Ex-jogadores e torcedores falam o que pensam sobre torcida única em jogos

O único verde que torcedores presentes na Vila Belmiro, no litoral paulista, verão neste domingo (24) é o do gramado. O jogo entre Santos e Palmeiras, pela semifinal do Paulista, será o primeiro clássico realizado com a ocupação das arquibancadas por uma torcida, a do time mandante.

A decisão foi tomada no início deste mês pelo Ministério Público e pela SSP (Secretaria da Segurança Pública). "Os clubes têm de acatar e está tudo certo", afirmou à sãopaulo o promotor Paulo Castilho, do Juizado do Torcedor. "E com essa medida veio a proibição de toda [torcida] organizada de se manifestar por meio de instrumento, bandeira, faixa, indumentária. Se quiser ir representando o clube, que vá com a camisa dele."

A ideia, segundo a secretaria, integra um conjunto de medidas para evitar a concentração de duas uniformizadas no mesmo dia.

A medida não é consenso entre as partes envolvidas nos jogos. A FPF (Federação Paulista de Futebol) considerou que a mudança prejudica todos os torcedores. Para o vice-presidente de comunicação e marketing do São Paulo, José Francisco Manssur, a torcida única acaba sendo um "dano ao evento e também acarreta uma espécie de processo de involução civilizatória."

Presidentes do Santos e do Palmeiras, Modesto Roma Jr. e Paulo Nobre, já afirmaram que respeitam a decisão, mas questionaram sua eficácia. Em entrevista no início do mês, o mandatário corintiano, Roberto de Andrade, afirmou que o clube também deve cumprir a determinação, porém ressaltou que as brigas se dão nas ruas.

O embate entre o poder público e as organizadas teve início na década de 1990, época em que a violência entre torcedores rivais foi marcada por episódios como o que ficou conhecido por Batalha do Pacaembu.

Naquela ocasião, em 1995, palmeirenses e são-paulinos invadiram o gramado e entraram em confronto após a final da Supercopa São Paulo de Juniores, deixando um jovem de 16 anos morto e 102 feridos.

O ocorrido serviu como divisor de águas. Naquele ano, foram proibidas a venda e o consumo de bebidas alcoólicas e mastros de bandeiras nos estádios. Além disso, o Ministério Público, representado, entre outros, pelo então promotor Fernando Capez, pediu a extinção de organizadas do São Paulo e do Palmeiras —as associações ressurgiriam anos depois.

Em 1997, a Gaviões da Fiel também entrou na mira da Justiça e teve suas atividades ligadas ao futebol suspensas por um período. O nome de Capez, hoje presidente da Assembleia Legislativa paulista, voltou neste ano a ser lembrado no mundo do futebol.

Em episódios recentes, o tucano tornou-se alvo de protestos da Gaviões, que, em faixas levadas às arquibancadas e às ruas, relembra o fato de ele ter tido o nome ligado a um suposto esquema de propinas em contratos de merenda escolar. "Desde que protestem sem praticar violência, está ótimo", afirmou Capez.

Neste ano, a cidade viu novamente a repetição de cenas de confusões nas ruas e que, mais uma vez, terminaram em morte.

Com mais uma vítima, a determinação da torcida única entrou na lista de medidas para tentar dar um basta na violência.

A sãopaulo ouviu personalidades envolvidas com o futebol e fãs do esporte para discutir se a regra pode, mesmo, ser eficaz.

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"O problema é fora [dos estádios]. É necessário ter uma polícia inteligente para buscar esses focos fora do estádio, que são sempre os mesmos."

Rivellino, comentarista do Cartão Verde

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"A nova medida é ruim para o futebol. Mas, neste momento, é uma ação necessária. Não é para sempre. E, sim, para mudar o comportamento bélico dos torcedores."

Juninho Paulista, gestor do Ituano

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"Torcida única dentro do estádio não resolve o problema de enfrentamento que está se dando fora. É uma solução cosmética na linha dessa coisa que tomou conta da sociedade brasileira, que é a ideia da judicialização da vida cotidiana."

Flávio de Campos, professor do departamento de história da USP

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"Essa é uma das medidas a serem tomadas, implementadas e aprimoradas no transcorrer do combate à violência. Quando há clássico em São Paulo, 5% dos ingressos são destinados para a torcida visitante e o clube entrega a carga total na mão da organizada, e só vai a tropa de frente, pronta para o confronto."

Paulo Castilho, promotor do Juizado do Torcedor do Ministério Público

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"As brigas têm acontecido fora dos estádios, entre gangues. Impor torcida única me parece sem eficácia. Enquanto houver impunidade, não haverá solução."

Toquinho, músico e corintiano

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"Um projeto de educação e punição efetiva aos que se envolverem em confusões seria a forma ideal para resolver os problemas de violência entre torcidas, como a apresentação de torcedores [problemáticos] em delegacias em dias de jogos."

Zé Elias, comentarista da ESPN e ex-jogador

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"A maneira de combater a violência é o fim da impunidade e a aplicação da lei para aqueles que se infiltram nas torcidas para cometer crimes. Os jogos de torcida única criam uma falsa sensação de segurança e prejudicam o espetáculo."

Alex, comentarista da ESPN e ex-jogador

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"O próprio jogador perde, pois ele gosta de ouvir o grito da torcida. Tá na hora de crescer, meu, de se unir em vez de ficar se agredindo. Tá com raiva? Vai lá e grita os cachorros Mas não vá brigar."

Supla, músico e santista

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"Desde a briga entre as torcidas do São Paulo e do Palmeiras [em 1995] só há medidas paliativas e populistas. Tem que tirar do estádio esses criminosos que todo mundo sabe quem são."

Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura e são-paulino

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"Se você tem uma torcida, a chance de briga é bem menor. Mas não é a forma ideal, é uma medida para situações extremas. Quanto ao espetáculo, prejudica. Um clássico seguro se faz com monitoramento prévio, escolta e segurança dentro e nos arredores dos estádios. E respeito ao torcedor como consumidor."

Fernando Capez, deputado

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"O São Paulo vai jogar sem ninguém na arquibancada? Qual a graça? Essa proibição só acaba com o entretenimento da maioria."

Henri Castelli, ator e são-paulino

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