Marisabel Woodman, 29, cresceu em uma cidade pequena, "onde todo mundo se conhece", no norte do Peru. Na praia próxima, onde passou tantos verões, compra-se peixe fresco, das águas frias do Pacífico, diretamente dos pescadores, que batem nas portas das casas a oferecer as mercadorias.
Ela comprou seu primeiro celular aos 11, 12 anos, com o dinheiro que acumulou vendendo chocolate —que ela mesma fazia— nos recreios da escola, escondida. "Minha mãe dizia que eu tinha arte nas mãos, mas ela que tinha e também paciência para me ensinar."
Formou-se em administração por pressão do pai. Mas, bem, quando mudou-se para França com o marido, brasileiro, estudou gastronomia, desmistificou a cozinha ("eu achava que cozinhar era comprar ingredientes incríveis, colocar uma musiquinha, pegar uma taça de vinho e cozinhar com todo o prazer [risos]") e estagiou em um três-estrelas "Michelin", de Alain Ducasse, o chef mais estrelado do mundo.
Lá, pouco podia fazer na cozinha. Tinha de se debruçar sobre o chão, porém, para limpar as quinas das paredes com uma escovinha, polir os utensílios de inox e as maçanetas de cobre, desfolhar coentro com tempo cronometrado —literalmente, rodando—, verificar os morangos um a um, quando entregues pelo fornecedor.
"Você pode ter uma paixão por isso, mas é um trabalho. Você tem de saber se mexer na cozinha. Tem até que saber como ficar em pé, para não atrapalhar. Cozinhar não é só fazer um delicioso peru no natal."
Ah, o peru de Natal. Woodman lembra-se, aos detalhes, dos natais que passava na casa de sua avó, afeita a uma cozinha rústica. Ela tem o hábito de comprar o peru do Natal vivo, para alimentá-lo ao seu gosto em seu quintal por um, dois meses antes de prepará-lo. "Antes de matar, ela deixava o bicho bêbado de pisco para que morresse relaxado [risos]. Do contrário, minha avó dizia que ele morreria tenso e duro. E ela pedia para os netos saírem de casa, porque tirava a cabeça do bicho e ele continua correndo. Mas a gente via tudo do portão [risos]."
Woodman hoje vive às voltas em seu restaurante, o La Peruana, que vive abarrotado de gente a procura de sua cozinha, simples, mas na qual sente-se os sabores do Peru preservados e muito bem tratados, e pela qual paga-se um bom preço.
Tem coisas insubstituíveis, diz ela. Algumas pimentas, o pisco, o huacatay, uma erva dos Andes. "Servir ouriço e vieira seria supergostoso, mas o preço sairia totalmente do que a gente trabalha. Por isso usamos ingredientes simples. Para que as pessoas possam vir mais de uma vez na semana, até."
E ali faz um ceviche de peixe fresco e firme embalado em um leite de tigre intenso, no qual saltam pimenta, coentro, caldo de peixe, com personalidade. Ou um lomo saltado —o filé-migon que dança na wok quentíssima com um molho de shoyu e depois é incrementado com caldo de carne espesso, com mocotó e vinho tinto.
Nem uma balzaquiana é, a chef já trabalhou no D.O.M. ("eu nunca tinha nem visto, nem cheirado um pequi"), no Dalva e Dito ("eu que fazia aquela farofa super power que tem bacon, ovo, quilos de manteiga [risos], uma delícia") e no Central, de Virgilio Martinez, top 1 da América Latina ("Ele não faz só alta cozinha, ele investiga os ingredientes peruanos, as regiões. Não é só o sabor, é uma equipe enorme de cozinheiros que trabalha 16 horas por dia para elaborar aquelas receitas. É incrível"). Já serviu comida em barraca de rua e já teve um truck.
"Não é todo mundo que aguenta, nem todo mundo que está disposto a começar do zero." E sua mensagem, aos jovens chefs, é, trocando em miúdos, "não pule etapas". "É importante passar por todas as etapas. Não pode pular. Costuma ser assim a vida, não?"
La Peruana Cevicheria. Al. Campinas, 1.357, Jardim Paulista, tel. 3885-0148.