'Cozinhar não é só fazer um peru no natal', diz Marisabel Woodman, chef do La Peruana

Gui Gomes/Folhapress
São Paulo, SP, Brasil, 12-10-2016: Chef Marisabel Woodman, do restaurante La Peruana. Foto: Gui Gomes/Folhapress
A chef Marisabel Woodman, do restaurante La Peruana

Marisabel Woodman, 29, cresceu em uma cidade pequena, "onde todo mundo se conhece", no norte do Peru. Na praia próxima, onde passou tantos verões, compra-se peixe fresco, das águas frias do Pacífico, diretamente dos pescadores, que batem nas portas das casas a oferecer as mercadorias.

Ela comprou seu primeiro celular aos 11, 12 anos, com o dinheiro que acumulou vendendo chocolate —que ela mesma fazia— nos recreios da escola, escondida. "Minha mãe dizia que eu tinha arte nas mãos, mas ela que tinha e também paciência para me ensinar."

Formou-se em administração por pressão do pai. Mas, bem, quando mudou-se para França com o marido, brasileiro, estudou gastronomia, desmistificou a cozinha ("eu achava que cozinhar era comprar ingredientes incríveis, colocar uma musiquinha, pegar uma taça de vinho e cozinhar com todo o prazer [risos]") e estagiou em um três-estrelas "Michelin", de Alain Ducasse, o chef mais estrelado do mundo.

Lá, pouco podia fazer na cozinha. Tinha de se debruçar sobre o chão, porém, para limpar as quinas das paredes com uma escovinha, polir os utensílios de inox e as maçanetas de cobre, desfolhar coentro com tempo cronometrado —literalmente, rodando—, verificar os morangos um a um, quando entregues pelo fornecedor.

"Você pode ter uma paixão por isso, mas é um trabalho. Você tem de saber se mexer na cozinha. Tem até que saber como ficar em pé, para não atrapalhar. Cozinhar não é só fazer um delicioso peru no natal."

Ah, o peru de Natal. Woodman lembra-se, aos detalhes, dos natais que passava na casa de sua avó, afeita a uma cozinha rústica. Ela tem o hábito de comprar o peru do Natal vivo, para alimentá-lo ao seu gosto em seu quintal por um, dois meses antes de prepará-lo. "Antes de matar, ela deixava o bicho bêbado de pisco para que morresse relaxado [risos]. Do contrário, minha avó dizia que ele morreria tenso e duro. E ela pedia para os netos saírem de casa, porque tirava a cabeça do bicho e ele continua correndo. Mas a gente via tudo do portão [risos]."

Woodman hoje vive às voltas em seu restaurante, o La Peruana, que vive abarrotado de gente a procura de sua cozinha, simples, mas na qual sente-se os sabores do Peru preservados e muito bem tratados, e pela qual paga-se um bom preço.

Tem coisas insubstituíveis, diz ela. Algumas pimentas, o pisco, o huacatay, uma erva dos Andes. "Servir ouriço e vieira seria supergostoso, mas o preço sairia totalmente do que a gente trabalha. Por isso usamos ingredientes simples. Para que as pessoas possam vir mais de uma vez na semana, até."

E ali faz um ceviche de peixe fresco e firme embalado em um leite de tigre intenso, no qual saltam pimenta, coentro, caldo de peixe, com personalidade. Ou um lomo saltado —o filé-migon que dança na wok quentíssima com um molho de shoyu e depois é incrementado com caldo de carne espesso, com mocotó e vinho tinto.

Nem uma balzaquiana é, a chef já trabalhou no D.O.M. ("eu nunca tinha nem visto, nem cheirado um pequi"), no Dalva e Dito ("eu que fazia aquela farofa super power que tem bacon, ovo, quilos de manteiga [risos], uma delícia") e no Central, de Virgilio Martinez, top 1 da América Latina ("Ele não faz só alta cozinha, ele investiga os ingredientes peruanos, as regiões. Não é só o sabor, é uma equipe enorme de cozinheiros que trabalha 16 horas por dia para elaborar aquelas receitas. É incrível"). Já serviu comida em barraca de rua e já teve um truck.

"Não é todo mundo que aguenta, nem todo mundo que está disposto a começar do zero." E sua mensagem, aos jovens chefs, é, trocando em miúdos, "não pule etapas". "É importante passar por todas as etapas. Não pode pular. Costuma ser assim a vida, não?"

La Peruana Cevicheria. Al. Campinas, 1.357, Jardim Paulista, tel. 3885-0148.

São Paulo, SP, Brasil, 12-10-2016: faca da Chef Marisabel Woodman, do restaurante La Peruana. Foto: Gui Gomes/Folhapress
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