Do mate à Kombi, comerciantes de São Paulo se nomeiam reis em seus nichos

Todo mundo quer reinar em São Paulo.

Não por acaso, muitos dão título de monarca ao próprio negócio: são ao menos 280 registros na Junta Comercial de empresas que se intitulam soberanas em seus feudos –algumas com mais de meio século. Fomos conhecer 13 dessas majestades.

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Reis de São Paulo
Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 10-11-2015: Rei do Óleo - Lourival Alves Pereira Gaeta, 47. Av. Pres. Castelo Branco, 5159 - Pte. Pequena,São Paulo. (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Gaeta, 47, empresário do Rei do Óleo, rede de lojas de lubrificantes e filtros para motores

Não é só uma loja Rei do Óleo, na marginal Tietê, que tem boate dentro.

Lourival Alves Pereira Gaeta, 47 –que já teve frota de táxi, academia de ginástica, Ferraris, um Dodge Viper ("sempre fui meio pavão"), foi sequestrado e tomou tiro em assalto– tem duas baladas montadas em seu comércio de filtros e lubrificantes para motores.

O Varandas Club, para o público LGBT, e o Tatos, que até ser lacrado recentemente promovia festas de funk e levava no nome o apelido pelo qual o paulistano de 1,78 m e 124 kg é conhecido na noite.

No trabalho, ele é Gaeta, dono da rede com 20 lojas pela cidade. "Fui beirando os rios, pegando as entradas das pontes. Não tem como entrar ou sair de São Paulo sem passar por uma loja minha", diz
o pai de dois meninos casado com uma mulher de 28 anos.

Rei do Óleo. marginal Tietê, 5.159, zona oeste

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Rei da cutelaria
Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 03-11-2015: Rei da Cutelaria - Romeu Habib Ghattas, 53. Rua Carlos de Sousa Nazaré, 230 - Centro. (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA**
Romeu Habib Ghattas, 53, atual gerente da loja Rei da Cutelaria, no centro

Antes de entrar no negócio da família, Romeu Habib Ghattas, 53, foi levantador de peso. Do tipo que competiu e foi campeão. Mas aos 26 anos parou: o pai falou que era hora de trabalhar.

Hoje, é ele quem administra o Rei da Cutelaria –loja com cerca de 5.000 itens como facas, canivetes, espadas, navalhas, estrelas ninja, máquinas de macarrão e bicos de encher bola– fundado em 1963 pelo libanês Edmond Ghattas, que morreu em 2015, aos 94 anos e pai de oito filhos.

"Ele chegou sem nada e fez o que fez", orgulha-se o comerciante em seu escritório guardado por armaduras medievais e repleto de mensagens motivacionais penduradas nas paredes, uma delas em um banner que fez com a foto do pai.

Rei da Cutelaria. r. Carlos de Sousa Nazaré, 230, centro, tel. 3228-0500, www.reidacutelaria.com.br/

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Reis de São Paulo

De família baiana, aos nove anos Gilberto Andrade foi vender pão na escola. Curtiu ganhar o próprio dinheiro.

Em 1992, abriu a dedetizadora Nagasaki. Ligado ao Rotary, criou uma associação de controle de pragas e se especializou –"sou uma das pessoas que mais conhece sobre cupim", diz ele aos 48 anos.

Em 2007, começou a fabricar paletes (estrados para carga de materiais).

"Quando veio a ideia, minha mulher falou: 'Já que te chamo de 'meu rei', seria bom que você fosse rei de alguma coisa [risos]." Assim surgiu o Rei do Pallet.

www.reidopallet.com.br

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Reis de São Paulo

Rubens Fechas, 71, está no ramo dos automóveis há tanto tempo que quando vendia em frente à Folha ainda se dizia "as Folhas" [era antes do século 21].

A primeira Kombi, lembra, chegou por uma troca. "Vendeu rápido. Comprei outra, foi também. Aí parei com os carros e fiquei só nas Kombi", diz o paulistano que gargalha alto, tem bigode grisalho e usa corrente no pescoço, em seu escritório no galpão do Rei das Kombis LTDA., no Ipiranga.

Ele está na mesma rua desde 1972. "Se perguntar: 'Onde compro Kombi? Vão dizer: 'No Rubinho'." Seu auge foi até os anos 1990. O tempo passou, novas peruas surgiram, a Volkswagen aposentou sua van,
e Rubens voltou a vender carros.

"Vou pôr pra alugar as lojas aqui do lado, para continuar menor e não parar. Se parar, morre. Tipo Kombi. Kombi é que nem programa do Chacrinha: só acaba quando termina."

Rei das Kombis. r. Santa Cruz, 1.691, Ipiranga, tel. 5062-3550

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Reis de São Paulo
Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasi, 04-12-2015: Rei das Panelas - Manoel Antunes Pedroso, 73. Feira da Rua Matogrosso, Higienópolis. (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Manoel Antunes Pedroso, 73, o Rei das Panelas, em feira no Higienópolis (centro)

A batucada de 2015 contra o governo Dilma rendeu para o seu Manoel.

"Chegava um monte de panela amassada pra eu consertar", conta o paulista de 73 anos, que no RG tem sobrenome Antunes Pedroso, mas nas feiras de rua atende há mais de 50 anos como Rei das Panelas.

Filho de italiano com espanhola criado "no cabo da enxada" em Terra Preta (interior de SP), o senhor de conversa simples que vira e mexe fala "às veiz" veio a São Paulo aos 22 anos viver com o irmão, que era feirante.
Trabalhou com ele "só um dia", diz. "No outro, já estava arrumando panela."

Desde então, nunca mais parou. Não muito depois, achou a tampa da sua caçarola e se casou com Shirley Praim Pedroso, 63. Juntos há 47 anos, é dela a tenda de miudezas sempre ao lado do veículo em que Manoel dispõe o maquinário para reparo de tachos e afiação de pontiagudos.

Vão à feira seis vezes por semana, em Perdizes ou na Santa Cecília, saídos da Vila Jaguara (zona oeste) –acompanhados do filho Marcelo, 43, aprendiz no ofício. "Não fico doente. Dor de cabeça não me para. Pra fazer feira tem que querer. Só paro quando morrer."

www.reidaspanelas.com.br

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Reis de São Paulo
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Rossana Martins, 56, atual proprietária da loja O Rei dos Isqueiros (zona oeste)

Rossana Martins, 56, nunca fumou, o que é ótimo para a saúde dela. Mas quando seu pai, Humberto Martins, começou um negócio na rua do Tesouro (centro), em 1970, tabagismo era charmoso –ainda que não tanto quanto seu homônimo galã, com quem, diz a empresária, seu progenitor era confundido. "Ligavam em casa perguntando se era o ator. Minha mãe ficava louca."

Enfim. apesar de inicialmente chamar Rei das Canetas, muita gente pedia para consertar isqueiros (que na época não eram tão descartáveis). "Ele incluiu o serviço e depois de um tempo mudou o nome da loja", conta a atual rainha dos isqueiros.

Filha mais velha que desde pequena acompanhou a atividade do progenitor, Rossana assumiu a loja após a morte do pai, em 2010.

"Mas estou aqui desde 1989. Quando entrei, ele atendia e consertava. Fui mudando um pouco, deixando a loja mais charmosa, mais feminina." Atualmente, a filha de Rossana ajuda a tocar o empreendimento.

Instalada na mesma galeria desde 1979, a loja agora comercializa presentes variados. Como um relógio na forma do escudo do Corinthians. "Vendeu muito!"

E os fumantes podem ficar tranquilos: eles ainda vendem e arrumam isqueiros.

O Rei dos Isqueiros. av. Brigadeiro Faria Lima, 2.355, Jd. Paulistano, tel. 3814-1479, www.oreidosisqueiros.com.br/

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Reis de São Paulo
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São Paulo, SP, Brasil, 29-01-2016: Rei das Mágicas - Sarmento Morgado, 85, mágico. Av. São João, 1043. (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Sarmento Morgado, 85, também conhecido como Morgan, seu nome de mágico

Se você já teve um kit de mágica, é possível que deva isso a Sarmento Morgado –também conhecido como Morgan.

Aos 85 anos, o mágico fez a vida não só serrando pessoas ao meio, mas também produzindo cursos por correio e fabricando equipamentos para iludir plateias.

Esse material ainda é vendido na loja Ao Rei das Mágicas, fundada pelo próprio há mais de 50 anos. Hoje, o viúvo (ele foi casado com sua "partner" de palco) se apresenta na Associação de Mágicos de São Paulo e vai à loja algumas vezes por semana, acompanhado de uma cuidadora –que, claro, já quis aprender alguns truques.

"Pergunto para ela: 'Você consegue guardar segredos?' Ela: 'Sim'. Pois eu também", esquiva-se Morgan, "o vendedor de ilusões".

Ao Rei das Mágicas. av. São João, 1.043, centro, tel. 3221-9188, www.reidasmagicas.com.br/

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Reis de São Paulo
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São Paulo, SP, Brasil, 02-12-2015: Rei do Mocotó e da Dobradinha - Oswaldo Sônego, 72. Av. Rodrigues Montemor, 944 - Cidade Domitila. (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Oswaldo Sonego, 72, em seu restaurante Rei do Mocotó e Dobradinha (zona sul)

Quando, aos 31 anos, Oswaldo Sonego saiu do emprego no qual "o salário não estava condizente", pegou um empréstimo e comprou um bar. Era 1974.

"Tinha tira-gosto e sinuca, comecei sem saber nada de restaurante", conta o paulista de Macatuba (301 km de São Paulo).

Até que "um tal de Gonzaga, pernambucano", falou de um caldo "que uns camaradas tomavam pra não ficar bêbado". Oswaldo gostou e passou a prepará-lo. "É um prato nutritivo" –a dobradinha veio depois, "pra fazer casal". Aos 72, o Rei do Mocotó e Dobradinha só serve o que batiza a casa.

"Pedem pra fazer sarapatel, carne-seca... Não. Aqui é mocotó, dobradinha, arroz, feijão e abóbora. Somos especialistas, e isso faz nossa cozinha badalada. As pessoas não gostam de coisas complicadas."

Rei do Mocotó e Dobradinha. av. Rodrigues Montemor, 944, Cidade Domitila, zona sul, www.reidomocotoedobradinha.com.br/

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Reis de São Paulo

Se o assunto é futebol, para o Bruno Eduardo Costa, 34, tanto faz, tanto fez. Ele queria era ser piloto de Fórmula 1.

Aos 12 anos, chegou a correr de kart, mas "por causa da escola e esses bagulhos" não continuou.

A paixão por automóveis atualmente ele cultiva participando de arrancadas no autódromo de Interlagos com sua Parati comprada em 1994, quando tinha 21.

À época, ele queria uma Saveiro, mas a avó era contra. "Dizia: 'Quando tiver enterro, como você vai levar a família?'" Ele acatou. "Foi ela quem me criou. Se minha avó fala, eu obedeço."

Gerente-geral da matriz do Rei do Filet, hoje ele ajuda a anciã na sociedade do restaurante fundado em 1914.

"Outro dia um senhor, emocionado, disse que não vinha havia 20 anos. Nem cobrei dele", conta sobre um tipo de cliente que carinhosamente chama de "cabeça branca" –fiel de outras gerações.

Rei do Filet. pça. Júlio de Mesquita, 175, centro, tel. 3221-8066, www.reidofilet.com

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Reis de São Paulo

Acham uma camisinha na privada entupida da casa. O marido diz que não era dele. Então de quem era?

Esse já não é mais problema do técnico em hidráulica Rodrigo Castro, 35. "Por mexer com banheiro, a gente vê um pouco da privacidade das pessoas", diz o Rei do Esgoto.

Sempre empregado no ramo de desentupidoras, em 2007 ele decidiu agir por conta própria e criou a empresa com a mulher. "Queria um nome forte. Em Belo Horizonte, por exemplo, tem a desentupidora Rola Bosta."

Hoje, segundo cálculos próprios, a firma atende cerca de 40 chamados por mês -e faz parte ser alvo de várias brincadeiras.

"Chamam a gente de lombriga, que se sair do cocô morre. Mas levamos na boa. Temos orgulho de estar firmes na fossa, limpando a merda dos outros", assegura, em nome dele, da cônjuge -e da filha.

"Quem sabe um dia nossa 'princesinha' seja a sucessora e assuma o trono. Literalmente."

www.reidoesgotodesentupidora.com.br

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Reis de São Paulo
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São Paulo, SP, Brasil, 03-11-2015: Rei do Mate - Kalil Nsaraui, 82, e Antônio Nasraui, 49. Rua João Moura, 406 Pinheiros (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Antônio Nasraui, 49, e seu pai Kalil Nasraui, 82, fundador da primeira loja Rei do Mate em 1978

De uma loja na Ipiranga com a São João fundada em 1978 pelo descendente de sírios Kalil Nasraui, 82, o Rei do Mate virou um império com mais de 340 lojas em 17 Estados que hoje, segundo eles próprios, vende mais de 8 milhões de pães de queijo, 80 toneladas de açaí e 500 mil xícaras de café por mês e tem planos de abrir a primeira unidade no exterior.

Haja chá gelado para acalmar o assumidamente ansioso Antônio Nasraui, 49.

Foi ele quem implementou, em 1991, o sistema de franquias e é ele quem explicava, na sala de reuniões com a presença de uma assessora de imprensa, como faz seu "business" se diferenciar dos "players" expondo a marca até em filmes do Fábio Porchat.

"Olha que sacanagem o que meu pai tem de cabelo e o que eu tenho de cabelo", brinca Antônio. "Dá pra perceber, né?", gaba-se o orgulhoso grisalho.

www.reidomate.com.br

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Reis de São Paulo
Gabriel Cabral/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 30-10-2015: Rei dos Cabelos - Francisco Braz Moreira Mota, 49. R. Riachuelo, 60 - Centro, (foto Gabriel Cabral/Folhapress) ***EXCLUSIVO REVISTA***
Francisco Braz Moreira Mota, 49, dono da loja de cabelos naturais O Rei dos Cabelos

O cearense Francisco Braz Moreira Mota é um cara vaidoso.

Fundador da loja Rei dos Cabelos, criada em 1995, ele perguntou quanto tempo a conversa ia durar -para saber se conseguiria fazer a unha na hora marcada.

"Senão faço depois." Em São Paulo há mais de 30 anos, para o ex-garçom, ex-manobrista e pai de dois filhos, isso é normal.

"Eu me cuido", conta o "corretor de cabelos", que compra e vende madeixas humanas para uso em apliques (seu principal serviço) e perucas-preços variam de acordo com a cor, comprimento e idade, podendo chegar a R$ 2.500 o tufo.

Aos 49 anos, o acalma pensar que já passou do tempo de seu cabelo cair. "Se acontecer, estou preparado. Mas acho que não cai mais não, né?".

O Rei dos Cabelos. r. Riachuelo, 60, centro, tel. 3106-9082, www.oreidoscabelos.com.br

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