Dois filmes que estreiam mostram novos ângulos e velhos dramas de SP

São Paulo é uma cidade cinza. Para mostrar esse conceito na prática, o filme "Obra" retrata a capital apenas em preto e branco. Já em "Hipóteses para o Amor e a Verdade" ela aparece em tons vermelhos e obscuros.

Esses dois filmes, que se debruçam sobre os dramas do cotidiano local, estreiam em agosto nos cinemas depois de percorrer festivais e seguir uma jornada de três anos entre a claquete e a telona.

"Obra", de Gregório Graziosi, 31, estreia na quinta (13) e acompanha João Carlos (Irandhir Santos), arquiteto prestes a se tornar pai. Enquanto ele trabalha na restauração da igreja da Consolação, são achados ossos durante uma terraplanagem feita em um terreno de seu avô. A descoberta gera atrito entre ele e seu mestre de obras (Júlio Andrade). Mostra-se um passado que se quer preservar e outro a ser esquecido, mas que tenta ressurgir de qualquer jeito.

Todo filmado em lugares reais, o trabalho traz cenas da reforma feita na Consolação e também das escavações arqueológicas no largo da Batata, durante as obras do metrô, que encontraram artefatos históricos.

Há registros de ângulos pouco mostrados de lugares conhecidos, como a parte de trás do Copan e uma pista de corrida no terraço do Conjunto Nacional, na avenida Paulista.

Premiado na categoria melhor fotografia no Festival do Rio em 2014, "Obra" traz imagens dos prédios de São Paulo em boa parte das cenas, quase sempre atrás de janelas e muros. "A cidade pressiona o personagem, o deixa emparedado. Se fosse no Rio, ele poderia ir olhar o mar e esvaziar a cabeça", comenta Graziosi. "É uma sensação que tinha aqui no centro e quis usar no filme."

A pressão da cidade também é mostrada pelo som. O barulho que se houve ao abrir a janela em um bairro verticalizado ajuda a pressionar João Carlos. "Você escuta aquele som monstruoso, olha os edifícios e não vê ninguém. Mas sabe que há muitas pessoas ali", prossegue o diretor.

Todo esse ruído se choca com o silêncio da falta de conversa entre os personagens, especialmente entre os homens. O pai de João fala pouco, enquanto seu avô, debilitado, não consegue mais se expressar.

Graziosi teve a ideia de fazer o filme após produzir um curta, também em preto e branco, sobre o monumento às Bandeiras (clique aqui para assistir ). "Os prédios do centro variam muito pouco de cor, assim como as roupas das pessoas no dia a dia", analisa.

Em "Hipóteses para o Amor e a Verdade", previsto para 20/8, o foco é o presente, retratado com cores e cenas fortes. O filme é uma versão para o cinema da peça homônima do grupo Os Satyros, criada em 2009 a partir de depoimentos de moradores e frequentadores da região da praça Roosevelt, no centro.

"A gente queria falar de amor, mas todos respondiam sobre solidão", conta Rodolfo Vásquez, 53, diretor do filme e integrante dos Satyros. "Todos os textos são versões quase integrais de depoimentos de entrevistados", afirma.

No enredo, 11 personagens com diversos problemas cruzam seus caminhos durante uma noite. Um exemplo desse carrossel: Roberto, funcionário que consegue tirar férias após três anos, chama, por falta de companhia, a prostituta Madalena para acompanhá-lo numa viagem. Grávida, ela hesita, pois se envolve com o traficante Adão,
fornecedor de cocaína para uma mãe incapaz de superar a perda do filho, morto durante um assalto.

O filme é dividido em três partes: Luz, Consolação e Paraíso, e entrecortado por números e dados sobre os problemas emocionais dos paulistanos, narrados por Nany People, que interpreta uma radialista.

As duas produções foram gravadas em 2012 e editadas e finalizadas nos anos seguintes. "Não tivemos nenhum tipo de patrocínio. Usamos nossas economias e fizemos como se fosse guerrilha. Foi suado, mas prazeroso", conta Vásquez, que se prepara para fazer outros dois filmes a partir de peças já encenadas pelos Satyros, "Filosofia na Alcova" e "Pessoas Perfeitas".

"As peças seguem em cartaz e os atores vão aquecidos. Quando for filmar, estarão donos de seus personagens", espera o diretor.

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