Conheça três fazendas de orgânicos que vendem produtos para a capital

Às 8h de um sábado, patos e galinhas dividem o espaço com famílias e naturebas em frente ao galpão onde é realizada a feira de orgânicos do parque da Água Branca (zona oeste).

Lá, enquanto faz malabarismos para manter o filho Thomas, de um ano e nove meses, em um triciclo, a publicitária Nayhara Liz de Oliveira, 31, conta que começou a procurar orgânicos após o nascimento do garoto. "A minha mãe já comprava, mas, depois que ele nasceu, eu comecei a procurar mais. Estou tentando melhorar a nossa alimentação."

No mesmo local, a turismóloga eslovaca Denisa Bandurova, 29, explica que frequenta o espaço há três meses. Ela se mudou para São Paulo recentemente e teve problemas de adaptação alimentar. Ficava doente com frequência e, preocupada com o abuso de agrotóxicos no país —"o Brasil é campeão"—, começou a se interessar pela alimentação saudável. Assim chegou à feira. Melhorou. "Mas não sei se tem a ver", adverte aos risos.

Não utilizar agrotóxicos, adubos químicos ou substâncias sintéticas que agridam o ambiente é a principal característica da produção orgânica, de acordo com o Ministério da Agricultura. E é também a mais lembrada pelos consumidores que buscam produtos que estampam o selo federal do SisOrg (Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica).

No entanto, segundo a pasta, para ser considerado orgânico, o processo produtivo também deve contemplar o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando ainda as relações sociais, culturais e trabalhistas.
Segundo a Coordenação de Agroecologia Nacional, da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo, há 11.313 produtores de orgânicos no Brasil. Em São Paulo estão 1.296. A sãopaulo visitou três deles, localizados a uma distância de até 200 km da capital paulista para mostrar, enfim, de onde vêm essas verduras, frutas, legumes e até iogurtes que vão parar na geladeira dos paulistanos.

FÁBRICA DE SUCOS

Em Itirapina (a 212 km da capital), a Fazenda da Toca produz ovos, laticínios e sucos orgânicos. A propriedade de 2.300 hectares é administrada pelo ex-piloto de F-1 Pedro Paulo Diniz, 45, um dos seis filhos do empresário Abilio Diniz -ex-dono da rede arejista Pão de Açúcar.

Antiga figura fácil das colunas sociais, Pedro Paulo afirma ter mudado definitivamente de estilo de vida com a chegada do primeiro filho, em 2006. Deixar um mundo sustentável de herança inspirou o ex-piloto a procurar novas formas de negócio. A pesquisa o levou à agricultura orgânica.

A partir de 2009, a Toca, originalmente dedicada à produção convencional de laranjas, iniciou o processo de conversão. A transição para o sistema orgânico levou três anos. O período estabelecido por lei varia de acordo com o tipo de cultura (perene ou anual) e corresponde ao tempo transcorrido desde a data da última aplicação de insumos sintéticos até o cultivo ser reconhecido como orgânico. É um período de limpeza.

O próximo passo foi a criação de uma agroindústria. Na Toca há uma fábrica de sucos, outra de laticínios e uma de embalagem de ovos.

"Optamos por isso por duas razões: para agregar mais valor aos produtos e por acreditar que, controlando toda a cadeia, teríamos mais qualidade", esclarece o empresário.

No início, ele diz ter enfrentado resistência. "Quando começamos a falar de reflorestar, diziam que isso era bom somente para a agricultura familiar. Mas estamos mostrando que faz sentido, sim, e que vai trazer um retorno financeiro." A expectativa é que, em 2015, a fazenda registre o seu primeiro lucro, com um faturamento de R$ 26 milhões.

Desde 2011, a Toca passa pelo processo de implementação de um sistema agroflorestal. O formato é baseado na inteligência de uma mata nativa.

Cada planta contribui com diferentes funções, deixando o sistema mais eficiente. Os cítricos, por exemplo, são plantados com bananeiras, porque essas são ricas em potássio. O resultado é muita matéria orgânica, um solo vivo e rico em nutrientes e um ambiente produtivo e equilibrado.

PLANTAS ESQUECIDAS

A Santa Adelaide Orgânicos, em Morungaba (a 107 km da capital), trabalha com cerca de 60 tipos de legumes, frutas e verduras, incluindo seu diferencial, as plantas "esquecidas" -caso da cenoura roxa e da beterraba amarela. Deixadas de lado pelo mercado, não foram plantadas por muito tempo.

Na fazenda, ganham espaço por serem ricas em histórias e tradição culinária. "As pessoas acham que, ao seguir as estações [de colheita], o cardápio ficará mais restrito. Mas trabalhando com essas plantas esquecidas, você vai colher uma cenoura, mas percebe que pode ter cinco ou seis tipos de cenoura e até com cores diferentes", diz o proprietário, David Ralitera.

Já para evitar bichinhos que gostam de ficar nas flores e podem acabar dentro dos frutos no processo final, ele usa calda de cebola, alho e pimenta do reino. Funciona como repelente. Outro recurso é a utilização de plantas amigas. Em volta do tomate, por exemplo, há manjericão e e outros temperos com odor forte, não atraentes para animais.

O francês, que já mora no Brasil há sete anos, se dedica à fazenda há seis. No início, no entanto, colocar as mãos na terra era um respiro para sua rotina como diretor de mídia na JWT. Em 2012, deixou a posição na agência de publicidade e começou a se dedicar integralmente à fazenda.

No começo, entregava 20 cestas com os produtos para amigos e atendia um restaurante. Hoje, trabalhando com 15 hectares certificados, envia 150 cestas por semana (a partir de
R$ 54) e fornece alimentos in natura para 40 restaurantes.

David destaca a importância de respeitar as condições climáticas de cada região e a sazonalidade dos produtos. "A gente interfere muito na horta porque quer plantar coisas que não têm nada a ver com o clima, o bioma e com a história da terra", explica. "O sul do país está acostumado a ter tudo o tempo todo no mercado. É um erro gigante." Ele lembra que comprar produtos da estação também é mais barato, já que, ao interferir menos no plantio, o custo de produção fica menor.

AULA DE NATUREZA

Para Caio Feres, 30, um dos idealizadores do Sítio Escola Portão Grande, em Várzea Paulista (a 54 km de São Paulo), o consumidor de orgânicos está mais receptivo à sazonalidade dos produtos.

"Claro que ele tem suas preferências, mas, quando vai à feira, sabe que não está no Pão de Açúcar", afirma o coordenador de plantios. O sítio produz frutas e hortaliças -destaque para o inhame e para a banana.

Hoje uma associação sem fins lucrativos, a propriedade foi de Jorge Feres, avô de Caio e pai de Antônio Feres, 59, presidente do conselho diretor do sítio. Quando Jorge envelheceu, quis vender as terras em que cultivou hortaliças e frutas com manejo convencional durante 50 anos.

Antônio o convenceu de que deveriam dar alguma finalidade ao terreno, mas não havia projeto. Até que Jorge morreu, em 2011. Foi quando a família decidiu criar uma organização para promover ações educativas por meio da "agropedagogia".

"A ideia é formar o pessoal mais jovem com conceitos de sustentabilidade, preservação e qualidade nutricional, em contraponto às drogas e ao banditismo", explica Antônio.

Por enquanto, o Portão Grande ainda não conseguiu estruturar programas fixos, mas promove "day camps" para profissionais da educação, restaurantes e escolas.

Os eventos são pagos por pessoa e o valor varia com o tamanho do grupo. Para a turma de uma escola particular, por exemplo, sai R$ 150 por aluno. Divididas em turmas, as crianças conhecem o processo produtivo, que inclui técnicas de manejo ensinadas pela agrônoma Ana Primavesi. Entre as principais estão forrar o solo com palha e plantar sobre ela, usar biofertilizante aeróbico (um caldo de micro-organismos) e fazer plantio consorciado (duas espécies ou mais cultivadas em conjunto, com interação biológica benéfica para todas).

E FAZ BEM MESMO?

Com esses cuidados todos, o alimento orgânico é mesmo melhor? Segundo a nutricionista Lucyanna Kaluff, sim. O primeiro ponto a ser levado em consideração é que ele é livre de substâncias químicas tóxicas.

"A química dos pesticidas altera as células do corpo humano, acarretando aumento na defesa do sistema imune frente a essas substâncias que o nosso metabolismo não reconhece.

Isso traz alterações na expressão genética e na regulação endócrina. O resultado é uma incidência cada vez maior de doenças como câncer, diabetes, infertilidade, alergias e problemas neurodegenerativos e respiratórios."

Além disso, Lucyanna afirma que alimentos orgânicos oferecem mais nutrientes. Isso porque "os solos ricos e balanceados com adubos naturais produzem alimentos com maior valor nutricional", explica.

Sebastião Wilson Tivelli, pesquisador da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), pondera, porém, que, cientificamente, não há trabalho confiável na área que possa comprovar com números que um alimento orgânico é mais nutritivo do que o convencional.

"Existe muito interesse comercial por trás dessas informações. Um trabalho sério teria que comparar plantas produzidas em solos com os mesmos teores de nutrientes. Caso contrário, a base é incorreta. Lógico que uma planta produzida num solo mais rico terá mais nutrientes do que um mais pobre."

Apesar das incertezas, a demanda por orgânicos aumenta. De acordo com o Projeto Organics Brasil, programa ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, o crescimento esperado para o setor nos próximos anos é de 30% a 40% anuais. Em 2014, o faturamento ficou na casa dos US$ 750 milhões.

O surgimento de espaços destinados a esse mercado também é uma evidência. Exemplos são a feira do Shopping Villa-Lobos e o Instituto Chão, inaugurado em junho.

A associação sem fins lucrativos da Vila Madalena é composta de um café e uma mercearia com produtos orgânicos que são vendidos pelo preço do produtor. Para se bancar, o instituto sugere o pagamento de uma taxa voluntária sobre as compras.

Há ainda o aumento de pedidos para a criação de feiras orgânicas. Marcio Stanziani, 57, secretário-executivo da AAO (Associação de Agricultura Orgânica), que organiza as feiras do parque da Água Branca e do Villa-Lobos, diz que a procura se tornou mais intensa há cerca de dois anos.

"O consumidor está querendo esses produtos. Recebemos pedidos [para ter feira de orgânicos] de condomínios, empresas, lojas, grupos organizados em bairros. A demanda é até maior do que a produção. Não temos produtores para atender."

Para aumentar a oferta, a AAO luta por recursos, principalmente, para disponibilizar assistência técnica a produtores e incentivar a conversão.

A associação está envolvida, por exemplo, nas discussões da regulamentação do projeto de lei aprovado em março pelo prefeito Fernando Haddad (PT), que obriga a inclusão de alimentos orgânicos no cardápio dos alunos de escolas municipais.

Segundo a prefeitura, o objetivo —num futuro não próximo— é que a alimentação escolar seja totalmente orgânica. Como a demanda de 2 milhões de refeições diárias não pode ser atendida de uma vez, a nova lei deverá ser implantada de forma gradativa.

"É um meio de democratizar o acesso ao orgânico. O que pode ocasionar em uma mudança de hábitos de consumo, já que a criança veicula as informações dentro de casa", diz Luiz Henrique Bambini, 30, assessor do Departamento de Alimentação Escolar.

As estratégias e metas para que isso ocorra deverão constar do Plano de Introdução Progressiva de Alimentos Orgânicos ou de Base Agroecológica na Alimentação Escolar, em elaboração.

Segundo a prefeitura, a administração já compra produtos orgânicos para a merenda. Em 2015, foram investidos aproximadamente R$ 25 milhões nesses produtos. Ao todo, 466.352 crianças de 2.002 escolas municipais consomem alimentos orgânicos na merenda.

CUSTOS

Uma das reclamações em relação aos orgânicos é que os preços mais altos limitam o consumo. "Não abro mão desses produtos, mas o valor cobrado em comparação aos convencionais pode chegar a até três vezes mais", diz a dentista Paula Araújo.

Para Marcio Stanziani, secretário-executivo da AAO, isso acontece porque a produção convencional não tem o custo ambiental calculado.

"Surpreendentemente, alguns produtores orgânicos estão conseguindo produzir com o mesmo custo ou ainda menor do que o convencional. Mas o custo ambiental está embutido no produto. Não que ele tenha que ser mais caro, mas é um preço mais realista."

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