Incubadoras de start-ups em SP atraem jovens em busca de ideias bilionárias

Espreguiçadeiras, redes e até orelhões convertidos em poltronas estão ocupados por gente compenetrada em seus laptops, bolando futuros aplicativos, no café do Google Campus. Aberto no mês passado a duas quadras da avenida Paulista, no Paraíso, o centro de empreendedorismo digital do Google já tem 20 mil cadastrados que podem usar o café instalado nos dois últimos andares como um escritório compartilhado gratuito.

Em mesões com capacidade para 170 pessoas e internet sem fio, muitos candidatos a Mark Zuckerberg se aventuram na corrida do ouro digital, sonhando quem será o próximo bilionário a criar uma solução revolucionária que estará presente em telas de celulares pelo mundo.

Na Vila Olímpia, o Itaú instalou o Cubo, uma incubadora para 55 empresas digitais novatas, as chamadas start-ups, depois de uma seleção com 570 candidatos. Talvez alguma vire o próximo Tinder, Snapchat ou Instagram -na linguagem do mercado, uma start-up "unicórnio", dessas avaliadas em US$ 1 bilhão (R$ 3,3 bilhões) com poucos anos de vida- uma rara pepita para se garimpar.

Para passar pelas catracas do Cubo, um protótipo de reconhecimento facial, criado por outra start-up, é acionado. Cerca de 600 pessoas visitam o lugar por dia, atraídas por palestras e seminários, como a do designer americano Joe Gebbia, 34, co-fundador do aplicativo de hospedagem Airbnb (avaliado em US$ 25 bilhões). Até aulas de ioga acontecem no topo do prédio, na zona oeste.

A quilômetros dali, em um galpão moderninho no bairro de Campos Elíseos, com mesas de pingue-pongue no bar, a seguradora Porto Seguro criou no final do ano passado sua aceleradora digital que, além de abrigar, também treina e investe em empreendedores. Para a primeira turma querendo velocidade nos negócios, 1.338 novas empresas disputaram cinco vagas. A segunda turma começa em agosto.

Em comum, as três grandes residências para start-ups são financiadas por empresas maduras que buscam se aproximar e intencionalmente se contagiar com os jovens inovadores. Porto Seguro e Itaú contrataram empresas especializadas em start-ups, Liga e Red Point, respectivamente, para tocarem esses laboratórios de novidades.

Em troca, os iniciantes aprendem com mentores e ampliam sua rede de contatos, clientes e investidores.

O colorido festivo de poltronas, redes e pufes, com aquele ar de hora do recreio comum às empresas do californiano Vale do Silício (EUA), dissimula as jornadas de 12 horas ininterruptas de trabalho, cafés e refeições em cima do computador, e as equipes com alta rotatividade.

No café do Google Campus, há vacas amarelas e panelas penduradas no teto sugerindo silêncio.

"O filme 'A Rede Social' é legal, mas não temos moleques de chinelo e bermuda aqui", compara o diretor do Cubo, Flavio Pripas. "A idade média é 35 anos, temos vários ex-vice-presidentes de grandes empresas que não acharam espaço para implementar seus projetos e vieram para cá."

Para ele, não basta ter uma ideia, os selecionados precisam ter um produto em mãos. "70% já estão em seu segundo ou terceiro negócio, erram, tentam, aprendem."

O Itaú não é sócio das startu-ps hospedadas, que nem têm a ver com o mercado financeiro. As selecionadas pagam de R$ 800 a R$ 1.000 mensais por estação de trabalho e não têm prazo para sair dali, "a menos que cresçam demais ou percam o rumo", explica Pripas. "Start-up não é microempresa, é uma empresa grande que ainda não cresceu." Diretores do banco circulam ali como olheiros -os candidatos a magnatas digitais precisam ter na ponta da língua seu plano de negócios. Microsoft, Accenture, Ambev, Cisco e Mastercard já viraram parceiros do Cubo.

"O melhor de estar aqui é estar perto de outras empresas. Nos usamos bem, no melhor sentido, ajudamos e aprendemos com os vizinhos", diz o administrador Rafael Taube, 31, que criou duas start-ups: a Joycar, de tecnologia de compartilhamento de carros, e a Bloochef, que se apresenta como a Uber dos chefs, que cozinham a domicílio.

Na Oxigênio, o contrato é outro. A aceleradora da Porto Seguro investe US$ 50 mil (R$ 165 mil) nas empresas escolhidas em troca de participação societária, além da hospedagem, mentoria e infraestrutura gratuitas. Eles recebem até aulas de uma fonoaudióloga para melhorar seu "pitch" -aquela apresentação sucinta, clara e, se possível, eletrizante para convencer investidores (que deve estar treinada caso você encontre Jorge Paulo Lemann ou Warren Buffett no elevador, por exemplo). Metade dos seis meses de residência acontece no Vale do Silício por meio de uma investidora norte-americana parceira.

Contagiada pela experiência, a Porto Seguro também manda para a Oxigênio start-ups criadas por seus funcionários, que tiram uma licença não-remunerada e convivem com as selecionadas "externas". "Mesmo que seus projetos não vinguem, esses funcionários voltarão muito diferentes, cheios de ideias", entusiasma-se Mauricio Martinez, gerente da aceleradora. "Surgem colisões boas espontaneamente."

Já a primeira turma de 15 start-ups selecionadas pelo Google Campus começa sua incubação no final de agosto. A seleção busca diversidade "de gênero, racial, socioeconômica e geográfica", explica o mineiro André Barrence, diretor do campus.

"Times mesclados são cruciais quando se pensa em inovação. Cabeças diferentes tomam melhores decisões." Confirmando a política, no 2º andar do prédio foram instalados um berçário e uma sala de amamentação para mães empreendedoras.

Apesar da justificada fama de clube do bolinha (87% dos empreendedores são homens, segundo levantamento divulgado em março pela Associação Brasileira de Start-ups), o número de empreendedoras triplicou desde 2012. Hospedada na Oxigênio, a StoryMax, da jornalista Samira Almeida, já tem vários clientes internacionais para seus livros digitais interativos voltados a tablets e celulares. "Comecei a fazer clássicos da literatura bem editados, com sons, animações e interatividade", conta, enquanto mostra o texto de Júlio Verne na tela.

Com sua edição de "Via Láctea", de Olavo Bilac, recebeu o Prêmio Jabuti. Foi contratada por uma empresa dinamarquesa para produzir livros-aplicativos sobre os objetivos para o desenvolvimento sustentável na ONU, como sustentabilidade e biologia. "Há um enorme campo a ser explorado na educação, apenas começamos."

Incubadoras e aceleradoras estão se multiplicando pelo mundo para explorar essas oportunidades e tentar reproduzir o sucesso do Vale do Silício.

Em Buenos Aires, o então prefeito Mauricio Macri, hoje presidente argentino, abriu em 2011 uma incubadora para empresas de design, arquitetura e moda, o Centro Metropolitano de Desenho, em um antigo mercado de peixes abandonado. Elas podem ficar um ano ali sem pagar aluguel. Até Michelle Obama, a primeira-dama dos Estados Unidos, foi levada a visitar o local este ano.

Vizinho do MIT (Massachusetts Institute of Technology), o pioneiro Centro de Inovação de Cambridge, aberto no distante ano de 1999 e que hospedou os inícios do sistema operacional Android, incuba hoje quase 600 empresas na costa leste americana.

Para Barrence, do Google Campus, há muitos desafios para o Silício da Pauliceia -muito além da velocidade da banda larga local. Abrir e fechar uma empresa ainda podem ser processos longos e caros, criar uma empresa em regime de sociedade anônima "pode sair por R$ 30 mil até estar formalmente constituída" e investidores-anjo, aqueles que apostam no negócio em seus primeiros estágios, "podem ser co-responsabilizados em futuras ações trabalhistas".

Felipe Barreiros, 27, criador da Ponte21, start-up abrigada no Cubo e que dá cursos intensivos de capacitação digital, diz que "nosso modelo de educação forma pouca gente para esse mercado, falta programador e desenvolvedor". Para ele, que já trabalhou na Microsoft e organizou maratonas de aplicativos para treinar 10 mil estudantes na Fiap (Faculdade de Informática e Administração Paulista), "se somarmos todo mundo que sai de USP e Unicamp com essas capacidades, ainda é muito pouco", lamenta.

Para quem está começando e não conseguiu lugar nessas incubadoras seis estrelas, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo quer incentivar start-ups a se instalarem no competitivo Centro. "O aluguel pode ser de 30% a 40% mais barato que na Paulista ou na Faria Lima, o transporte público é bom e o almoço e o lanche saem mais em conta", faz seu pitch Michel Porcino, coordenador da Tech Sampa, que promove eventos, seminários e mentorias para iniciantes.

Vários deles acontecem em cartões-postais ainda pouco explorados da região central da cidade, como na Praça das Artes, vizinha ao Theatro Municipal, ou na cobertura da Galeria do Rock. "Para o ecossistema digital, o adensamento é importante, é bom ter vizinhos, criar um polo."

Nessa Serra Pelada digital, o garimpo é árduo. Como descreve Barrence, "95% das start-ups morrem na praia, mas uma delas vai explodir. Temos que criar muitas, arriscar, começar, para que um unicórnio surja."

*

NOVATAS PROMISSORAS

Bloochef
O "Uber dos chefs" já tem 90 cardápios e 50 chefs que atendem a domicílio, fazendo de hamburgadas a jantares franceses. O aplicativo faz a curadoria dos chefs, avaliados pelos usuários

Ponte21
Cria cursos e oficinas intensivos de "habilidades do século 21" para funcionários de grandes empresas -um deles o imersivo "MasterTech" ensina programação, inteligência artificial, internet das coisas e a usar impressora 3D em oito semanas

Prosas
Plataforma que conecta investidores a ONGs e a projetos de educação, saúde e cultura. Aumenta a possibilidade de captação de recursos, reúne editais e permite conferir o desempenho de uma instituição antes de doar

Trackage
Dispositivo com diversos sensores e aplicativos para iPhone e Android que permite o monitoramento de bagagens, alerta sobre eventuais violações e extravios em tempo real e dá a localização exata da mala

Controly
Banco totalmente digital para jovens, com contas virtuais, cartão de crédito pré-pago e aplicativo de gestão financeira -auxiliando clientes a não se endividarem, autointitulado "banco do bem"

PDVend
Gerencia vendas, produz notas e auxilia a gestão de pequenas e médias empresas, por meio de tablets e celulares, e usando a nuvem para armazenar dados das companhias

*

EM BUSCA DE UNICÓRNIOS

WhatsApp
Vendido por US$ 19,3 bilhões após quatro anos de funcionamento (2014). Seu co-criador, o ucraniano Jan Koum, 40, tem fortuna pessoal de US$ 9,7 bi. Ele imigrou para os Estados Unidos aos 16 anos e trancou matrícula na Universidade Estadual de San Jose, na Califórnia

Uber
Avaliado em US$ 55 bilhões (dependendo da cotação, vale mais que a Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo). Criado em 2009, em San Francisco. Presente em 450 cidades em 66 países

Waze
Vendido por US$ 1,3 bilhão para o Google em 2013. Seus cem funcionários também se beneficiaram: ganharam US$ 1,2 milhão cada um com o negócio. Criado em 2008 na pequena cidade de Ra'anana, em Israel, foi hospedada por um tempo no Google Campus de Tel Aviv

Snapchat
Avaliado em US$ 19 bilhões. Deve faturar US$ 350 milhões em publicidade neste ano. Criada em setembro de 2011 por universitários que estudavam na universidade Stanford, está sediada em Los Angeles. Seus criadores, Evan Spiegel e Bobby Murphy, têm 26 e 27 anos, respectivamente

Publicidade
Publicidade