Em 15 anos, SP terá mais idosos do que jovens, mas ainda está despreparada

Duas mulheres em seus 70 anos hesitam em atravessar a rua da Consolação ao meio-dia de uma quarta-feira. Os semáforos estão verdes, mas a passagem livre dura menos de dez segundos. É preciso correr. Elas olham para os dois lados, testas franzidas e olhos atentos, e aceleram o passo. Só conseguem chegar, esbaforidas, ao canteiro central.

Os semáforos da Consolação, as ladeiras do Bixiga, os buracos nas calçadas e as ruas mal-iluminadas à noite em vários bairros. Muita coisa torna São Paulo uma cidade difícil para quem tem mais de 60 anos. É nesse cenário desfavorável que os moradores da capital paulista estão envelhecendo –e rápido.

Projeções da Fundação Seade mostram que até 2030 a proporção de idosos em relação à de pessoas com até 15 anos –classificadas como jovens pela padronização demográfica– deve dobrar, chegando a 20% da população paulistana.

Apesar de mais velhos, os habitantes da cidade não ficarão restritos às suas casas. Assim como a atual, as próximas gerações de idosos serão mais ativas do que as de seus pais e avós, e vão querer aproveitar esse período da vida.

"Esta é a última geração de 'idosos velhinhos'. Quem tem 85 anos viveu, trabalhando, as mudanças na sociedade, como a revolução tecnológica e a entrada da mulher no mercado de trabalho. Eram e são pessoas ativas", diz a professora do curso de gerontologia da USP Maria Luisa Bestetti.

Que o diga Maura Batista, 75 anos, 25 deles trabalhando na Polícia Civil. Depois de se separar do marido, na década de 1970, procurou a vaga para sustentar os três filhos.

Hoje, usa seu tempo para frequentar bailes, além de viajar, sozinha, pelo Brasil e América Latina. Os últimos destinos foram Salvador e Buenos Aires, "uma cidade tão pequenininha, mas aconchegante".

De vestido florido e sapato de salto alto no heliponto do Copan, onde posou para uma foto desta reportagem, diz que os filhos perguntam quando ela vai envelhecer. Hoje e nos próximos anos, Maura vê uma trajetória diferente da de seus pais.

"Minha mãe morreu com 72 anos. Lembro que as velhinhas ficavam só em casa, ouvindo rádio. Andavam um quarteirão e cansavam, não iam ao cinema, só diziam: ciclano morreu, fulano morreu."

Abel José Nunes também se vê diferente da família mineira, de quem se separou em 1955 ao se mudar para a capital paulista. Aos 94 anos, ele concorreu quatro vezes ao título de mais belo idoso de São Paulo, concedido pelo IPGG (Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia).

Na última edição do concurso, que aconteceu neste mês, estava confiante, mas evitava criar expectativas. "Não tenho ambição de ganhar. Como é que se diz? Gosto é de participar." Ele não venceu.

Abel vai ao IPGG às sexta-feiras para dançar com sua namorada, uma senhora nos seus 80 anos com quem gosta de viajar. Ele evita falar do namoro. "Põe que sou viúvo. É minha companheira, mas você sabe como é."

Acostumado a andar com ajuda de sua bengala, o representante comercial aposentado diz que os buracos nas calçadas e a violência o deixam em estado de alerta.

"Rodo pelo centro, pego ônibus, mas tem muito buraco. Deixo de sair às vezes porque é perigoso. Gostaria de passear mais à noite."

A situação do calçamento e a sensação de insegurança foram alguns dos problemas citados pelos idosos entrevistados. Além disso, aparecem as dificuldades no transporte público, com motoristas de ônibus que freiam bruscamente ou não esperam todos embarcarem, e a falta de espaços públicos de convivência.

CRISE DE ACESSIBILIDADE

Para o coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp, Fernando Bignardi, a cidade vive uma crise de acessibilidade. Se isso incomoda jovens e adultos, pode impedir o deslocamento de pessoas mais velhas. "Tem problema de acesso à saúde, de acesso aos lugares. Há uns tempos tive uma limitação física e descobri que o tempo do farol não é suficiente para cruzar a rua. "

Responsável pela Coordenação de Políticas para Idosos da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Guiomar Lopes diz que a prefeitura tenta ampliar as ações voltadas para esse público e cita entraves. Entre eles, a falta de recursos, a dificuldade de encontrar terrenos para obras e a escassa mão de obra especializada.

Por essas limitações, o plano de criar 15 Centros-Dia, locais onde idosos podem passar o dia fazendo atividades, foi adiado. Por enquanto, só duas unidades serão inauguradas.

"Estamos sensibilizando as instâncias estaduais e federais porque temos que nos preparar. Até então a gente não encontrava quase nada para a população idosa. Está aquém do que precisaria. A discussão é nova, ainda se deixa para depois", diz Guiomar.

Um agravante é o fato que as regiões de São Paulo envelhecem de forma desigual. Enquanto o centro tem maior concentração de pessoas com mais de 60, nas áreas periféricas a maioria é de jovens. Em 2010, ano do último Censo, Consolação e Parelheiros foram, respectivamente, os distritos mais velho e mais novo.

Segundo a coordenadora da prefeitura, essa diferença faz com que a falta de programas e serviços específicos para a terceira idade em bairros pobres impeça o envelhecimento saudável (ou qualquer envelhecimento) nessas regiões.

ADAPTAÇÃO

Frente a um novo cenário, a sociedade paulistana, assim como a brasileira, vai ter que lidar com as consequências de ter habitantes mais velhos. Adaptar-se a isso vai de repensar o mobiliário urbano a oferecer vagas no mercado de trabalho, passando pelas transformações nos sistemas médico e previdenciário.

Os dois últimos, como aponta o professor de finanças da USP José Savoia, são as principais preocupações. Ele indica a necessidade de hospitais voltados para doenças ligadas à terceira idade, além de mais postos do INSS na capital paulista.

A questão, no entanto, vai muito além da estrutura física. O rombo da Previdência levou o governo a propor no ano passado regras mais duras para se ter acesso aos direitos trabalhistas. A última estimativa oficial, de julho, é que o deficit nas contas seja de R$ 88,9 bilhões.

"Há 30 anos, a vida era considerada só até o fim do trabalho. As pessoas iriam viver entre 60 e 70 anos e já estavam se aposentando. O sistema se sentia à vontade. Elas pagavam a vida inteira e iriam receber por poucos anos", diz o coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento, Fernando Bignardi.

A expectativa de vida aumentou e chegou a 79,5 anos para as paulistanas, passando muito a época da aposentadoria. E aí o cálculo não fecha.

Bancar tais mudanças provoca discussões sobre a idade mínima de aposentadoria, tema atualmente debatido pelo governo.

"Não se pode mais dizer que alguém tem o final de carreira e da vida aos 60 anos. Esse grupo faz cada vez mais parte da economia", diz o assessor econômico da Fecomercio-SP (federação paulista de comércio e serviços) Fábio Pina.

Essa participação é percebida por empresas de vários setores, que começam a se mexer para oferecer produtos voltados à terceira idade.

"Várias marcas começam a pensar nisso. Agora estamos falando com um banco sobre o assunto", diz a pesquisadora de tendências da consultoria CO.R Inovação Lydia Caldana.

Para ela, depois da questão de gênero, o próximo tema a vir à tona é o envelhecimento populacional.

TRABALHO

Se a publicidade planeja artigos para esse público, o mercado começa a empregá-lo. Pina, da Fecomercio, cita casos de supermercados que contratam atendentes nessa faixa etária, e de profissionais que demoram mais para se aposentar.

Segundo levantamento do instituto QualiBest, feito a pedido da farmacêutica Pfizer, 60% dos 989 entrevistados disseram acreditar que quem trabalha após a aposentadoria fica saudável por mais tempo e mais feliz.

A empresária Costanza Pascolato, 75 anos, é um exemplo. Como consultora de estilo para a fábrica de tecidos Santaconstancia, fundada por seus pais, vai várias vezes durante a semana ao Parque Novo Mundo (zona norte). Ela diz que não se vê saindo de São Paulo ou deixando de trabalhar.

"Deus me livre. Se eu me aposentar, eu morro. Vou me sentir inútil."

Além de estar envolvida com a fábrica, ela elabora coleções com seu nome e presta consultoria para várias marcas, como uma das principais referências da moda no Brasil.

O que acontece com Costanza é, para Fábio Pina, um exemplo de como a experiência de alguns profissionais é valorizada e os fazem continuar em suas funções.

"Em serviços de advocacia e medicina, muitos vão escolher um médico ou advogado com número de registro bem baixinho, porque querem gente experiente."

Em outros segmentos, o espaço disponível para idosos é limitado. Um dos maiores medos do grupo com mais de 50, segundo o levantamento, é de ser considerado velho demais para continuar trabalhando (25%).

As restrições acontecem tanto em vagas que exigem esforço físico como nas de perfil intelectual. O ator Fúlvio Stefanini, 75, que interpreta um chefe na comédia em cartaz "Não Sou Bistrô", diz que os papéis nessa fase da vida são mais raros.

"Os personagens [a fazer] são escassos. Os jovens têm um leque maior. Mas não penso em me aposentar."

Para especialistas, é preciso mudar a visão que se tem sobre essa parte da população, que vai ser engrossada pelos adultos de hoje.

EXPERIÊNCIA

Segundo eles, a ideia de "velho gagá", criada após a Revolução Industrial, que limitava o trabalhador a sua força física, deve ser desconstruída e se aproximar do modelo japonês, onde velhice é sinônimo de experiência.

Quem viveu tantos anos em São Paulo, por exemplo, é capaz de recontar a história da capital desde seu estilo parisiense, em 1950, à explosão demográfica nos anos 1970 e o crescimento desordenado que se seguiu.

Paulistana da Penha (zona leste), Maria Martiniano, 72, é testemunha de uma cidade onde as crianças brincavam na rua. Vestindo um longo rendado para ser juíza do concurso de mais belo idoso de São Paulo, e sem rugas na pele negra, ela diz que não mudou de lá para cá. Só ficou mais velha.

Colaboraram Natália Albertoni e Rafael Balago

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