Só ou acompanhados, idosos vão a bailes para se divertir e para 'enganar a morte'

O sol ainda não se pôs e elegantes homens e mulheres sobem as escadas dos salões de baile, no União Fraterna, na Água Branca, e no Clube Piratininga, na Santa Cecília, regiões oeste e central de São Paulo. Sozinhos ou acompanhados, seguem para as pistas logo nos primeiros acordes. Os pés revelam a frequência com que lá estão: elas usam um pequeno salto; eles, sapatos de bico fino, envernizados e bicolores. Durante as pausas, leques se agitam —combinando com as bolsas ou os vestidos. E logo recomeça a música, entoada por uma banda, de letra romântica. A pista volta a se preencher com casais.

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Antonia Sálvia Victorino Ferreira, 76
Antonia dança nos bailes há 32 anos —há 33 é viúva. Antes, até dançava com o marido, mas em restaurantes, "era diferente." No baile, tem uma infinidade de amigas e, de vez em quando, está com o namorado. "Quando brigamos, venho sozinha. Quando ele vem, danço só com ele. É ciumento."

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Elizabeth, 64, e Arthur Koukdjian, 73
Pé de valsa, o casal abre a pista —e de lá não sai. "É a nossa ginástica." E aí, o que era um quarto em casa virou "academia". "Dançamos todo dia, há 16 anos. É bom para o corpo e para a memória", conta Elizabeth. Tango, bolero, samba, chá-chá-chá, "estilos mais tradicionais". Capricham nos sapatos (ela com saltinho, ele com uma sola que deslize no piso) e partem para a ginástica. "Onde achamos um baile, nós vamos. Muitas vezes estão lá as mesmas pessoas", diz ela.

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Icê Marcondes, 86
"Se escreve Ice, como gelo em inglês, mas não sou gelada. Sou quente." Assim Icê se apresenta e emenda: vai à academia duas vezes por semana, anda, dança outras duas por semana e é "boa de cama". Para o baile, começa a se arrumar às 12h. "Quando saio, me perguntam no prédio: 'Vai causar?'. Respondo: 'Eu posso'." Os filhos, que não são de bailes, ligam para perguntar se ela foi dançar. "É o termômetro para saber se estou bem." Foi casada por 54 anos, namorou por mais uns e diz que, quando gosta, fala: "Quero você". "Não estou na época de perder tempo. Eu amei minha vida [inteira] e amo esse restinho."

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Juracy G. Couto, 89
Um dos primeiros a chegar. E a ir embora —essa é a condição em casa, já que a mulher não o acompanha (mais). "Você vai, mas às 21h esteja em casa", ouve Juracy. Antes das 20h, ele desce as escadas do União Fraterna, na Água Branca. Frequentador assíduo desde os tempos dos bailes coreografados, com traje a caráter, foi marido da rainha do baile (segundo casamento) —a atual (quarto casamento) conheceu ali mesmo. A dança com outras mulheres está permitida. "Tem umas aí que ficam doidas para dançar com o velhinho." E dança bem assim, é? Ele levanta as mãos para o céu e agradece.

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Myrian R. Martins, não revela a idade
Para "não depender da velharada, que é devagar", Myriam leva seu personal dancer à tiracolo. Por três horas com ele, paga R$ 200. "Fui uma das primeiras, todo mundo olhava torto, pensando que eu 'me achava'. Até pararam de me chamar para dançar, me boicotam mesmo. Mas não vou dar satisfação." Ela teve um personal por nove anos, que deixou a profissão para se dedicar aos estudos. O atual está com ela há três meses e "estou me entrosando". Dançar é a única maneira que gosta de exercitar as pernas. Aí vale bolero e "até rock pauleira". "Mas também, se não dançar, fazer o quê?"

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Renato Ribeiro Cerqueira, 69
"Se eu parar de dançar, eu vou morrer." A dedicação de Renato à dança dá pinta em seu estilo. O sapato ele mandou fazer (e o cinto também, combinando). São "para dançarino" e custaram R$ 200. "É a primeira coisa que a dama olha: o pé." Quem não é dançarino, acrescenta ele, vai de tênis. "Hoje, estou aqui [no União Fraterna], amanhã na Penha, quarta no Nacional, quinta em Osasco. Aí descanso para o sábado, no Independência, do Brás."

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Marivaldo S. Bonfim, 67
"Vir ao baile é um jeito de enganar a morte." Marivaldo frequenta os eventos desde os anos 1970. Aprendeu a dançar com o tempo, diz. "O não de uma mulher faz com que você corra atrás." E aprendeu tanto que virou até "personal dancer". Fala que opta por ir sozinho "porque o intuito é dançar. Os que vêm acompanhados vêm para satisfazer a companheira". Marivaldo é quase um sociólogo de bailes. "Aqui é uma competição, a mulher quer o que dança melhor e o homem a mais charmosa. Ninguém perde."

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Sueli Martins de Melo, 64
"Esta é a minha mesa", aponta Sueli. E ela paga por isso: R$ 20. Sobre a mesa ela deixa o leque —"acessório obrigatório quando tem sambas como esses"—, batom, espelho e uma bala de menta. O sapato, conta, não pode ser muito alto. O motivo? "Velho cai e quebra a perna."

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Vera Lúcia F. Palma, 70
"Quando estou mau humorada, nem venho", diz. Interrompe, então, a conversa. "Só um minuto. Você me espera?" E foi dançar. Quando volta, conta que teve que pedir para o parceiro parar porque sua roupa "cheirava a mofo". Vera Lúcia é vaidosa, adora brilho (a qualquer hora). Em dia de baile, faz a maquiagem e só depois decide a roupa. Como é alta, tem 1,72 m, leva o salto e também uma sapatilha, se preciso for. "Se preparar para vir é gostoso. O baile é uma oportunidade pra gente."

União Fraterna. R. Guaicurus, 01, Água Branca, tel. 3672-0358. Às segundas.

Clube Piratininga. Al. Barros, 376, Sta. Cecília, tel. 4508-8872. Às qui., sáb. e dom.

Clube Independência do Brás. R. Dr. Carlos Botelho, 466, Brás, tel. 2692-3924. Aos sábados.

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