'Quero mostrar a SP que passa despercebida', diz Eduardo Kobra

Quem passa pela altura do número 123 da rua Sebastião Pereira, em Santa Cecília (centro de SP), avista uma cama colorida, de oito metros de extensão, grafitada no chão. A imagem tem efeito 3D —parece se levantar e sair da calçada.

Em Paraisópolis, na rua Major Marioto Ferreira, um mural traz a bailarina Maria Daniela de Oliveira Souza, 13, dançando. São três metros de altura e mais quinze de comprimento —impossível passar sem ser notado.

Essas e outras intervenções fazem parte do projeto "São Paulo: uma Realidade Aumentada", que o grafiteiro Eduardo Kobra finaliza nesta quinta (23). Durante dez dias ele pintou dez espaços de São Paulo. O local da ação era sempre avisado um dia antes em seu perfil do Facebook e em sua conta do Instagram (@kobrastreetat ).

"A ideia surgiu há mais de um ano. Não tive nenhum patrocínio, não quis me associar a nenhuma marca. Queria fazer um trabalho social, falar da realidade de São Paulo que, muitas vezes, passa despercebida", explica.

No primeiro dia da ação, o grafiteiro levou nove de suas telas para uma exposição na calçada da cracolândia. A décima tela foi realizada ali mesmo, com a ajuda dos moradores. "Não sabia exatamente o que ia acontecer. As pessoas sob o efeito da droga são uma coisa, e sem o efeito são outra", conta.

A décima e última ação será realizada nesta quinta, na rua Harmonia, Vila Madalena. Kobra irá retratar Raimundo Arruda Sobrinho —o poeta que foi morador de rua por mais de 30 anos.

ABAIXO, LEIA A ENTREVISTA COM EDUARDO KOBRA:

sãopaulo - Onde você buscou as dez histórias do projeto?
Kobra - Durante mais de um ano conversei com várias pessoas e fui recebendo histórias. Conheci a Daniela Oliveira, do Ballet Paraisópolis, e me identifiquei muito com ela. É uma menina da periferia que está batalhando para ser artista —vi muito de mim nela, queria retratá-la. A mesma coisa aconteceu na cracolândia. Eu já visitei várias vezes, conversei com muitos moradores, mas não sabia exatamente o que ia acontecer. No final, eles não apenas acompanharam a exposição como mais de 40 moradores participaram de um painel coletivo.

A intervenção da praça Roosevelt foi a pintura do currículo de um rapaz. Qual o motivo?
No mural do currículo eu queria falar sobre o desemprego na cidade. A partir disso, convoquei as pessoas que estão sem trabalhar para participarem da pintura, levarem seus currículos. Mais de cem pessoas compareceram, e temos mais de 200 portfólios colados no muro. Eu queria uma forma de as pessoas interagirem, de modificarem a cena da "street art" para resgatar esse propósito de ser uma arte que não é apenas estética, e sim de conscientização.

Qual intervenção foi a mais emocionante?
Todas elas foram bem emocionantes. Eu não esperava, mas quando pintei a menina desaparecida [Ana Júlia Alves Tomas, desaparecida desde 2009, foi personagem da intervenção realizada na avenida Pedroso de Morais], a mãe dela olhou para o mural e começou a chorar. Ela ficou horas olhando para o muro e chorando. No caso da dona Maria, que mora em Santa Cecília, fizemos uma cama em 3D no chão para ela. Quando todo mundo vai embora do trabalho, no fim do dia, ela fica lá sozinha. Todas essas histórias são bem complexas. Mas teve um dia que até eu chorei. Foi o dia da bailarina do Paraisópolis. Eu me vi nela, lembrei da minha própria vida.

Acha importante ocupar a cidade com arte?
Acho que demoramos muito para perceber a quantidade e a qualidade dos artistas que temos em São Paulo. As ruas são o melhor museu, a melhor galeria que temos. Quanto mais arte tiver, melhor para todo mundo. Temos que prestar atenção nisso e valorizar os artistas que estão nas ruas, ocupar e transformar a cidade.

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