Paulistano 'VIP' fotografa mais de 300 espetáculos em uma década

Em dez anos, o fotógrafo Bob Souza foi de um extremo a outro: deixou de ser barrado nas peças de teatro da cidade por "não ser da imprensa" para ser convidado VIP.

Formado em publicidade, Bob se tornou um dos principais fotógrafos teatrais da cidade depois de fazer um curso no Sesc e insistir bastante. Em vez de fazer as fotos apenas para venda, ele criou um acervo pessoal de imagens que já registra mais de 300 espetáculos.

De seu portfólio, 50 imagens de cenas integram a exposição "Retratos do Teatro", aberta até ⅖ no Espaço Cult, na Vila Madalena. Seu trabalho fotográfico se transformou em mestrado na Unesp e o seu plano agora é fazer uma pesquisa de doutorado que mapeie todos os gruops teatrais da cidade.

*

sãopaulo - Nesses dez anos, qual a principal mudança que viu no teatro paulistano?
Bob Souza - A chegada dos grupos, que são mais de 300 na cidade. Aquele teatro do diretor que contrata atores para fazer determinado texto continua, mas a lei de fomento a grupos e pesquisas fez pipocar muitos grupos, na cidade toda.

De onde eles vêm?
A maioria vem de universidades. Os próprios grupos criam formações com a comunidade, daí surgem novos artistas e atores, que ficam naquele grupo ou procuram outras coisas. Esses grupos não estão ocupando mais os espaços teatrais, mas a rua, espaços alternativos, como casarões desocupados.

O que mais presenciou nos palcos?
Houve muita experimentação. Teatro-dança, teatro de formas animadas, bonecos, de tudo quanto é jeito. As pesquisas de formatos só vem aumentando. O teatro acabou precisando muito da academia nesse processo.

O público mudou?
O público está mais disponível a viver uma experiência, e não ficar só parado esperando que seja digo alguma coisa que vá mudar sua vida. Ele tá a fim de ir pra rua, entrar numa experiência, caminhar onde ele não caminharia sozinho.

Que trabalhos mais te marcaram nesse período?
Todas as do teatro Oficina, do [diretor] Antunes Filho e do grupo Ornitorrinco, do Cacá Rosset. E grupos de fora também, como a Cia. dos Atores (RJ), O Galpão (MG) e Sutil Cia (PR).

O que muda ao fotografar peças?
É difícil. Tem um ritual. O fotógrafo não pode ficar em pé, não pode circular, fazer barulho, ligar os aparelhos, usar flash nem ligar o visor da câmera para conferir como ficou a imagem. Ele não pode interferir em nada. Tem que ser invisível.

Presenciou o ressurgimento dos musicais?
Fiz fotos só dos pequenos. Para alguns musicais grandes, o fotógrafo do Brasil tem que reproduzir as imagens das produções internacionais, então isso nunca me interessou e também nunca se interessaram por mim.

Chegou a atuar?
Já entrei em peças como fotógrafo-personagem. e foi péssimo. Sou acostumado a ser o invisivel. Quando você passa a fazer parte da cena, é muito constrangedor.

Como dividir a atenção entre fazer a foto e ver a peça?
Não consigo mais ver espetáculos sem a câmera. Me forjei a fotografar com pouca luz, parado e sentado, invisível, e com a câmera na mão. Me concentro, vou vendo o espetáculo, acompanhando, querendo entender o texto. A minha fotografia não se propõe a ser a representação da cena, com imagens abertas. Tenho a minha linguagem por cima da linguagem teatral. Um exemplo bobo: um carteiro entra em cena. Não quero fotografar o carteiro, mas a mão do carteiro com a carta. Isso já representa uma imagem do espetáculo. Então tenho que me concentrar bastante na cena para extrair esses símbolos.

Perdeu a concentração alguma vez?
Uma vez, numa peça da Marisa Orth. A produção me falou que ela ia tacar um cinzeiro de madeira no espelho. Fiquei na expectativa de que horas isso acontecer e não consegui fotografar essa cena.

Publicidade
Publicidade