Trovadores Urbanos fazem 25 anos cantando para gente, bichos e espíritos

A primeira foi para um delegado. A segunda, um pizzaiolo. A terceira foi aquela em que a amante errou a mão.

"Ela mandou a gente cantar para o cara, mas a mulher dele apareceu na janela. E a tal ali na esquina, parada. Tivemos um acesso de risos de nervosismo", lembra Maída Novaes, 53.

"Naquele momento deu para entender que nossa vida seria cheia de histórias", completa Valéria Caram, 52, também presente no vexame.

Era Dia dos Namorados de 1990 quando, procurado graças a um anúncio publicado em uma revista de São Paulo, o então recém-criado grupo Trovadores Urbanos apresentou suas três primeiras serestas, ainda sem o figurino ao estilo anos 1920 que o caracteriza atualmente.

À época, cantarolavam e tocavam juntos, além de Maída e Valéria -amigas de Avaré (a 267 km da capital paulista)-, Juca Novaes (irmão da primeira, ainda ativo) e Pedro Moreira (que não mora mais no Brasil).

Julho de 2015: contabilizando mais de 100 mil serenatas de amor, reconciliações e homenagens para humanos (vivos ou mortos) e até cachorros, o conjunto lança na segunda (27), em noite de autógrafos na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, o livro "Memórias Afetivas" (Matrix, R$ 29).

Escrito pela jornalista Rose de Almeida, o volume celebra os 25 anos de carreira da trupe que já fez turnê com o seresteiro Sílvio Caldas (1908-1998). Atualmente, o grupo opera com 40 músicos (que se revezam em apresentações geralmente em duplas) e mantém projetos sociais em escolas públicas da capital por meio do Instituto Trovadores Urbanos.

Na obra, são relatados momentos tanto engraçados quanto emocionantes.

Foi em busca dessas histórias que a sãopaulo se encontrou com Maída e Valéria na sede do grupo, uma casinha de fachada alta na rua Aimberê, 651, Perdizes, numa sexta de julho. Do sofá ao lado do piano, elas soltaram o verbo.

Uma das histórias é a da Sônia da rua São Paulo. Pediram uma serenata para uma mulher com aquele nome naquele endereço. O que, de fato, foi entregue. "Chegamos, nos apresentamos e tudo ótimo", conta Maída. Só que era a Sônia errada, e a rua São Paulo era outra em outro lugar. "Quase acabamos com um casamento", ri.

"Eu já fiz uma em motel!", emendou Valéria. "Eram recém-casados. Tinha uma escada e, quando começamos a cantar 'Eu Sei Que Vou Te Amar', a noiva, ainda com vestido, começou a descer... Só que ela levou um tombo! Se esborrachou no chão!"

"Uma vez fomos fazer a serenata e falei: 'Boa noite, fulano'. Aí disseram: 'Esse não é o fulano. O fulano está nele'. Era um centro espírita!".

Em outra, seresteiros foram até o endereço fornecido, anunciaram o nome no contrato -mas quem desceu foi o Raí. "Se soubesse que era o Raí, eu teria ido!", lamenta Maída.

Mas o momento de maior adrenalina, conta a ex-jornalista, foi em um jantar de "um grande empresário".

"Ele sempre contratava a gente. Chegamos na casa dele, cozinheiro, o maior clima. Depois de um tempo ele fala: 'Trovadores, podem entrar. Minha convidada chegou." Era Dilma Rousseff.

"Foi antes de ela ganhar a primeira eleição. No repertório estava 'Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores' e 'Carinhoso'. Fiquei tão nervosa que falei que íamos cantar Pixinguinha e João de Ba-barro [Risos]", lembra.

Com o tempo, elas foram aprendendo a rir e a chorar "pra dentro". "A gente nunca vai se acostumar. O grande sucesso dos Trovadores é que somos muito viscerais. A gente canta de frente, direto. Nos envolvemos nas histórias que fazemos. Nenhuma casa é igual à outra, e nós somos privilegiados por viver isso", avalia Valéria.

Também celebrando o aniversário, o grupo iniciou o projeto "Abra Sua Janela para SP", em que realiza serenatas em casas selecionadas pelo Facebook, e lançará CD e DVD ao vivo.

Sexta, 20h: hora de levar o carrinho de pipoca para fora e se preparar para a seresta semanal cantada da janela da sede.

Naquela noite, a Lilian, 32, mãe da Isabela, 3, parou. O José Gomes, porteiro, saiu da guarita e parou. O Adelino, 52, como faz quase sempre, vestiu seu chapéu de purpurina e parou.

Para tudo voltar ao lugar, depois que a varanda fechou.

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