Com gestão feminina, casa de tiro reúne esportistas e novatos que só querem se defender

Fotos de cachorros na porta do armário, santos e bruxinhas nas paredes, capa com renda no bebedouro, toalhinhas de fuxico e vasos de flores sobre as mesas. Todos os detalhes da decoração da área de recepção são pensados com cuidado pelas três mulheres que tocam o lugar. E criam uma curiosa harmonia com o que ocorre mais ao fundo: armas, alvos e tiros.

Esse é o cenário de um dos mais tradicionais clubes de tiro do país, num amplo galpão na Vila Maria, zona norte paulistana. Um local que recebe não apenas atletas e praticantes, mas também guarda uma parte importante da história da modalidade no Brasil.

A ADDG (Associação Desportiva Durval Guimarães) foi criada pelo homem que a batiza. Durval disputou cinco Olimpíadas, cinco Mundiais e nove Jogos Pan-Americanos —dos quais voltou com duas pratas e seis bronzes.

O ex-atleta, que chegou a comandar a confederação brasileira, tem 81 anos e está em coma há cinco por causa de complicações decorrentes de uma pancreatite.

Quem continua a tocar a administração do espaço é Maria Helena, 72, casada com ele há 55 anos. São delas as toalhas e peças de artesanato que decoram a associação. Seu humor também dá um toque ao local.

Em uma parede, acima de duas cadeiras aparece uma placa: "Canto da fofoca".

"Aqui eu faço fuxico e faço fofoca", brinca ela. "Já fui atiradora, agora sou aturadora. De vez em quando eu desanimo e penso em fechar tudo, mas isso aqui é uma grande família, esses amigos não me deixam cair. Muitos aqui me chamam de mãe."

Maria Helena e Durval se conheceram em 1961. Ele era caminhoneiro e tinha uma transportadora. Ela, filha da dona de um restaurante perto do Mercado Municipal onde o ex-atleta almoçava. Casaram-se no ano seguinte.

Mais ou menos na mesma época, Durval foi entregar munição em um estande de tiro e se apaixonou pelo esporte. Começava ali sua ligação com o tiro. A associação foi fundada em 1995.

As três filhas, Andréa, 45, Leni, 53, e Rose, 51, herdaram do pai o gosto pelo esporte e também foram atiradoras. As duas mais novas ajudam a mãe a administrar a ADDG.

O clube tem hoje 200 sócios, que podem aprender a usar armas de diversos calibres, inclusive usadas em Olimpíadas. Segundo a proprietária, a maior parte dos novatos que procuram a associação quer saber atirar para se defender. Os homens são maioria.

Alguns atiradores criados na ADDG, no entanto, queriam só um hobby e acabaram virando atletas. Stenio Yamamoto, 55, chegou aos Jogos Olímpicos. Ele começou a atirar por brincadeira, com o pai, antes dos dez anos. Mas só começou a se dedicar em 1999. Procurava alguma atividade para substituir a pesca. Durval percebeu que ele tinha talento e o convenceu a investir na carreira.

"Ele disse que eu tinha condições de representar o Brasil, viajar para o exterior. Achei que seria incrível", relembra ele, que é dentista. Em 2000, já estava na seleção. Em 2008, representou o Brasil nos Jogos de Pequim.

Fora da Rio-2016, ele sonha com Tóquio-2020 e que a Olimpíada em casa ajude a mudar o estigma do tiro esportivo. "As pessoas associam muito tiro à violência e esquecem que é um esporte que ajuda a relaxar, a se concentrar. O segredo está na cabeça, quando atira, você se desliga de tudo."

ADDG. Rua da Gávea, 1348, Vila Maria, tel.: 2954-1224.

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