A vida escorreu, findou, diz fotógrafo da Folha que registrou Cantareira seco

A água escorreu, a lama secou, o chão encraquelou. Rachaduras formam miniaturas de canyons. É preciso caminhar com cuidado, pois a superfície se tornou uma casca fina de terra seca sobre a lama, podendo afundar com o meu peso. Não existe viva alma nas proximidades. Os sítios estão lá no alto, próximos à antiga margem da represa. A água não apenas se foi, a represa virou mato.

Era um lugar de lazer, embarcações para passeio e pesca, moças tomando sol, os rapazes fazendo mergulhos espetaculares, mas a vida escorreu, findou. É a terra arrasada, abandonada. Um lugar que não existe porque ninguém mais pode usufruir dele.

Píeres abandonados se tornaram o lugar preferido de marimbondos. Risos de crianças foram substituídos pelo zumbido. Existe também o barulho de quero-queros que gritam como loucos.

Ouço um bater de asas distante uns 50 metros. É um pato na beira do fio d'água. Ao me aproximar, percebo que ele não consegue se deslocar. Chego bem perto e coloco a câmera na terra. Assustado, o pato tenta voar flap, flap, flap e lança lama para todo lado, no meu rosto, na câmera e na roupa. Observo que o pé dele está preso a uma linha de pesca e a uma vara abandonada. Seguro o bicho virando-o de ponta cabeça, o anzol o está perfurando.

Tiro com cuidado, não sem me machucar. Pronto, o pato está livre e desce pela "correnteza" do fio de água até alcançar a represa, distante uns 500 metros. Salvei uma vida, ele ficaria preso até morrer de fome, ou até ser abatido por algum urubu.

Do outro lado da represa, avisto outros píeres. Acho que dá para atravessar pelo leito da represa que já parece consistente o bastante para sustentar meus 75 quilos. Consigo sem maiores problemas. Que pena.

*

Confira ensaio sobre a seca no coração do atual sistema Cantareira

Diego Padgurschi
Publicidade
Publicidade