Paola Carosella faz parceria com agricultores que cultivam orgânicos em SP

Esse aqui é pra você, Paola", diz a agricultora Maria José Kuniwa, 61, apontando um pé de salsinha que crescia num canteiro cercado por mata nativa. "Tem meu nome escrito aí?", brinca a chef Paola Carosella, agachando-se, puxando uma folhinha e colocando na boca. "Ah, essa tem!", responde ela, feliz em mostrar a plantação à estrela do programa MasterChef, da Band.

O encontro, ocorrido numa quinta-feira de maio, não foi em algum sítio do interior —como sugere o cenário rural— mas no município de São Paulo. Carosella passou o dia visitando agricultores da região Parelheiros (zona sul), como parte de uma recém-estabelecida parceria que está dando novo fôlego à produção de orgânicos na cidade e, ao mesmo tempo, mudando a maneira como a chef estrutura o cardápio de seu restaurante —o Arturito, em Pinheiros.

A cozinheira argentina andava em busca de fornecedores que não usassem agrotóxicos desde os idos de 2001, quando fincou raízes em São Paulo. "A gente sempre fez uma cozinha simples, que tenta levar pro prato o ingrediente brilhando no seu esplendor máximo. E o orgânico é ideal pra isso porque tem sabor melhor, além de outras vantagens."

A escassez de produtores, contudo, sempre espalhou erva daninha nos planos, até que, no fim do ano passado, ela descobriu que os associados da Cooperapas plantavam a 50 quilômetros do centro, em Parelheiros.

Em fevereiro, após duas visitas à região, Carosella propôs que eles se tornassem fornecedores oficiais: "eu me comprometi a comprar sempre, eles se comprometeram a ser a minha horta", diz a chef, que passou a adaptar o cardápio ainda mais ao que a terra oferece.

TUDO A SEU TEMPO

Diferentes produtos em diferentes estações do ano. Esse é o maior empecilho ao consumo de orgânicos, de acordo o engenheiro agrônomo e professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Querioz), Carlos Armênio Khatounian, 56. Segundo ele, os orgânicos trazem benefícios à saúde e à natureza, mas os agrotóxicos permitem produzir continuamente alimentos destinados a crescer apenas em algumas épocas.

"Os venenos permitiram contornar um ambiente desfavorável a certas culturas. Mas é mais ou menos como criar um urso polar em Manaus. Você até consegue, mas é difícil e custoso", diz Khatounian, que também é PhD pela universidade de Iowa.

Carosella prefere os desafios da sazonalidade ao urso polar suando nos trópicos. O vaivém no cardápio às vezes é simples (o acompanhamento das carnes, por exemplo, pode facilmente mudar de batata-doce para a mandioca), às vezes exige criatividade. "Eu não posso comprar 6.000 em um mês e mil no outro, porque quebro o agricultor. Então, se o seu Ismael está com muito almeirão, vamos fazer uma salada, uma empanada, alguma coisa para usar esse almeirão todo."

O "seu Ismael" a quem Carosella se refere é Ismael Helestein, 67, um homem de mãos grandes e cascudas, que há pouco mais de dez anos anos pensou em desistir de plantar porque nada mais crescia nas roças dele. "Colocamos tanto veneno que acabamos com a terra. Nem mandioca dava mais", conta.

A solução veio quando, dez anos atrás, uma ONG convenceu seu Ismael a migrar para o cultivo orgânico. Ele aprendeu técnicas para recuperar o solo, e, depois de dois anos de trabalho, voltou a produzir.

Na época, não existia agricultura orgânica estruturada na cidade. Agora, só na zona sul, são 12 agricultores certificados e cerca de 30 que ainda não têm o selo mas já produzem com boas práticas.

Os números são modestos diante dos cerca de 400 produtores convencionais da região. Mas, quem trabalha por lá garante que os resultados vão além da quantidade.

"O agricultor que se torna orgânico muda a forma de enxergar sua relação com a terra e com a produção", diz o geógrafo e gestor de projetos do Instituto Kairós, Arpad Spalding, 36. "Ele vai ter mais trabalho, mas ao produzir de forma ecologicamente correta, vai perceber que está fazendo algo pela sociedade e vai se sentir mais valorizado. Isso incentiva o homem a ficar no campo e pode diminuir o inchaço das cidades."

Spalding, um dos responsáveis pela "conversão" de seu Ismael e pela parceria, estava havia mais de uma década envolvido em projetos de capacitação na zona sul —em parceria com a secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente— até que, três anos atrás, a casa onde morava, na Vila Madalena, acabou demolida para a construção de um prédio.

Foi o empurrão que faltava: arregimentou três sócios, comprou uma roça em Parelheiros e passou a plantar lado a lado com os agricultores que ajudou a converter. O sítio Quinta Estação, que já produz frutas vermelhas, gengibre e ervas, tem outros objetivos: "A ideia é criar uma unidade de desenvolvimento tecnológico, ambiental e social para a região", explica Spalding.

Ali, depois de passar o dia provando orgânicos, Carosella pensou em como sua maneira de cozinhar mudou ao longo do tempo. "Hoje eu me emociono muito mais servindo uma salada de folhas orgânicas do que ralando uma trufa importada."

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