'Chico Buarque' da construção ganha a vida com reformas e canta na entrega da obra

"Vai Passar" começa a tocar em um boteco da Bela Vista, no centro paulistano. A música é cantada ao vivo por uma indefectível voz pausada, suave e anasalada. "Ai, meu Deus", diz a estudante Ana Lima, 25, girando a cabeça à procura de alguém. "É o Chico Buarque!" Ela vira o olhar até a máquina de karaokê e constata: não é. Por mais que pareça. E muito.

Quem porta o microfone é Bebeto Tenório, 51, gêmeo vocal do cantor e "empreiteiro de pequenas e grandes reformas", como apresenta o cartão de visitas que ele entrega a quem o procura para parabenizá-lo pela performance.

Esse homem da construção nasceu na Mooca, na zona leste, com uma voz parecida com a do carioca."Não forço. É o meu timbre mesmo. Se eu cantar Djavan, vai sair com a voz do Chico Buarque", diz ele, antes de dar um tostão de "O Menino da Porteira", música de Luiz Raimundo e Teddy Vieira, que ele começou a imitar três décadas atrás quando tentava uma carreira cantando em bares do Tatuapé.

O empreiteiro de pequenas obras, como ele se define, já esteve na antessala da fama. Anos atrás, estava escalado para cantar no "Domingão do Faustão". Porém, horas antes de ir ao ar para todo o Brasil ao vivo, sua participação foi cancelada.

"O pessoal do Chico Buarque não deu uma autorização para usarem a imagem dele em vídeos em que iam nos comparar", narra ele, que diz ter perdido autoestima e ganhado peso depois do episódio. Procurada, a Globo não comentou o episódio.

Mas sem rancor contra a voz que dá o tom da sua vida. "Gosto muito dele. Das músicas e da pessoa que é, ainda que não sinta a necessidade de estar perto dele", diz Bebeto.

Ele prefere aguardar o reconhecimento a um encontro com o ídolo. "Os covers de Roberto Carlos estão cheios de shows. Já o do Chico Buarque", e dá de ombros. "Tem gente que acha que se, Deus o guarde, ele fechar a tampa, a Globo vem bater na minha porta. Mas eu morro antes. Sofro de pressão alta."

A hipertensão e o estômago um tanto proeminente não impedem a mulherada de cair em cima após ele abrir a boca. "Se não tem o Chico de verdade, vai o genérico mesmo", ri ele, que do auge do terceiro casamento já aprendeu que assédio "é tudo ilusão".

Além do branco dos olhos, há outra parte do corpo dos dois que se parece: as íris de um verde-esmeralda. "E não é lente, não. Já viu peão com dinheiro para comprar lente?"

Adriano Vizoni/Folhapress
Para Bebeto Tenório, só quem grita ganha no karaokê
Para Bebeto Tenório, só quem grita ganha no karaokê

Enquanto a música afaga o ego e o permite cantar para pessoas como a apresentadora Marília Gabriela, foi com reboco que ele construiu sua vida. Realizou o sonho da casa, carro e chapéu panamá próprios.

Sua sorte começou a mudar uma década atrás, quando reformou a casa do jogador de futebol Dentinho, ex-Corinthians.

Atualmente, ele presta serviços para socialites paulistanas e atrai clientes com vídeos cantando MPB no Facebook. "Sou um peão que ganha bem, mas já contei moedinha para comprar pão", diz, enquanto pinta de cinza o portão de um estúdio de ioga no Jardim Europa. Dias depois, na festa de reinauguração do lugar, chamado Casa Jambo, ele deu uma palhinha. Foi ovacionado.

Só a máquina de karaokê do boteco no térreo do prédio onde mora, na Bela Vista, parece não se impressionar com a semelhança. Após cantar "João e Maria", ele recebe a nota 36. Seu desempenho costuma ficar entre 40 e 60, de um total de cem pontos, e a máquina o consola com mensagens motivacionais. "Só ganha quem grita", diz o cantor da construção.

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