Crowdfunding ajuda paulistanos a financiar de orquídeas a separatismo

Transformar apoio e admiração de amigos e conhecidos em dinheiro para bancar uma ideia. Em tempos de reinvenção pessoal e crise econômica, a proposta do crowdfunding, ou financiamento coletivo, vem fazendo sucesso no Brasil. Só o site Catarse, o maior do tipo no país, possui hoje mais de 1.700 campanhas no ar e já levantou R$ 49 milhões.

Em São Paulo, há quem busque ajuda para montar uma quitanda de orgânicos, plantar orquídeas na beira do rio, publicar um livro de nus masculinos, reformar o próprio apartamento e separar o Estado do resto do país, em um "SampAdeus". Para quem ajuda pode haver recompensa, às vezes simbólica.

Nesse mar de projetos, um recentemente deu o que falar. O vencedor do programa "MasterChef", Leonardo Young, a guru do empreendedorismo Bel Pesce e o blogueiro Zé Soares pediram R$ 200 mil para abrir a hamburgueria Zebeleo, mas foram tão criticados na internet que desistiram.

Bel Pesce é experiente em crowdfunding. Ela é uma das que mais arrecadou dinheiro no Brasil assim: em duas campanhas, obteve ao todo R$ 1,6 milhão para fazer palestras sobre empreendedorismo país afora.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 30.04.2012. O catador Bispo e sua carroca ao lado do grafiteiro Mundano que esta organizando o movimento Pimp My Carroça. "Pimpar" significa pintar, remodelar as carroças. (Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress, COTIDIANO). ***EXCLUSIVO***
O catador Bispo e sua carroça ao lado do grafiteiro Mundano, que esta organizando o movimento Pimp My Carroça

"Apesar da polêmica, a campanha foi bem-sucedida, arrecadou R$ 20 mil em um dia", analisa Candice Pascoal, fundadora do Kickante. Para ela, o trio errou ao se comunicar mal com o público que não os conhecia direito. "Crowdfunding serve para isso: ver se sua ideia será bem recebida pelo mercado antes de ser colocada em prática."

Nesses sites, é comum encontrar campanhas para financiar livros, discos e outros itens culturais. Nesses casos, a recompensa é o produto final (na prática, trata-se da pré-venda de algo que ainda não existe, diminuindo os riscos de quem empreende).

As "vaquinhas virtuais" chegaram com força ao Brasil no início da década. "No começo, havia mais empolgação em contribuir. Hoje, é preciso investir, contar uma boa história e ter recompensas interessantes", diz Diego Reeberg, que criou o site Catarse, em 2011.

A equipe por trás do Pimp My Carroça, que usa financiamento coletivo para "turbinar" as carroças de catadores de lixo, acredita que informar sobre o destino do dinheiro deve ser uma das contrapartidas. "A gente posta tudo o que faz. Fazemos para manter a confiança", diz a gestora Daniela Teixeira.

"Não podemos banalizar o uso da ferramenta, na linha de se tornar algo para divulgar uma ideia. Com ela, você cria uma rede, comunica, é algo para além do financiamento. Usar não por essa essência, mas pelo resto, pode distorcer o propósito."

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EXTERIOR

Se no Brasil predominam campanhas de cunho social, lá fora o uso da ferramenta é amplo. "Aqui ainda existe um temor. O crowdfunding poderia ser usado para mais coisas, como campanhas eleitorais, algo comum nos EUA, e até para comprar um pedaço de uma start-up", diz Ronaldo Lemos, fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade e colunista da Folha.

Com a crise, sites de crowdfunding registraram aumento na demanda. No Kickante, o valor arrecadado no primeiro semestre triplicou em relação a 2015. Como empresas passaram a ter menos dinheiro disponível, pedir na internet virou alternativa.

"O sistema de empréstimo bancário é muito rígido no Brasil, o que abre espaço para formas de financiamento criativas", diz Istvan Kasznar, professor de economia na FGV.

"No país, obter dinheiro para projeto social tem o mesmo custo do que o de empreender para lucrar", analisa Maurício Turra, coordenador do ESPM Social Business Centre.

Mas é preciso levar em conta alguns custos, que podem ser maiores do que os juros tradicionais (os sites cobram até 13% do valor arrecadado). "Há um pouco de ilusão: R$ 65 mil podem virar R$ 20 mil com a taxa do site, produtos, cachês e gastos com envio. Aqui, o resto veio com patrocínio", conta Bia Bittencourt, idealizadora da Feira Plana que abriu, neste ano a Casa Plana (leia mais abaixo).

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ONDE TEM?
Projetos financiados coletivamente na capital:

Mil Orquídeas
Já foram plantadas 800 orquídeas nas margens do rio Pinheiros, de uma espécie nativa que desapareceu (milorquideasmarginais.com )

Cidade Azul
Para "revelar" os rios "escondidos" sob o asfalto, criou expedições urbanas percorrendo o trajeto das águas e áudio-guias. No site:
saopaulo.blue.

Komborgânica
A Kombi que vende orgânicos pode virar uma quitanda na Pompéia, Ainda em financiamento no catarse.me/komborganica

Comida Síria
O refugiado sírio Talal Al-Tinawi fez campanha para abrir o Talal Culinária Síria (tel. 3360-2595), que serve esfirras, homus, coalhada e tabule. Leia mais aqui.

Casa Plana
A Feira Plana, evento de publicações independentes, ganhou espaço com biblioteca pública e cursos (facebook.com/planacasa)

Pimp My Carroça
O projeto do grafiteiro Mundano (pimpmycarroca.com ) instala itens de segurança e colore carroças de catadores de lixo reciclável

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