O cara da Bienal: quem é o curador alemão à frente da mostra neste ano

Num corredor da Bienal de São Paulo, com a montagem a pleno vapor logo atrás da porta, um produtor gruda em Jochen Volz, o alemão à frente da próxima edição da mostra, querendo falar sobre um artista que "saiu do controle". Volz sussurra algo inaudível e arremata com um sorriso. Menos um chefão e mais um confidente, ele dá a impressão de deslizar sem abalos pelas engrenagens de uma das maiores exposições do mundo.

Depois de mais de uma década vivendo no Brasil, com um breve intervalo em Londres, onde ajudou a comandar as Serpentine Galleries, Volz hoje mistura certa seriedade germânica com o traquejo de quem aprendeu a fazer arte na terra da gambiarra e do improviso. Seu português perfeito, com um leve sotaque, traduz essa identidade híbrida.

"Uma vez que você entra, não vai ter outra barreira, lobby, nada entre o lado de dentro e o de fora", ele diz, numa manhã de sol no térreo do pavilhão desenhado por Oscar Niemeyer. "A ideia é entrar aqui direto numa floresta de esculturas do Frans Krajcberg."

Não há nada ali, a não ser pilhas de chapas de compensado que farão parte da cenografia da mostra, mas Volz parece visualizar em alta definição as esculturas criadas com galhos retorcidos e pedaços de árvores mortas que marcam a obra do artista escalado como uma das estrelas da Bienal que estará aberta a partir do dia 10 de setembro.

Num passeio pela mostra ainda em construção, o curador ia descrevendo os trabalhos como se estivessem ali. Tendo perdido a conta de quantas montagens já vi, isso não me chamou tanto a atenção, a não ser por um detalhe. Volz falava menos do impacto que as obras deverão causar e mais de como elas serão feitas, listando materiais, métodos construtivos, pesos, medidas e pontos de equilíbrio. Longe de ser um regente distante, ele está mais próximo de alguém que poderia montar cada trabalho, como se soubesse tocar todos os instrumentos de uma orquestra ao mesmo tempo.

Quando começou a trabalhar com arte, ainda na Alemanha nos anos 1990, Volz até sabia. E também entendia um tanto de plantas e árvores, já que é filho e neto de engenheiros florestais amantes da arte —"art lovers", ele diz. Enquanto isso talvez explique a pegada ecológica da mostra que está organizando, sua vontade de enfiar a mão na massa está ancorada na experiência de ter montado —com martelo, prego, parafuso e chave de fenda mesmo— instalações de uma série de artistas.

Em Munique, quando ainda estudava história da arte, Volz bancava a universidade fazendo bicos como montador de exposições. Ele chegou a produzir trabalhos de Dan Graham e Tom Wesselmann, então já consagrados. Mais tarde, quando se mudou para Berlim em busca de uma experiência com arte contemporânea, conseguiu um emprego na Neugerrimschneider, galeria, na época estreante, que hoje é uma das mais poderosas da Europa.

Foi ali, como espécie de faz-tudo, que Volz teve um primeiro contato com o que muita gente ainda acha indigesto em museus e galerias. Ele passava boa parte do tempo tentando entender trabalhos em vias de desmaterialização, como as esculturas de luz do dinamarquês Olafur Eliasson e os happenings do tailandês Rirkrit Tiravanija.

"Era muito próximo o contato, e o que me interessava na época era aprender com eles, inventar outras formas de pensar em arte", conta. "Não era um caso óbvio de trabalhar para o mercado. Eu trabalhava com artistas que nem tinham um mercado na época. Isso demorou até ser algo vendável."

Ele fala dos almoços-performance comandados por Tiravanija ou mesmo a réplica em escala um para um do apartamento desse artista em Nova York. Transposta para uma série de galerias, a obra podia ser habitada pelos visitantes da mostra. O trabalho causou comoção à época e acabou estampando a capa de uma edição de "Estética Relacional", livro hoje clássico em que o francês Nicolas Bourriaud tentava definir e descrever o que seria uma arte calcada na relação entre o público e a obra mais do que em objetos estáticos numa galeria.

Nesse sentido, a visão de arte de Volz ganhou corpo num momento em que a própria arte contemporânea passava por uma metamorfose. "O que era considerado arte se expandiu naquele momento", diz o curador. "E o que me interessava era produzir exposições. O que me dá tesão de trabalhar com arte é estar bem próximo do artista e da matéria com que ele está trabalhando. Vejo o trabalho do curador como um sócio do artista."

Em 2000, Volz assumiu pela primeira vez um cargo de curador no Portikus, centro cultural em Frankfurt famoso pelas exposições experimentais. Ali, ele voltou a trabalhar com Tiravanija e depois organizou mostras da francesa Dominique Gonzalez-Foerster, da dupla escandinava Elmgreen & Dragset e da brasileira Rivane Neuenschwander, que viria a ser sua mulher e mãe de seus dois filhos.

"Ele não me deixa ser preguiçosa", diz a artista. "Tem um trato fino e sensível para não limitar ou podar, mas é alguém que me ajuda a levar os trabalhos até um limite, que me leva a pensar de maneira muito rica."

O encontro dos dois também marcou o início de um caso de amor de Volz com o Brasil. "Eu vinha para cá, mas nessa época não sabia que ia ficar", lembra. "Foi a partir do trabalho dela que ficou bem claro quem eram os artistas mais importantes aqui. Era um momento em que as pessoas ficaram muito curiosas com o Brasil, então veio esse desejo de estar aqui." Volz passou um tempo na ponte aérea até largar tudo, há 12 anos, para se radicar em Belo Horizonte, onde Neuenschwander morava.

Em paralelo, Bernardo Paz montava seu Instituto Inhotim em Brumadinho, a uma hora da capital mineira. Volz, que conhecia muitos dos artistas na coleção do magnata, logo foi chamado para organizar exposições e entrou de cabeça no mundo da arte brasileira.

"Ele surpreendeu todo mundo pela rapidez com que passou a transitar dentro desse código da arte daqui", lembra Rodrigo Moura, ex-diretor-artístico de Inhotim, que trabalhou quase uma década com Volz no museu -o alemão, aliás, ainda é um dos curadores da instituição. "Há uma retroalimentação muito produtiva no olhar dele. Ele participou de um cenário ligado à estética relacional na Europa e encontrou questões muito semelhantes aqui. É um casamento feliz de culturas diferentes que acontece no trabalho dele."

Feliz e intenso. Toda essa velocidade de que fala Moura, aliás, não é um exagero. Menos de dois anos depois de se mudar para o Brasil, Volz foi convidado por Lisette Lagnado para ajudar a montar a 27ª Bienal de São Paulo, que estreou há uma década.

De repente, aquele alemão perdido em Brumadinho chegava ao topo da cadeia alimentar no cenário da arte nacional fazendo parte de uma das edições mais radicais da mostra paulistana. Lagnado conseguira então abolir o modelo antiquado das representações nacionais, quando embaixadas ainda decidiam que artistas e obras mandar para São Paulo, e dar novo fôlego ao evento brasileiro no calendário internacional.

Volz, que compara organizar uma Bienal a passar pelo inferno, então se cacifou para uma temporada num inferno ainda maior. Em 2009, ao lado do sueco Daniel Birnbaum, ele organizou a Bienal de Veneza e, pouco tempo depois, atraiu o olhar do todo-poderoso curador Hans Ulrich Obrist, que chamou o alemão para trabalhar com ele nas Serpentine Galleries, em Londres, um dos espaços de arte mais influentes do planeta.

"Ele tem um jeito de extrair o melhor de cada artista, entende os artistas e como eles pensam", diz Obrist, que também vê em Volz a identidade híbrida, ou o tal casamento entre culturas, observado por Rodrigo Moura. "Ele é um brasileiro alemão londrino. É um cidadão global que consegue articular gerações e geografias distintas. Ele mostra que o mundo precisa de amor e não de desconfiança, de proximidade e não de isolamento."

Obrist também lembra um dado importante. Depois de anos trabalhando ao lado de grandes nomes do circuito europeu e brasileiro, Volz agora está à frente do maior desafio de sua carreira, assumindo sozinho a direção da Bienal de São Paulo, a mostra mais tradicional de arte contemporânea do mundo depois de Veneza. "É o momento perfeito para ele cristalizar toda a sua experiência."

Mas Volz diminui o peso disso tudo. Desde que pisou no pavilhão no Ibirapuera até agora, ele só diz ter entendido que a missão da mostra mudou. "A Bienal não é mais aquela janela para o mundo", diz o curador. "Hoje sinto que muito mais do que uma janela a Bienal assume o papel de uma plataforma importante para o pensamento crítico, para ser um lugar de experimentação."

No caso, algo entre a experimentação mais radical e trabalhos que sejam palatáveis para o grande público. Volz diz que sua seleção procurou fugir do hermetismo, tentando criar um equilíbrio entre peças mais voltadas para "uma imersão reflexiva" e outras "mais óbvias, claras, diretas". "É importante não cair em polarizações no campo da arte, já que somos uma minoria numa sociedade movida por outros poderes, outras forças", afirma ele.

"Tento imaginar outro futuro. Tudo que eu quero dessa Bienal é que ela seja a melhor exposição que eu já fiz até agora."

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Mostras mais marcantes do curador

2001
Rivane Neuenschwander
No Portikus, em Frankfurt, Volz organizou há 15 anos uma mostra da artista brasileira que mais tarde se tornaria sua mulher.

2006
27ª Bienal de São Paulo
Em 2006, Jochen Volz organizou uma elogiada ala dedicada ao artista belga Marcel Broodthaers.

2009
53ª Bienal de Veneza
Junto ao sueco Daniel Birnbaum, com quem iniciou a carreira, o curador comandou a mais tradicional mostra do mundo.

2011
Olafur Eliasson
Há cinco anos, na era das mostras blockbuster, o curador levou as instalações do artista à Pinacoteca e ao Sesc Belenzinho.

2015
Marina Abramovic
Volz organizou a maior mostra da história da performer sérvia no Brasil, ocupando o Sesc Pompeia no ano passado.

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Programação off-bienal

Akram Zaatari
Uma das vozes mais influentes da arte do Oriente Médio, o libanês Akram Zaatari ganha primeira retrospectiva em solo brasileiro, no Galpão VB.

Galpão VB. Av. Imperatriz Leopoldina, 1.150, de 3/9 a 5/12, de ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., das 11h

'Portugal Portugueses'
Grande mostra no Museu Afro Brasil destaca a badalada cena contemporânea da terrinha.

Museu Afro Brasil. Pq. Ibirapuera, portão 10, de 8/9 a 8/1/2017, de ter. a dom., das 10h às 17h.

Jonathas De Andrade
O artista escalado para esta Bienal de São Paulo tem ainda duas individuais em cartaz, uma no Masp e outra na Galeria Vermelho.

Masp. Av. Paulista, 1.578, de 1º/9 a 29/1/2017, de ter. a dom., das 10h às 18h, qui., até 20h.

Galeria Vermelho. R. Minas Gerais, 350, até 17/9, de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h.

Ivens Machado
O Pivô abre uma retrospectiva do artista que morreu no ano passado.

Pivô. Av. Ipiranga, 200, de 4/9 a 29/10, de ter. a sex., das 13h às 20h; sáb., das 13h às 19h.

'Os Muitos e o Um'
Exposição organizada pelo crítico americano Robert Storr no Tomie Ohtake destaca as obras mais marcantes da coleção de José Olympio Pereira, uma das maiores do país.

Instituto Tomie Ohtake. Av. Brig. Faria Lima, 201, de 3/9 a 23/10, de ter. a dom., das 11h às 20h.

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