Piauiense com apelido de conde, garçom do Pobre Juan é 'expert' em cinema autoral

Numa cena de "Pulp Fiction" que se tornou célebre, John Travolta e Samuel L. Jackson discutem as diferenças entre o McDonald's da Europa e o dos Estados Unidos. Uma delas envolve o nome do sanduíche que é o carro-chefe da rede de fast food: "O Big Mac, em Paris, é 'le Big Mac'", ensina Travolta a Jackson, no filme dirigido por Quentin Tarantino.

Essa discussão definitivamente passa longe do interesse de um garçom que, no dia a dia, lida com as carnes nobres argentinas e o paladar de uma clientela exigente, mas a obra do cineasta americano, esta sim, faz brilhar os olhos de Ricardo Matarazzo.

Estamos na cobertura do shopping Cidade Jardim, na unidade do restaurante Pobre Juan em que Ricardo trabalha. Ele é daqueles garçons que gostam de conversar com os clientes, seja para dar uma sugestão de vinho, seja para falar dos arranha-céus refletidos nas águas do rio Pinheiros. À medida que apresenta o cardápio, deixa a conversa fluir e logo chega à sua paixão: o cinema.

"Tarantino é um cineasta original, único, um dos mais criativos da safra contemporânea", discorre, enquanto serve um bocadinho de farofa com ovos. Logo em seguida, como quem acrescenta uma pitada de tempero, completa: "Com destaque para a trilha sonora e o roteiro".

Nascido em Piripiri (PI), ele foi registrado há 43 anos como Ricardo Medeiros Mendes. O sobrenome Matarazzo é um apelido que ganhou há 23 anos e virou sua marca nos quatro restaurantes pelos quais passou em São Paulo, aonde chegou em 1994, depois de uma tentativa de trabalhar numa refinaria de petróleo em Paulínia (SP). Ele conta, com uma ponta de orgulho, ter sido um neto do conde Francesco Matarazzo (1854-1937) que viu nele certa semelhança física com o avô.

Na mais cosmopolita das cidades brasileiras, sempre atuou como garçom. "Foi quando validaram o meu passaporte para me aproximar, conhecer e conversar com as pessoas", diz, caprichando na metáfora. As sugestões do menu ou da carta de vinhos são apenas o começo da prosa, que, de um jeito ou de outro, cai no seu tema predileto. Embora todo o mundo goste de falar de filmes que já viu, Ricardo vai logo deixando claro que seu papo é cabeça: "Não sou fã de blockbuster. Gosto de filme de autor".

"Já tive a chance de falar com cineastas como Bruno Barreto e Arnaldo Jabor", diz ele, um tanto gabola. E não para por aí: "Ah, e teve ainda Bond". Faz uma pausa de suspense e finaliza divertindo-se: "James Bond!". Em 2008, Ricardo Matarazzo e Pierce Brosnan, o ex-agente 007, trocaram apresentações quando o ator irlandês esteve em São Paulo para gravar um comercial de carro.

Não tão cedo quanto o garotinho de "Cinema Paradiso", é com seus 13 anos de idade que Ricardo vai descobrir a magia da sétima arte. Nunca se esqueceu do primeiro filme a que assistiu na tela grande, o drama "Papillon", de 1973, protagonizado por Steve McQueen e Dustin Hoffman.

É, porém, quando fala do americano Stanley Kubrick (1928-1999), um de seus cineastas favoritos, que mostra o que aprendeu como estudante de cinema: dos planos-sequências de "O Iluminado" ("mudaram a minha forma de ver cinema") aos debates em torno de "Laranja Mecânica" ("o figurino e a trilha sonora suavizaram a polêmica sobre violência contida na obra").

Ecoando, ainda que de longe, o dinamarquês "A Festa de Babette", Ricardo filosofa: "Assim como um prato desperta o apetite por meio dos sentidos, um bom filme faz que a gente saia do cinema e reflita sobre diferentes valores da vida. É um aprendizado".

Conforme tira a mesa, e a conversa se encaminha para o fim, Matarazzo deixa entrever o sonho de trocar pratos e talheres por uma câmera na mão: "Como o meu trabalho de garçom permitiu que conhecesse personagens diversos, quem sabe não consiga um dia fazer um filme sobre as diferenças, os preconceitos, mostrando como as pessoas do lado de cá da ponte enxergam as de lá. E vice-versa". Uma ideia na cabeça ele já tem.

Pobre Juan. Shopping Cidade Jardim. Av. Magalhães de Castro, 12.000, 3º piso, tel. 3552-3150 (pobrejuan.com.br ).

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