Sem sede há 4 anos, Sarau do Binho cresce ocupando escolas e centro culturais

Religiosamente, toda noite de segunda-feira, o Bar do Binho, no Campo Limpo (zona sul de São Paulo), ficava lotado. O motivo: um sarau, realizado toda semana desde 2004, atraía dezenas de pessoas, que ocupavam também a calçada e a rua. Até que, em maio de 2012, uma notificação da subprefeitura determinou o fechamento do estabelecimento.

"Era uma zona residencial, não tinha alvará e a gente não era amiguinho dos caras", resume Binho, 51. Suzi Soares, 49, esposa de Binho e articuladora do sarau, faz coro. "As pessoas iam lá e falavam o que pensavam, muitas vezes metendo o pau no prefeito, na polícia, em tudo", diz. "Era um local de formação de opinião."

Após meses de resistência, o último sarau no bar aconteceu em setembro de 2012. Mas, diferentemente do esperado, o evento se fortaleceu.

"Quando a gente sai da zona de conforto, começa a buscar outras possibilidades", afirma Suzi, que, diante da situação, tornou-se produtora, começou a oferecer atividades para outros espaços culturais e buscou editais. Hoje, Binho faz entre até dois saraus por semana em locais diversos.

"Nem tinha ideia de que houvesse interesse das pessoas pelo sarau. Se alguém chamasse, a gente fazia, mas nunca nos mexemos pra isso", afirma. O que impulsionou o movimento foi o apoio de artistas da região e espaços culturais como Clariô e Espaço Cita (Cantinho de Integração de Todas as Artes), que acolheram suas atividades.

Desde então, todos os recursos financeiros que o sarau ganha com apresentações são divididos entre os artistas que participam delas. São mais de 30 que, revezando entre si, marcam presença em teatros, espaços culturais, ruas, praças, bibliotecas e escolas.

O próximo sarau está marcado para 11 de julho, no Espaço Clariô. A agenda é divulgada pela página do Facebook.

Hoje, as escolas são a maior aposta para sediar os eventos. "Um aluno vem [se apresentar] e já puxa a escola inteira", conta Binho.

Em 2015, o sarau foi realizado em dezenas de escolas em São Paulo e no interior, inclusive durante as ocupações dos secundaristas das escolas estaduais após o anúncio da reorganização escolar pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

ORIGENS

Foi na administração de bares que o poeta Binho e a professora Suzi tiraram seu sustento por 20 anos.

Antes da ideia do sarau, houve eventos como a a Noite da Vela, em 1996. Era um encontro em que apenas velas iluminavam o estabelecimento, escutava-se músicas em vinis e, entre uma e outra canção, declamava-se poesias.

Oficialmente, o Sarau do Binho nasceu em 2004. "Quem veio chamar de Sarau foram o Pezão e o Sérgio (Vaz)", conta Binho, citando os poetas e agitadores culturais que iniciaram o movimento dos saraus na região nos anos 1990, criando o Sarau da Cooperifa.

Quando o bar do Binho foi fechado, as multas totalizavam cerca de R$ 12 mil. Elas foram pagas com dinheiro arrecadado em financiamento coletivo e, além disso, o poeta precisou cumprir 150 horas de serviços comunitários.

Antes, pensou em levar o sarau para uma escola perto de sua casa, como forma de cumprir a pena. Não conseguiu falar com a diretoria da escola e, após explicar a recepcionista o que era um sarau, recebeu um papel com a frase "não atende às necessidades da escola". Ele cumpriu a medida fazendo serviços gerais e entregando leite.

PÚBLICO

Os encontros atraem público de várias idades. Djalma Pereira, 65, recitou uma poesia de sua autoria pela primeira vez num sarau na Praça do Campo Limpo, em 2013. Ele escreve seus próprios poemas desde os 16 anos, quando morava na Paraíba e trouxe para São Paulo um monte de papel de pão com poesias escritas. Em 2015, lançou o livro "O Sonho do Cacique".

Pedro Lucas, 19, vai ao sarau desde os seis anos. Lá, conheceu o poema Periafricania, do rapper Gaspar. "Era tudo o que sofria na escola: os moleques falando do meu cabelo, da cor da minha pele, da roupa que eu usava. Pra mim foi total afirmação de quem eu era e que eu poderia ser quem eu quisesse."

"A poesia nossa pede mudança, pede transformação", analisa Binho, que até participou de uma aula online para estudantes de literatura brasileira de uma universidade do Texas. "Eu digo que hoje eu não vivo da poesia, eu vivo para a poesia. O resto é consequência."

SERVIÇO

Próximos saraus do Binho

11/7, 20h30. Espaço Clariô. R. Santa Luzia, 96, Vila Santa Luzia, Taboão da Serra, SP. tel. (11) 4701-8401.
17/7, 16h. Praça do Campo Limpo, s/nº, Campo Limpo, região sul.
4/8, 19h, CEU Casa Blanca. R. João Damasceno, 85, Vila das Belezas, região sul. Tel. (11) 5519-5247.

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