Do Morumbi à cracolância, acompanhamos sete dias de protesto

São Paulo está fervendo. Há sempre algum grupo gritando pela cidade com uma reivindicação urgente. A proliferação de protestos é tão intensa que não é difícil encontrar pelo menos um por dia, como greves, passeatas de qualquer tamanho, panfletagens e ocupações de espaços públicos.

A sãopaulo foi às ruas por uma semana, de 10 a 16 de novembro, para procurar essas manifestações pela cidade e seus participantes.

Vive-se uma agitada primavera paulistana, quando não faltam problemas de todos os tipos para resolver, demandas políticas, vontade de luta e grande disposição de confronto de ideias. Para completar, há uma falta de perspectiva de entendimento e uma sensação geral de crise.

De repente, dobra-se a esquina da rua Anchieta, vindo do Pateo do Collegio, no centro, e aparece um grupo de centenas de funcionários da OAB em greve por causa da perda inesperada de seu plano de saúde. A avenida Paulista foi interrompida duas vezes ao longo da semana. Metalúrgicos, químicos, bancários; todos estão lá. A cada instante, um novo coletivo, minoria, comunidade, grupo político, sindicato decide expressar sua insatisfação.

Estão nas ruas pessoas de todos os tipos e credos, desde estudantes do ensino público, professores, mulheres em defesa do direito ao aborto e em luta contra a violência e o racismo, ativistas da melhoria do uso do espaço público, taxistas, ciclistas, trabalhadores do setor privado e do governo, além das turmas mais generalistas do Fora Cunha e Fora Dilma e dos comunistas, monarquistas, religiosos ultraconservadores, saudosos da ditadura e outros, muitos outros.

Todos os protestos acompanhados entre os dias 10 e 16 tiveram, no máximo, centenas de participantes. Na casa do milhar, apenas o primeiro deles: a passeata contra a reorganização das escolas públicas estaduais.

Em nenhuma passeata ou ocupação acompanhada pela reportagem houve violência. A jornada de manifestações de sete dias começou no Morumbi, passou pelo Pacaembu, Canindé, Piqueri, avenida Paulista, Consolação e praça da Sé e terminou na cracolândia, na região do Bom Retiro.

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Terça-feira, 10 de novembro de 2015

Não à reorganização das escolas estaduais

Por volta do meio-dia, ônibus cheios de alunos e professores do ensino público estadual começam a chegar à praça em frente ao estádio do Morumbi. São manifestantes convocados pela Apeoesp (sindicato dos professores) para sair em passeata até o Palácio dos Bandeirantes. Vão protestar contra o projeto de reorganização das escolas.

Alunos, pais e professores se opõem ao fechamento de 94 escolas e à redução do total de colégios com dois ciclos. A prioridade é separar, em unidades diferentes, o fundamental e o médio.

Em meio aos manifestantes, um grupo de 20 estudantes acompanhados de professores da escola Professor Fidelino Figueiredo, no centro, avançava altivo. O colégio passará a atender apenas o ensino médio. Os alunos do fundamental terão a preferência na transferência para a João Kopke, no epicentro da cracolândia, a 2 km de distância.

"Mesmo a João Kopke sendo uma excelente escola, é absurdo querer que as crianças caminhem até um lugar de alto risco", disse a professora de história Silvana de Assis, 43, por princípio, contra o fechamento de qualquer escola, que estava no ato com o filho, Antonio Soares, 15, aluno da Fidelino.

[Na quinta-feira (19), o governo estadual propôs a suspensão temporária da reorganização da rede de ensino.]

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Quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Taxistas contra os carros pretos

Trinta taxis se espalhavam pela praça Charles Miller, no Pacaembu, às 7h. O céu estava azul e o clima, fresco. Eram os primeiros participantes de mais um ato convocado pelo sindicato dos taxistas contra o aplicativo Uber.

Um dos primeiros a chegar foi Fausto Junior. Taxista há 11 meses, ex-comerciante, diz estar cansado de perder clientes em porta de casas noturnas para os carros pretos e luxuosos do aplicativo. Diz que o serviço não paga imposto e que destina todos seus ganhos para fora do Brasil. "Nosso movimento é legalista e nacionalista", explica.

Carlos Rubino, conhecido como Rambo pelos seus colegas do ponto em Congonhas, trabalhou como taxista nos EUA e se diz preocupado. "Não tem jeito, é uma bola de neve, se não tirarem o aplicativo do ar, vai ocupar todo o mercado", afirma. "Vi isso acontecendo em Nova York, onde um táxi chegou a valer US$ 1 milhão e hoje não vale nada."

O protesto atraiu cerca de 600 taxistas, que lotaram as vagas do estacionamento em frente ao estádio. Cerca de dois terços dos manifestantes vieram de Guarulhos e Congonhas, especialmente afetados pelas novas tecnologias. Às 11h, os taxistas seguiram em carreata para a prefeitura e, depois, para a Secretaria da Segurança Pública para cobrar fiscalização sobre o Uber.

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Quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Performances, canto e danças pelas mulheres

Passava das 17h e a artista plástica e aluna de psicologia Andressa Crossetti, 26, se preparava para participar do ato contra o projeto de lei 5.069, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o aborto legal em caso de estupro.

Ela ensaiava, com outras mulheres de seu coletivo feminista, performance que faria no protesto. Usava vestido bege manchado de tinta vermelha, numa metáfora dos abortos "criminosos". "Essa é a minha luta."

Em vez de carros de sons ensurdecedores, o que ativava a passeata eram encenações, ensaios de dança e trabalhos coletivos para pintar algumas grandes faixas. Cheios de energia e determinação, dezenas de núcleos feministas se espalhavam por toda a área do vão do Masp. Mulheres de todas as idades, casais, famílias e homens, caso do artista plástico Raul Zito, 33, preparavam-se para protestar. "A questão do aborto, da violência e do racismo não é só das mulheres, mas de todos."

Com um megafone, a aluna de serviço social Janaina Oliveira, 26, da Assembleia Nacional dos Estudantes Livres, sentia-se com todos os motivos para participar. "Como mulher, negra e jovem eu não tenho nenhuma perspectiva de futuro a não ser pela luta", explica. Com cantos combativos e coreografias vigorosas, a passeata saiu do Masp e foi até o largo do Paissandu.

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Sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Bandeiras vermelhas no Fora Cunha

Na prática, foi um segundo dia de Fora Cunha, exatamente no mesmo horário e lugar, o vão do Masp. Se o evento contra o PL 5.069 teve uma concentração mais lúdica e performática, o Fora Cunha organizado pela CUT começou de maneira mais tradicional, com bandeiras vermelhas do sindicato dos bancários tremulando na Paulista.

O fotógrafo Edouard Fraipont e o filho Yuni estavam entre os manifestantes. Fraipont tentou participar na quinta, mas chegou um pouco atrasado. Decidiu convidar Yuni para o dia seguinte. "O Cunha representa um retrocesso em várias questões. Só apresenta pautas conservadoras, como criar mais restrições ao aborto legal."

O bailarino Pedro Costa, 51, e sua mulher, a assistente social Elisa Canola, 31, que carregava o filho Vicente, tinham a mesma opinião. Querem tirar Cunha da política. "É uma liderança reacionária que não tem a melhor noção do que é bom para as mulheres", afirma Elisa.

Às 18h, os manifestantes entraram na Paulista e, logo em seguida, pararam diante do Conjunto Nacional, onde uma grande faixa de Fora Cunha foi desenrolada no terraço. Rapidamente, a segurança interveio. A passeata, prevista para descer a Consolação, teve menos integrantes do que o esperado e acabou tomando o caminho da Augusta, com menos impacto para o tráfego.

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Sábado, 14 de novembro de 2015

Ocupação de escola, ocupação urbana

A professora de história Silvana de Assis, a mesma que estava no ato de terça-feira, começa a manhã com pais de alunos no colégio Professor Fidelino Figueiredo para discutir a transferência para a João Kopke. Muitos pais não permitirão que os filhos façam a caminhada até a cracolândia, caso da analista de meio ambiente Antônia Barros, 62, responsável pelo neto de 12 anos. "Essa reorganização não faz sentido", diz.

O movimento de estudantes ganhou fôlego sexta à noite, quando a Justiça suspendeu as reintegrações de posse das escolas ocupadas. Nove delas amanheceram sob controle dos alunos, incluindo a Professor Xavier Antunes, no Piqueri, uma das unidades que o governo pretende fechar. Seus 882 alunos serão redistribuídos em cinco escolas.

Beatriz da Silva, 16, e sua mãe, Rosemeire Gomes, 36, estavam em frente à escola, às 15h. "Sou totalmente contra tirar a escola do bairro e jogar nossos filhos para longe", diz Rosemeire.

Sábado é dia também de outros tipos de ocupação, como o do Festival Bike Arte, na praça Kantuta, no Pari, para promover a cultura da bicicleta e novos usos do espaço urbano. Estava por ali o ativista Julio Dojcsar com sua Casa Rodante, carro equipado para colar cartazes lambe-lambe com mensagens artísticas pelos muros da cidade.

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Domingo, 15 de novembro de 2015

Homenagem ao filósofo de direita

O professor de piano Mario Umetsu, 24, é uma unidade política autônoma que organiza seus próprios protestos. Administrador da página Tradição Católica no Facebook, com 6.700 curtidas, circula pela praça da Sé com uma imagem de Nossa Senhora nos braços, bradando ataques ao cardeal e arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, com quem diz ter divergências ideológicas.

Por volta das 15h, Umetsu era um dos cerca de 300 participantes de uma manifestação-homenagem ao filósofo Olavo de Carvalho, na Paulista, em frente ao Trianon, onde se viam cartazes como SOS Forças Armadas e Salve o Brasil. O protesto estava conectado com o Fora Dilma, em Brasília, mas tinha agenda própria. Era contra todos os governos e a favor das ideias do filósofo. O caminhão de som comandado por locutores da rádio Vox, autoproclamada a "webrádio mais reaça do Brasil", estampava em sua faixa principal a hashtag #Olavotemrazao.

O estudante Danilo Costa, 22, e a artesã Érica Lopes, 29, defensores da monarquia e admiradores de Carvalho, ouviam com atenção as palavras de ordem. "Viemos porque o Brasil está indo para a imoralidade total."

O ato dos grupos de direita convivia pacificamente com ciclistas e pedestres na Paulista fechada para os carros.

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Segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Escolas (de novo), greve e lambe-lambes

Pela manhã, dez escolas estavam sob domínio dos alunos, que pressionavam o governo a retroceder na reorganização. Às 7h, a João Kopke, na cracolândia, foi ocupada por uma centena de alunos.

Ao mesmo tempo, os 2.500 funcionários da OAB-SP entravam em greve por falta de assistência médica privada desde o colapso da Unimed Paulistana. A sede amanheceu vazia, com seus 300 ocupantes no térreo, na rua Anchieta.

Na frente da João Kopke, cerca de 30 pessoas apoiavam a ocupação. A professora de história Maria Aparecida da Silva estava lá, ao lado da professora Silvana de Assis. "Sem alunos do ensino médio essa escola será inviabilizada", previa Maria Aparecida. Às 15h20, o sindicato dos professores computava 19 ocupações.

A 400 m da escola, na esquina da Helvétia com a Dino Bueno, via-se estacionada mais uma vez a Casa Rodante de Julio Dojcsar, que também desenvolve projetos para os moradores da cracolândia.

Com ele estava o artista plástico Raul Zito, da passeata contra o PL 5.069, colando lambe-lambes nas paredes do Hotel do Cícero, em uma intervenção de baixa intensidade para tentar tornar a vida no bairro melhor. De alguma forma, era mais um pequeno protesto na cidade contra a ordem das coisas, uma espécie de antiprotesto.

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