Nova onda de imigrantes chineses movimenta empresas e negócios em São Paulo

Não há nada de novo na presença de chineses em São Paulo, mas há uma presença chinesa muito nova na cidade.

Em número, são bem menos que os imigrantes do século passado. Contam-se às centenas, segundo o governo brasileiro. É uma pequena fração comparada às dezenas de milhares que fugiram de guerras ou da fome e somam hoje cerca de 250 mil pessoas (incluindo descendentes).

No estilo, são quase invisíveis na cidade grande. Cosmopolitas, dominam mais de um idioma, conhecem a cultura e a culinária ocidental e dispensam o corredor que liga a Liberdade à Vila Mariana, onde se concentraram seus antecessores. Os chineses recém-chegados moram afastados uns dos outros em Moema, Higienópolis, Jardins, Itaim, Morumbi ou Vila Olímpia.

O que define o endereço não é mais a proximidade dos que falam uma mesma língua. É a conveniência de acesso às empresas nas quais são diretores, gerentes-gerais, vice-presidentes ou, em muitos casos, donos.

Em 15 de agosto de 1900, foram 107 os primeiros chineses a pisar em São Paulo, segundo a Hospedaria de Imigrantes.

Ao final de cada encontro, Sun (Sandra) Yiqun, a artista da turma, manda um relato do evento para o grupo de WeChat (programa semelhante ao WhatsApp, usado por 100% dos novos chineses em São Paulo).

Hoje moradora da Vila Olímpia, Liu ainda tem medo de assaltos, mas diz que aprendeu como se vestir e se comportar para evitar a cobiça de ladrões. "Uso Havaianas e shorts e nos comportamos sempre discretamente."

Seus restaurantes preferidos são os de carne. "Agora que já sei pedir à la carte, não preciso ir mais ao rodízio", comemora.

Mas, como quase todas as suas amigas, não passa sem os salões de cabeleireiro da Liberdade, na região central. "Com os brasileiros, não consigo explicar o que quero."

A textura dos cabelos orientais é bastante específica, e ela diz que os profissionais locais não acertam nem a cor da tintura nem o estilo do corte. Liu fala português, mas raramente o usa. Diz passar bem só com o inglês.

O executivo Lanbo Cao, 55, cujo segundo idioma é o japonês, nem do inglês precisa. Gerente-geral da CZ Zongshen (fabricante de motocicletas e motores), usa só o mandarim no trabalho.

No dia a dia, "aqui" é sua "palavra mágica", diz, rindo. É com ela e o dedo indicador que, toda quinta, aponta em um menu ilustrado o pastel que quer comer na feira livre perto de casa, nos Jardins. Prefere os que têm tomate e cebola. "Às vezes o 'aqui' dá errado, mas acabo gostando também", diverte-se.

Cao chegou ao Brasil em 2012 para administrar a empresa, inaugurada em 2009 em meio ao boom de investimentos chineses. São mais de cem hoje no país, segundo a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, e o país asiático tem liderado com folga a compra de firmas brasileiras. Entre 2015 e 2016, arremataram 21, na conta da consultoria britânica Dealogic. Em São Paulo, concentram-se bancos, empresas de tecnologia e montadoras de veículos de vários portes.

O gerente não tinha ideia do que fosse o Brasil quando foi designado para o posto. Começou a ler o que encontrava, tentando se preparar. "Chegando aqui, era tudo diferente. A pesquisa não serviu para nada", diz, às gargalhadas.

Famoso entre os amigos pelos pratos de peixe que prepara, diz que o pescado é o que menos importa. O sabor correto vem das pimentas. As que não encontra em São Paulo, o executivo traz na mala quando visita o país natal. Como outros chineses que vêm do Norte e Nordeste, ele sente falta dos temperos picantes.

Em São Paulo, a maioria dos primeiros imigrantes veio do Sul da China, onde a comida é muito diferente, e os restaurantes fazem pratos de Cantão, "adaptados para turistas".

SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA

Cao diz que raramente sai dos Jardins, por insegurança —aspecto mencionado como o pior defeito da cidade por 12 dos 14 chineses entrevistados pela sãopaulo.

Todos os que vêm morar no Brasil são alertados sobre o risco de violência, em parte porque imigrantes anteriores abriram negócios bem-sucedidos, mas, como eram clandestinos, precisavam guardar dinheiro em espécie, o que os transformou em alvos.

Nos finais de semana, Cao joga tênis, badmington e golfe. Faz parte da cultura empresarial da China que negócios sejam feitos em jantares —não em almoços— e relacionamentos profissionais sejam estreitados nos campos esportivos aos domingos.

O vice-presidente do braço brasileiro do Bank of China, Zhang Guanghua, 47, fica até sem palavras quando a pergunta é bons locais para passear. "Não passeio. Só trabalho."

Zhang comanda as áreas de contabilidade, risco, jurídico, compliance, operações e comercial. É também presidente da Associação Brasileira das Empresas Chinesas, que lista sete dezenas de grandes conglomerados.

Uma das principais missões nesses dias é levar clientes a restaurantes, principalmente churrascarias ou restaurantes chineses fora do circuito turístico —um dos preferidos é o China Garden, na Aclimação, na região central.

Jantares de negócio são indispensáveis na cultura chinesa. "Mostra respeito pelos clientes e facilita o fechamento dos contratos", explica ele.

O ritual pode incluir muitas rodadas de "maotai", destilado de sorgo com 55% de álcool. "As empresas, quando contratam para a área comercial, avaliam a resistência à bebida", diz Xiaolin (Chris) Zhao, 30, em São Paulo desde 2015 para estudar português na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).

DIVERSÃO E ARTE

Zhang espera que o clima político se acalme para que o Bank of China possa aproveitar os negócios que, no momento estão em suspenso. "Uma das áreas mais promissoras é tecnologia e inovação, principalmente em automação industrial", afirma.

Foi em tecnologia que Bo Feng, 37, encontrou campo para abrir sua própria empresa, pela qual deixou o cargo de diretor de treinamento da ZTE, o maior fabricante chinês de equipamentos de telecomunicação. Mas havia outros motivos para ficar no Brasil: Sofia, chinesa que conheceu aqui e com quem se casou em 2012 -formada em comércio exterior, ela também é empresária.

Morador do Morumbi, ele leva as duas filhas para passear no zoológico e no parque Ibirapuera, um dos locais preferidos também da administradora Ying Qiu, 36.

Iniciante no português, que usa em seu trabalho, Qiu já se sente à vontade para as compras diárias e a conversa no táxi. "O problema é discutir com o gerente do banco ou reclamar do serviço telefônico."

Casada com um brasileiro que conheceu na França, a administradora quer morar na cidade como uma paulistana. Gosta de frequentar os cinemas da cidade e os concertos da Sala São Paulo. "O centro tem lugares muito bonitos", diz ela.

"A diversidade de tudo, cultural, de pessoas, de serviços, culinária é o que mais aprecio em São Paulo", conta, em português perfeito, o consultor André Sun, 41.

Formado em Pequim, aperfeiçoou o idioma na rádio internacional da China e no setor comercial da Embaixada do Brasil.

Sua relação com São Paulo já dura 13 anos. "Sinto que faço parte da cidade. Frequento os mesmos lugares dos brasileiros, entendo as piadas e o contexto político."

O passo seguinte foi um curso de cozinha em Pinheiros, bairro preferido do morador de Higienópolis. Na primeira aula, aprendeu a fazer arroz, feijão e bife à cavalo. "Minha farofa é ótima! Deixo tostar bastante", diz, com um sorriso tímido. Com visto de residência permanente, ele pensa em ficar por aqui.

O professor Shyu, que chegou em 1972 para organizar o ensino de mandarim, vê com um grão de sal a nova onda de moradores chineses.

"Empresários ou executivos em geral vêm por pouco tempo. Não se integram. Não aprendem português. Usam apenas inglês ou intérpretes. A influência sobre a cidade vem do imigrante pobre."

Alguns desses novos chineses parecem estar decididos a mudar essa história.

*

AS QUATRO ONDAS DE CHINESES

1ª onda
Do século 17 à Segunda Guerra Mundial

  • Os cantoneses (da região de Guangdong) foram os primeiros a chegar ao Brasil. Em 1810, d. João 6º patrocinou a vinda de algumas centenas de chineses para o Rio de Janeiro, para o cultivo de chá.
  • Em 1854, o governo patrocinou nova imigração chinesa para substituir a mão de obra escrava. A experiência fracassou. Em 1882, foi fundada a Companhia de Comércio e Imigração Chinesa; cerca de mil chineses chegaram para trabalhar em minas em São João Del Rei, no Estado de Minas Gerais.
  • O primeiro registro oficial de entrada de chineses em SãoPaulo é de agosto de 1900, com 107 pessoas encaminhadas para a agricultura em Matão.
  • Os primeiros imigrantes eram, na sua maioria, homens solteiros, cujo objetivo era acumular riqueza pelo trabalho e retornar à terra natal.

2ª onda
Pós-guerra e comunismo

  • A guerra sino-japonesa (1931-1945) e o estabelecimento do regime comunista na Republica Popular da China (1949) provocaram a emigração de habitantes principalmente das províncias costeiras, como Xangai, Shandong, Zhejiang, Fújiàn e Guangdong.
  • Dentre os novos imigrantes estavam muitos técnicos e industriais. Oriundos principalmente de Shandong e Xangai transferiram suas fábricas têxteis e moinhos para o Brasil.
  • O objetivo desses imigrantes é fixar raízes no novo país, já que a implantação do comunismo impede uma volta à China.

3ª onda
Indonésia e o revés de Formosa

  • No fim da década de 1960, na Indonésia, descendentes de chineses fugiram do regime do ditador Suharto, imigrando para o Brasil. Em 1971, a República da China (Taiwan, então Formosa) foi substituída, na ONU, pela República Popular da China, e, em 1979, os EUA romperam relações diplomáticas com Taiwan. Os eventos levaram à emigração de chineses taiwaneses e o Brasil foi um dos destinos.

4ª onda
Século 21

  • O crescimento do investimento da China no Brasil e das relações comerciais entre eles traz os executivos ao país

Fonte: "Aculturação na Comunidade Chinesa no Brasil: Aspectos Culturais e Lingüísticos", de David Jye Yuan Shyu, professor aposentado da FFLCH-USP

Publicidade
Publicidade