Aos 76 anos, principal nome do vinho argentino segue experimentando em suas produções

Marcus Leoni/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 22.05.17 21h Nicolas Catena (da Catena Zapata). A Mistral oferece jantar em torno de Nicolas Catena no Jockey Club de Sao Paulo. (Foto: Marcus Leoni / Folhapress, MONICA BERGAMO)
O argentino Nicolás Catena, da bodega Catena Zapata, em São Paulo

Esguio, Nicolás Catena, 76, atravessa o salão do Jockey Club de São Paulo. Na última segunda-feira (22), estava lá para comemorar o aniversário da parceria entre sua bodega, Catena Zapata, e a importadora que trouxe seus vinhos para o Brasil, a Mistral.

Catena é o dono de uma das mais importantes bodegas de Mendoza, no oeste da Argentina. Nas décadas de 1980 e 1990, foi promotor de uma mudança qualitativa no vinho produzido no país, ao investir em novos barris de carvalho e ao cultivar vinhas a altitudes maiores —anos depois, a bodega e alguns dos rótulos foram premiados internacionalmente.

Apesar de seguir viajando regularmente à Mendoza (vive em Buenos Aires) e experimentando coisas, o ousado Nicolás Catena começa a entregar aos filhos os bastões da inovação: de pesquisar os melhores pedaços de terra, do cultivo biodinâmico e da produção com outras castas de uva.

Em entrevista à Folha, fala sobre a tendência de diminuir a presença da madeira nos vinhos, de um novo e promissor local que encontraram para cultivar os vinhedos e da força da malbec, a uva mais famosa da Argentina e queridinha dos brasileiros.

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Folha - Quais são os atuais desafios na produção de vinho da Argentina?
Nicolás Catena - Na Argentina há um processo de descobrir, dentro das regiões onde sempre se produziu vinho, aquelas pequenas parcelas que podem produzir algo excepcional. É um pouco ir ao que é tradicional na França, encontrar esses microclimas, esses solos, que produzem algo de qualidade superior. No nosso caso, que é um pouco o primeiro caso, temos um vinhedo plantado a 1.500 metros de altura, sobre a Cordilheira dos Andes, chamado Adrianna, que é o nome da minha filha mais nova. Nesse vinhedo, tão alto, identificamos parcelas e obtivemos um vinho que é melhor do que se misturássemos todas elas. Esse processo diria que é o último que está acontecendo na Argentina. A colheita de 2012 produziu um vinho malbec que o crítico de vinhos James Suckling deu cem pontos, comparando com todos os vinhos do mundo. O que nos indica que o que fizemos na Argentina, outras pessoas farão. Acredito que isso vai determinar algo em termos de qualidade.

Outras regiões do país lhe interessam?
Já produzimos em todas as regiões da Argentina. Em todas. No sul, em Mendoza, em San Juan, em La Rioja, em Salta e cada lugar tem sabores e aromas diferentes. A ideia agora é tentar descobrir um pequeno lugar melhor do que o que já conhecemos. Nisso, gosto de elogiar minha filha Laura, que está liderando essas novidades na produção vitivinícola. Ela se formou como bióloga em Harvard e veio com essa educação, esse espírito de investigar. Criou e incorporou, no final do milênio, um instituto de pesquisa em que tenta investigar os fatores que afetam a qualidade. Para depois os encontrar em algum lugar da Argentina.

Mendoza vive hoje um novo período, com outros produtores?
Sempre aparecem marcas novas. E elas, em geral, oferecem sabores e aromas diferentes. Mas eu diria que o único realmente novo que eu vi, nos últimos anos, é o vinho de parcela.

O que identifica em tendências ganhando força por lá?
Há três tendências importantes. Uma é usar menos carvalho. A segunda, de menos extração, que é o processo, durante a fermentação, do contato da casca com o líquido. Mais extração resulta em vinhos mais densos, com mais corpo. Mas hoje são preferíveis vinhos menos densos, mais suaves. O terceiro, isso sim é importante, é o cultivo de vinhedos orgânicos e biodinâmicos [com abordagem holística, que trata o solo como um organismo]. E um dos vinhedos biodinâmicos importantes é do meu filho, Ernesto [Catena, dos vinhos Tikal e Alma Negra]. No Adrianna [vinhedo da Catena Zapata a 1.500 metros de altura], todas as parcelas são orgânicas. Hoje, isso é demandado. Mas em muita altura há uma vantagem, menos probabilidade de doenças, pela intensidade da luz e pelo frio. Nisso, para nós é mais fácil.

O que pensa do assunto da madeira?
Se apoia em uma questão de preferência. A madeira foi uma contribuição dos franceses. Ao sabor das uvas, eles acrescentavam a baunilha, o primeiro sabor do carvalho. Depois, os tostados. Mas parece que esse sabor já não é a preferência. Os franceses e todos que produzem vinhos de alto preço diminuíram o uso da madeira.

Vocês também diminuíram o uso da madeira?
Nós também. E digo mais, na nossa bodega cremos que a madeira aporta muito pouco ao malbec. O malbec com menos madeira decididamente é preferível ao que se fazia anos atrás. Confesso algo, isso me aconteceu na semana passada: provei um malbec da colheita 2017, ou seja, que acabara de terminar a fermentação malolática [fermentação secundária que transforma ácido málico (azedo e intenso) em lático (mais suave e agradável), diminuindo a acidez do vinho]. Vamos ter uns cem barris desse malbec. E eu disse: quero que uns 30 desses barris —o vinho estava no tanque ainda— não passem por carvalho. Quero guardar, ainda que não os vendamos, esse vinho sem madeira.

Continua experimentando coisas, então?
Sim. Isso eu pedi com esse vinho. Devo confessar que eu não havia provado algo tão bom em toda a minha vida, em malbec. O delicioso não é fácil descrever, mas quero expressar a minha sensação de harmonia, suavidade, de uma densidade ótima. Tudo era para mim muito perfeito. Esse vinho, que vai ser um dos grandes, terá parte engarrafada sem carvalho. Vamos ver o que acontece.

Como equilibrar o interesse em popularizar o malbec de Mendoza e apresentar inovações ao mundo?
Bom, a história do malbec, tenho que me referir a ela: antes da filoxera [praga que ataca raízes e folhas de vinhas], a variedade mais importante em Bordeaux era malbec, depois a abandonaram porque era menos resistente. Foi uma variedade muito importante que em 1864 foi plantada na Argentina. Algo aconteceu porque cem anos depois, ou mais, o malbec que se produz na Argentina é muito diferente de Cahors [na França]. O que aconteceu? Não temos uma teoria demonstrável, mas o clima, obviamente, mudou a planta nesses 150 anos. O malbec, entre os tintos, é bem diferente. Vai seguir sendo preferido? Não sabemos. Até agora, o malbec melhor, de mais alto preço, segue crescendo em demanda mundial. O futuro é um mistério porque está nas preferências dos consumidores. Em todo o mundo estão plantando malbec. Fui à China e uma pessoa de uma bodega me entrevistou dizendo que tinha um vinhedo a 1.200 metros de altura e que queria plantar malbec. Perguntou como faria para ter as plantas da Argentina. E da China é preciso ter medo porque quando fazem algo é muito grande e poderoso.

Para onde pensa em ir e levar o vinho argentino?
Estamos muito satisfeitos. Nossa empresa familiar se especializou em três variedades: malbec, cabernet sauvignon e chardonnay. Meus filhos fazem outras variedades e vão bem. Acredito que há um futuro importante para o chardonnay argentino. O cabernet é difícil porque todo o mundo produz, é a variedade mais versátil que há. Mas nós temos um cabernet de um lugar de Mendoza que se chama Agrelo, uma finca muito antiga, e cremos que temos boas possibilidades de nos destacar com essa variedade.

Aos brasileiros o que mais agrada é o malbec?
O Brasil tem preferências muito claras: por aromas florais, no caso do malbec, de violetas. E por uma fruta poderosa no vinho. E não gosta de amargor, e o cabernet pode ser amargo. Por isso, no Brasil, o malbec está perfeito.

Os chilenos têm explorado as diferenças nos vales. Parece um caminho para a Argentina também?
Na Argentina, as diferenças entre vinhedos é em função da temperatura, da altura e da composição do solo. Mendoza é um vale, com a cordilheira a oeste. Isso tem muitas implicâncias do ponto de vista da intensidade luminosa e dos ventos, da temperatura. O oposto ao Chile. Há um vale que descobrimos e estamos explorando, vou acabar contando todos os segredos aqui, na Rioja. É o único vinhedo que está entre duas montanhas, a 2.000 metros de altura e as montanhas a 3.000, 4.000 metros. Ali o clima é realmente exótico, único. Plantamos um vinhedo há seis anos, fizemos duas colheitas. Eu diria que em quatro, cinco anos vamos confirmar, mas pode ser algo importante.

Já provou algo brasileiro de que gostou?
Não sei distinguir por marca, mas no ano passado participei de uma degustação com uma brasileira e provei um vinho branco que me impressionou. E também um espumante muito bom.

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