Tranquilo e favorável, MC Bin Laden vira popstar com clipes na internet

Quando a audiência de "Tá Tranquilo, Tá Favorável" disparava como um míssil na internet, Jefferson Cristian dos Santos de Lima tornou-se protagonista de um casamento improvável: conhecido como MC Bin Laden, sobrenome do sinistro Osama, ele conquistou a simpatia da americaníssima Nike.

A poderosa marca de tênis e roupas esportivas não se assustou com as possíveis ilações em torno do apelido e passou a fornecer seus produtos para esse rapaz meio esquisito, 22 anos, circunferência abdominal flácida e avantajada, que bombou com o incontornável refrão que dá título à música.

MC Bin Laden, é claro, não representa nenhuma ameaça pública, e felizmente para ele —fã declarado da Disney— consta em seu passaporte um nome verdadeiro muito familiar aos norte-americanos. O artístico surgiu "para fazer um teatro", ele conta. Escolheu Bin Laden por dois motivos. "Porque minha música era mais explosiva" e por ter ficado intrigado com o saudita por trás dos ataques às torres de Nova York.

Na quinta-feira, depois da invasão funkeira ao reino de Momo, o vídeo de "Tá Tranquilo, Tá Favorável", lançado há três meses, já passava de 17 milhões de visualizações no YouTube.

"É um vídeo pros recalcados", canta o funkeiro na praia, encharcando o corpo com uma garrafa de Salton, entre versos como "vai achando que é só o playboy que vive em Copacabana".

Acompanha uma dancinha bizarra na qual ele sacode seus 117 kg para frente e para trás enquanto, só de bermuda verde e corrente dourada com um pingente do Yin-Yang, faz um balé com as mãos –montadas na saudação "hang loose" (polegar e mínimo estendidos). O gesto tornou-se um hit do Carnaval: bastava olhar em volta para ver "hang loose" em qualquer esquina da cidade, sem importar a trilha sonora de fundo.

Clipe Tá Tranquilo, Tá Favorável

Mas, em vários pontos de São Paulo, era o funk mesmo que tocava —–caso da rua Purpurina, na muvucada Vila Madalena, onde um carro com caixas de som no porta-malas atraía foliões de outros quarteirões para dançar ao som do MC.

Bin Laden é figura carimbada na internet, em que, entre outras incursões, posta fotos divertidas, como uma fazendo o "hang loose" para a estátua de Carlos Drummond de Andrade em Copacabana –que ele confunde e chama de Santos Dumont.

Muitos também postam por ele, caso de uma montagem em que seu corpo rechonchudo se desmilingua nos famosos quadros com relógios derretidos de Salvador Dalí.

Neymar Disney

Santista de coração, o MC viu sua dança virar comemoração de gol do Peixe no Campeonato Paulista. Na partida entre Ponte Preta e Santos, no dia 3/2, o atacante Gabriel Barbosa, 19, o Gabigol, converteu um pênalti e saiu comemorando com os gestos que ele repete no clipe. A ideia, conta o jogador, veio pelas redes sociais. "Tavam me pedindo pra fazer a dancinha. Aí disse que faria se marcasse um gol. E acabei dançando", diz o artilheiro.

Três dias depois, o cantor e o jogador se conheceram na Vila Belmiro. "É uma música engraçada, diferente. Gosto muito do ritmo", elogiou Gabigol.

Mas o grande sonho de Bin Laden, em matéria de futebol, é conhecer Neymar. Aliás, se depender dele, seu primeiro filho com a namorada, a caixa de supermercado Maryellen, vai se chamar Neymar Disney. "Passei três anos fazendo a cabeça dela", diz. "Mas com [o sobrenome] Disney acho que ela não vai concordar", lamenta ele, que conversou com a sãopaulo sentado num trono dourado, entre barras de ouro de isopor e notas falsas de R$ 100.

Gabriel Cabral/Folhapress
MC Bin Laden faz o famoso sinal do Ronaldinho

É o cenário de "O Quinto Elemento", projeto de um reality show que vai escolher o novo funkeiro da KL Produtora –de onde saíram, além dele, os MCs mirins Pikachu e Brinquedo. Foi na laje do estúdio em Sacomã (zona sul) que Bin Laden improvisou com os amigos –incluindo seus dois dançarinos, batizados "Os Iraquianos"– um vídeo "lado B" de "Tá Tranquilo, Tá Favorável". Nele, o artista sai de dentro de uma caixa d'água, cheira a axila, monta o "hang loose" e começa o funk.

Entre outras excentricidades, Bin Laden raspou só uma das axilas, como "o corte do Ronaldo" (o cabelo estilo "Cascão" que o ex-jogador usou na Copa de 2002, com meia cabeça raspada, menos o topete). Também tingiu as madeixas: apenas a parte esquerda, de loiro platinado. Quando dá na telha, tosa a sobrancelha com gilete –ela fica listradinha, metade peluda, metade depilada.

Jefferson é, de fato, um homem dividido em dois, como o símbolo "Yin-Yang" que carrega no pescoço. O princípio chinês acomoda duas energias opostas e complementares. Uma é passiva, mais calminha; a outra, ativa e explosiva. Ambas estão contidas simbolicamente naquele círculo segregado em preto e branco por uma linha ondulada.

Bin Laden traz em si a força "Yin": há cinco anos, ele se converteu à igreja evangélica Resgate para Cristo. Diz que levou a namorada "para o lado de Deus" e que nunca esqueceu de quando sua pastora teria curado "o rosto inchadão de um cara com câncer".

E tem também o trator "Yang" dentro do funkeiro que grava vídeos orgiásticos, com meninas de lingerie no banheiro de um baile fazendo de camisinhas balões de festa.

Reprodução
Memes criados a partir do refrão de MC Bin Laden
Memes criados a partir do refrão de MC Bin Laden

Filho da ZL, a zona leste paulistana, viveu uma infância de atrasos num bairro pobre chamado Vila Progresso. Ele lembra de quando o pai, que trabalha "com tecidos" e era viciado em jogos ("baralho e caça-níquel"), andava a pé para economizar o dinheiro da passagem.

Esses eram os dias bons: sobravam uns tostões "pra comprar salsicha e refrigerante, porque comer no seco é embaçado". De resto, abria o armário "e só tinha uma baratinha pequena passando de lá pra cá". Às vezes velas, porque já tinham cortado a luz da casa.

Mas sem tempo ruim. "Eu era muito feliz. A lágrima caía, mas o sorriso sempre prevalecia", filosofa ele, enquanto apanha algumas das cédulas de mentirinha do cenário para espantar o calor.

No ano passado, Bin Laden viu seu "Bololo Haha", um funk de refrão dadaísta, ser adaptado em cartazes de colégios estaduais ocupados por estudantes.

Na versão, a frase original ("faz o sinal da 'vida loka' e joga a pistola pro ar") virou "se fechar a nossa escola, nós vamos ocupar".

Jefferson parou de estudar na oitava série —–agora quer fazer supletivo, se formar e cursar uma faculdade. Gostaria de estudar teologia "para saber quem foi Davi, Jesus", ou quem sabe letras —–"falo e escrevo muito errado, acho que vai me ajudar muito".

Na adolescência, como não é incomum em famílias com vida apertada, o pai queria que ele trabalhasse de qualquer jeito, "pedreiro que fosse". Jefferson vendeu água na rua, empurrou ferro velho em carrinho de mão e foi atendente de lan house. Vender sapato na rua 25 de Março foi o ápice: a atividade lhe rendia em torno de R$ 1.000 por mês.

Mas ele "sabia rimar" e queria ser funkeiro. No banho, "criava uns negócios e mostrava pra rapaziada": letras sobre "maconha de uva" e "lança-perfume de coco". "Naquela época tinha água, né? A gente podia ficar cinco minutos a mais no chuveiro."

Gabriel Cabral/Folhapress
MC Bin Laden faz o famoso sinal do Ronaldinho

Hoje a conta bancária está bem mais tranquila e favorável. "Minha agenda [de shows] está aumentando, glória a Deus." Ele cobra até R$ 20 mil de cachê para tocar por cerca de meia hora, segundo sua produtora. Já deu até para comprar, por R$ 100 mil, um apartamento no Cingapura, projeto de urbanização de favelas criado pelo ex-prefeito Paulo Maluf. E isso antes do sucesso de "Tá Tranquilo, Tá Favorável" –título que será patenteado como marca, conta o empresário Emerson.

Paródias como "tá mamilo, tá amamentável", que caçoam do porte físico do MC, estão liberadas. Ele até se diverte quando, sem camisa, ouve nas ruas tiradas do naipe "olha o tamanho dessas tetas". "Uma mina uma vez falou: Quer um sutiã? Eu: Acho que preciso, tenho mais peito do que você."

Infográfico ensina como fazer o famoso sinal do Ronaldinho por MC Bin Laden

Quem vê Jefferson agora pode achar que ele virou bacana. Mas e aquele colar dourado que faísca feito nugget na frigideira? "Não é ouro, não. Só banhado mesmo." Avalia que custe uns R$ 1.500. "Não vou gastar R$ 40 mil num colarzão. Passei fome, sei o valor de R$ 1", diz.

Embora agregue elementos do chamado funk ostentação em seus clipes, ele afirma que a ideia é "dar uma zoada" nesse movimento, que marcou uma fase midiática do funk feito em São Paulo. Mais uma vez, Bin Laden nutre a dupla persona. Se em "Tá Tranquilo, Tá Favorável" provou as borbulhas da Salton, num dos clipes mais recentes (sim, ele lança vários por mês), "Bêbado", o MC e os amigos estão num depósito de bebidas virando Catuaba e cachaça barata.

"'Nóis' sustenta, mas não ostenta. Cresci numa favela onde a ostentação era de mentira. Como eu [antes da fama] ia deixar R$ 500 no baile? Vou ficar com R$ 500 para o resto do mês?", diz, lembrando do salário na loja de sapatos.

As letras fortes que davam na telha do funkeiro evangélico não faziam nada além de passar o que ele via ao redor, diz. "O povo baforar, transar sem camisinha num beco e fazer o banheiro do baile virar puteiro."

Em 2016, quer cantar "algo diferente". Menos palavrões e drogas, que a pastora não gosta.

"Amarradão" em "O Poderoso Chefão", ele conta que se inspirou na trama mafiosa para bolar a faixa "Só Uísque, Só Malote".

A letra vai assim: "Tive um sonho legal, tive um sonho maneiro. Fabricar uísque, fabricar dinheiro". Ainda não consultou a líder religiosa para saber o que ela pensa. (colaborou Rafael Balago)

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ILLUMINATI

Um vídeo visto mais de 600 mil vezes brinca com a ideia de que o funkeiro é enviado da sociedade secreta que, segundo teorias conspiratórias, quer dominar o mundo com a Nova Ordem Mundial.

Narrador

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