O sumô também te ensina disciplina, educação, respeito à tradição", afirma a atleta, que já conseguiu medalhas em campeonatos após menos de um ano de aulas.

Diro Blasco/Folhapress

O Mie Nishi também é o local de treinos de Luciana Watanabe e Fernanda Pelegrini, duas das principais sumotoris brasileiras. Enquanto se preparam para disputar o Campeonato Mundial, em agosto, no Japão, elas dividem o tempo no dohyo com dicas aos praticantes menos experientes.

"Sempre aparece gente nova. Vamos dando orientações, ajudando a pessoa a perceber melhor seu corpo e o espaço. É um privilégio poder ensinar. Um dia estivemos nessa posição, com alguém tendo de nos orientar", diz Fernanda, 36, vice-campeã mundial e física médica.Três vezes medalha de bronze em Mundiais, Luciana, 30, é professora e divide seu tempo também com aulas de sumô para crianças em um projeto da Prefeitura de Suzano.

No Brasil, é impossível viver apenas desse esporte. Não existe patrocínio, e os atletas têm outras profissões. Para pagar a viagem ao Mundial, por exemplo, eles contam com a ajuda da comunidade, que compra rifas, convite para almoços e outros eventos.

A caminhada dos atletas que chegam ao Mundial começa no Campeonato Brasileiro. O ginásio do Bom Retiro será o palco da próxima competição, no dia 25, que deve reunir cerca de 500 atletas de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Pará. Como todos os fins de semana, as portas do Mie Nishi estarão abertas.

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