'Comportamento da Polícia Militar deixa muito a desejar', diz ouvidor

Alberto Rocha - 20.jan.2016/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 20-01-2016: Walter Foster, 70, Ouvidor-Adjunto da Polícia Militar de SP. (foto Alberto Rocha/Folhapress)
Walter Forster, 70, ouvidor-adjunto das polícias do Estado de São Paulo

Walter Forster Junior está preocupado. No começo do ano, ganhou uma ruga: os protestos do Movimento Passe Livre pela redução da tarifa de transporte, nos quais policiais protagonizaram cenas de violência. Ouvidor-adjunto das polícias do Estado, media conflitos entre a polícia e a sociedade civil, recebendo 5.800 denúncias por ano.

Sobre as manifestações, diz que a Polícia Militar deveria estar mais bem preparada para "não se ofender tanto" com as provocações dos manifestantes e que o treinamento atual capacita policiais para uma guerra inexistente. Mas pondera: não é só criticar a PM, é preciso mudá-la.

sãopaulo - Como avaliou a PM nos protestos?

Walter Forster - O trabalho da polícia tem sido um pouco mais exacerbado diante da reação das pessoas. Ela [a PM] deveria estar mais preparada para não ficar tão irritada com provocações dos manifestantes. Na manifestação [do dia 12], verificamos que havia a intenção de que não saísse o protesto. Estou dizendo a minha percepção. Como representante da ouvidoria, tive um atrito com o capitão. Disse que estavam impedindo a liberdade de ir e vir, mas foram intransigentes.

Por que alguns policiais não conseguem lidar com as provocações?

É como se estivessem numa torcida. Um grita, e é um rastilho de pólvora. Vi um rapaz xingando e falando coisas, e eu não teria aguentado dez minutos. O soldado aguentou, mas o colega dele começou a xingar. Como defensor de direitos humanos, tenho que olhar os dois lados.

Após os protestos circularam vídeos de policiais supostamente forjando flagrantes. Como vê isso?

O comportamento da Polícia Militar deixa muito a desejar. Quanto a colocar coisas na mochila, não estranho nada, porque temos visto várias vezes uma pessoa ser assassinada e colocarem uma arma, que não a pertencia, na mão dela. É a mesma coisa. Este é o problema: ter, numa corporação de 90 mil pessoas, alguns que agem à revelia do manual. Cria um problema de desconfiança.

Essa desconfiança vem crescendo?

A reprovação tem razão de ser, visto que alguns policiais têm cometido assassinatos, chacinas –supostamente, já que não temos uma definição clara. Isso faz com que se perca a confiança. Mas não são todos. Os que querem trabalhar perdem autoestima e saem da polícia. Percebemos um aumento do número de policiais indo para tratamento psiquiátrico. A situação passa pelo treinamento. [O PM] é preparado para a guerra. Sai para a rua e não tem guerra, mas vê [o outro] como inimigo, porque foi preparado assim. A ouvidoria deve apresentar propostas que ajudem a mudar a polícia.

O receio tem a ver com a lembrança da ditadura militar?

Sem dúvida. E ela [a polícia] continuou militarizada. Acabou a ditadura, mas o serviço de segurança continuou militarizado. Não houve um relaxamento, uma mudança. Parece que as coisas continuam. Acho que a população, que talvez faça essa relação, se sente acuada.

Como você vê a exigência de que o MPL divulgue com antecedência o trajeto dos protestos?

Há uma necessidade de você ter o mínimo do trajeto inclusive para dar segurança à manifestação, às pessoas que estão na rua. Se nós falarmos de polícia de segurança, e não militarizada, é aquilo que vi em outros países. Elas dão segurança para que os estão na manifestação e para os que estão fora.

Nos protestos do começo do ano, no entanto, a ação da PM contribuiu para o clima de insegurança...

Realmente, a postura da polícia deveria ser um pouco mais serena e um pouco menos conturbada, sempre. Para mim ficou bem claro, em várias ocasiões, a polícia já exacerbada, tensa, antes mesmo [da manifestação]. [Na duas primeiras semanas do ano], antes mesmo do protesto sair, se sentia uma panela de pressão.

Quais são as propostas da ouvidoria para a PM?

Voltar a comissão de letalidade que existia anteriormente [para analisar mortes causadas por policiais]. E também a obrigatoriedade de que os policiais passem por um trabalho psicológico anualmente, que vai desde o comando até o praça. Nós já fizemos essa proposta.

Como são as conversas sobre essas propostas?

É demorada, tem muita coisa para fazer. Essa é uma posição da ouvidoria. A impunidade faz com que esses [policiais], que têm uma posição diferente dentro da polícia, continuem [atuando]. Nós vamos lá no júri tentar influenciar, porque estamos percebendo que, durante o júri, a população tem medo de condenar, [mesmo quando] as provas são claras e evidentes. A ouvidoria insiste muito com a corregedoria que esses policias sejam punidos.

Como é o diálogo com a Secretaria da Segurança Pública?

Não podemos nos queixar. Toda vez que quisemos conversar com o Dr. Alexandre [de Moraes, secretário de Segurança Pública], conversamos, tivemos divergências, públicas, que ele falou já, discussões, mas elas são ótimas, porque fazem com que possamos entender cada um. Temos tido uma relação bem profissional.

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