Hermeto Pascoal revê carreira em show gratuito no Auditório Ibirapuera

Chaleiras, abóboras, garrafas plásticas, tamancos, pilões, latas, máquinas de costura. Qualquer objeto vira instrumento musical ao sofisticado toque de Hermeto Pascoal.

Fãs e curiosos poderão conferir com os próprios olhos essa criação com ares de feitiço neste sábado (7), quando o compositor e multi-instrumentista realiza espetáculo gratuito no Auditório Ibirapuera. O show é parte da programação da nona Semana Ticket de Cultura.

Improvisos e arranjos marcados por percussão dão o tom da apresentação com a Nave Mãe, como o "bruxo" chama seu grupo.

"Cada show é uma história. Quando começa, é como jogo de futebol, você não sabe quantos gols vai fazer", diz o artista, que afirma nunca ter feito uma apresentação ruim. "Sempre é bom, o público ajuda, tem essa coisa da energia."

O músico investe parte da conversa falando sobre os sons ao seu redor e lembra a fama de irreverente: "Quando ainda não sabia escrever partitura, dava gorjeta pro cobrador avisar os passageiros no ônibus que eu não era louco, só estava decorando música pra tocar à noite".

Auditório Ibirapuera Oscar Niemeyer - plateia interna. Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portões 2 e 3 (veículos), Parque Ibirapuera, região sul, tel. 3629-1075. 800 lugares. Sáb. (7): 21h. Livre. Retirar ingr. 90 min. antes. Estac. (sistema Zona Azul). GRÁTIS

Leia a entrevista, na íntegra, abaixo.

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O que podemos esperar para sua apresentação no Auditório Ibirapuera?

Cada show é sempre uma história diferente, a gente toca algumas músicas dos discos que a gente vai fazendo enquanto vai vivendo nesse mundo bonito. Existe uma lista, só que não tem uma ordem. Quando o show começa é como jogo de futebol, você não sabe quantos gols vai marcar. A diferença é que eu nunca fiz um show que eu pensasse "puxa vida, hoje não foi muito bom". Eu não não deixo isso acontecer. Sempre é bom, sabe? Porque também tem o público, que ajuda muito, essa coisa da energia. Desta vez, nós vamos tocar composições novas e estou com a ideia de fazer um sorteio de alguma música. A pessoa que for sorteada na hora recebe, como se fosse uma loteria, a música pra ela, podendo gravar e tudo mais.

Como assim? Ela recebe os direitos autorais?

Sim, só o meu nome que continua como o do compositor da música.

Mas ainda não é algo concreto, certo?

Eu to pensando nisso, mas precisa de uma organização. É uma ideia antiga já, eu não gosto de premeditar por muito tempo, mas não sei se a produção vai querer. Eu estou dizendo isso em primeira mão pra você.

Voltando ao show, então não tem um repertório definido?

Nunca tem, só tem repertório definido nas gravações de um disco, aí não tem jeito. Às vezes, tocando com o grupo, tá lindo, maravilhoso, mas aí eu sinto que vai ficar mais lindo ainda se eu fizer uma intervenção no meio. O público já está acostumado, eles não sabem o que eu vou fazer, porque eu também não sei. A única coisa que é combinada é que, quando eu dou o sinal, o grupo para e eu pego uma chaleira ou outra coisa e começo a criar.

Podemos esperar instrumentos não convencionais nessa apresentação?

Sim, tem números que você não acredita que são escritos com eles. Eu tenho uma que o nome é "Tamancos e Pilões", tocada com partitura e tudo. Quem vê pensa que não é normal, mas você pode pegar essa peça e tocar com instrumentos convencionais. Só que o lindo é como ela foi feita. Às vezes me dá vontade de cantar com o público também, é lindo a gente criar na hora, parece uma coisa ensaiada de tanta musicalidade que eles têm. Quando eu não canto, eles vão até o camarim perguntar o porquê e eu digo "sabe o que é? Hoje eu tô muito desafinado", brincando. Eu levo isso como uma família, é por isso que eu chamo de música universal.

O que é a música universal?

Não tocamos um estilo só. Eu faço de tudo pra tocar bonito, atual, moderno. Não é porque é moderno que não é simples. Eu sou influenciado por tudo que você possa imaginar, por futebol, pintura, o jornalismo me inspira muito. Música, pra mim, está em todos os contextos. Tem muita gente tocando por aí com esse negócio de computador, só apertando os botões. Eu tenho cuidado de cada um fazer o máximo que pode no grupo. Eu me considero 100% intuitivo, sinto primeiro para depois fazer.

Sua relação com os sons da natureza durante a infância na roça é bem conhecida. Como é a sua relação com os sons da cidade?

Eu vim pra cidade com 14 anos, mas foi muito forte o tempo que eu passei na minha terra. Eu ter nascido com uma percepção sensacional me fez aproveitar bastante o tempo que eu fiquei lá. Muita gente reclama do trânsito das cidades grandes, essas coisas, mas se eu tivesse ficado lá [no interior do Alagoas], eu já estaria cansado, não dos rios, mas da mesmice. Um dia, esperando um taxi que não chegava nunca, me veio a ideia de ficar com os olhos fechados, tapando os ouvidos, para ver o que eu iria sentir quando eu destapasse tudo. Menina, se eu não tivesse encostado num poste de ferro, eu teria caído. Foi tão forte a intensidade do barulho que eu senti, sabe o que veio na minha cabeça? Eu imaginei o impacto do nascimento, é por isso que a criança chora. Aí eu fiz a peça "Do Feto à Vida".

Como foi seu aprendizado teórico?

Eu vim aprender teoria musical com 42 anos, agora eu estou com 79 anos. No ônibus, quando eu não sabia escrever música, eu dava uma gorjeta pro cobrador avisar os passageiros que eu não era louco, que eu só tava decorando uma música pra tocar à noite. Agora, quando eu penso em uma coisa, eu posso pegar um caderno e escrever uma música dentro de um ônibus, no meio da rua, às vezes no bar.

Alguma novidade prevista para um futuro próximo?

Eu estou fazendo um trabalho com xícara, prato, guardanapo, tudo que você possa imaginar dessas coisas de restaurantes. Já tem muitas músicas prontas, com previsão para serem lançadas no meu próximo aniversário. Eu estou fazendo também uma música com tampa de privada, imagina, sabe o quanto de música que dá? Três! Ela, fechada, é uma música quando abre; a de baixo, quando levanta, é outra; e, quando se senta, uma terceira diferente.

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