Aulas só para mulheres se apoiam em clichês para tirar medo de dirigir

"Só não começo a chorar agora porque meu olho vai embaçar. É muito bom, não acredito que estou fazendo isso", afirma Marcia Israel Borges, 39, com a voz embargada e as mãos no volante.

É a primeira vez que a ex-coordenadora financeira dirige na Radial Leste, uma das principais vias da capital paulista. Desde que tirou a habilitação, há quatro anos, ela não teve coragem de sair com o carro da garagem uma única vez. "Eu tinha medo mesmo, pavor."

O jeito foi procurar um centro de treinamento para habilitados que, por medo ou insegurança, travam na hora de dirigir -mas não exatamente um centro comum.

Depois de ver um carro cor-de-rosa pelas ruas da zona leste, ela decidiu buscar ajuda no Mulheres Habilitadas, criado em dezembro do ano passado para "transformar vidas, incentivar a independência e mostrar que as mulheres são capazes de tudo". Em menos de um ano, o centro conta com quatro unidades na capital e cerca de mil alunas.

"Hoje existe academia só para mulheres, lojas de sapato? O mercado especificou isso. Pensamos: 'Por que não focar totalmente nisso, da cor do carro ao método de ensino?'", diz a psicóloga Grace de Araujo Carvalho, que administra o Mulheres Habilitadas com o marido, João Paulo de Carvalho.

A cor dos carros -um rosa pink "mais adulto e mais forte, que lembra a nossa força", segundo Grace- também estampa camisetas, panfletos e paredes da sede. O mesmo ocorre no Mulheres no Trânsito, idealizado por Carla Muller em outubro: rosa nas portas, nos móveis, nos carros e no uniforme das instrutoras, todas mulheres.

"É uma cor que transmite a nossa ternura, o nosso amor feminino com o próximo e o nosso lado sedutor, porque mulher, além de dirigir, é bem vaidosa", diz Carla. Os slogans incluem linhas como "pegue o blush, o batom, o rímel e as chaves do carro também".

As mulheres no trânsito da cidade representam 33,6% do total de motoristas, segundo o Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo). As que procuram os serviços desses centros, de acordo com as proprietárias, o fazem quase sempre por necessidades que envolvem a família.

É o caso da microempreendedora Paula Pires Gonçalves, 33, que fez 15 aulas no Mulheres no Trânsito. "Não dá pra carregar minha filha na rua com um carro parado na minha garagem", diz. Ali, dez aulas com três sessões de terapia saem por R$ 850. No WR Habilitados, que atende tanto homens quanto mulheres, o pacote custa R$ 450 (sem terapia).

Na empresa de Carla, a equipe é toda feminina, mas na de Grace as mulheres aprendem com os homens: "Tentamos com mulher e não deu certo. A gente percebia que existia um conflito, uma rivalidade por parte da aluna, por sentir que a professora chegou lá e ela não".

As proprietárias rejeitam a ideia de que o conceito ajudaria a propagar estereótipos de gênero. "Não podemos perder a nossa identidade. Nós somos mulheres, somos delicadas e não vamos perder a nossa feminilidade na hora de dirigir, mas mostrar que ela pode estar ali no meio", afirma Grace.

Publicidade
Publicidade