São menos de 450 quadras (0,2% do município de São Paulo) a área dos distritos da Sé e da República, mas é ali que está a maior concentração de equipamentos culturais da cidade.
No total, são 134 locais com alguma atração (1 a cada 3 quarteirões ou 1 para cada 600 habitantes da região).
"É um desperdício que uma região tão rica do ponto de vista cultural passe uma impressão tão terrível", diz a pesquisadora Isaura Botelho.
A causa desse desperdício é a falta de articulação entre a política cultural e as de segurança, conservação, usos e organização econômica, opina a autora de estudo sobre equipamentos e serviços artísticos do centro paulistano, publicado pelo Centro de Estudos da Metrópole e pelo Cebrap.
"É um equívoco apostar todas as fichas na construção de um equipamento cultural de grande porte na crença de que isso, por si só, traz a requalificação da área em questão."
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sãopaulo - Por que é tão difícil revalorizar o centro?
Isaura Botelho - A questão básica é falta de política. São Paulo sofre muito, principalmente em nível estadual, de falta de políticas consequentes.
Depende mais do Estado que da prefeitura?
Há equipamentos culturais do Estado na região, e é o governo que tem a possibilidade de colocá-los em harmonia e sincronizados com a quantidade de escolas e faculdades que ali existem. É espantoso pensar que, num Estado como São Paulo, política cultural ainda é marginal e vista de forma isolada.
O que falta é política cultural?
O problema é de ordem política e administrativa. É uma região que exige um olhar amoroso. Há ali um problema seríssimo, como a cracolândia. A área cultural não é independente das outras políticas. Requer um olhar integrado. Se não houver segurança, não serão os equipamentos culturais que vão promovê-la. Você vai à Sala São Paulo, entra no estacionamento, assiste ao concerto, pega o carro e sai. Não muda em nada a região.
O que emperra a articulação?
Muitas vezes são as concorrências partidárias. Gestões de partidos diferentes inviabilizam o diálogo, quando o interesse da população é que deveria ser levado em conta.
Procurar solução no investimento privado ajuda?
Passar para empresas privadas a solução de problemas públicos e sociais é irresponsável, mas é bom buscar parcerias. Não se pode gerir uma cidade sem esse diálogo entre o poder público, nas três esferas, e o setor privado. Há uma associação comercial poderosa naquela região. É preciso integrar todos os interessados na segurança e na circulação.
Com tantas pessoas passando pelo centro, o que falta?
Engendrar percursos: propiciar que os paulistanos transitem de um espaço a outro com tranquilidade e prazer, para conhecer, saber o que oferecem os espaços. Ao mesmo tempo, estimular o comércio de natureza cultural. Numa região com faculdades, escolas, cabe uma bela livraria, coisas do tipo.
Mas empresas e pessoas só vão se não tiverem medo de assalto. Segurança e limpeza também são do interesse de todos. É inacreditável, um desperdício que uma região tão rica do ponto de vista cultural passe uma impressão tão terrível.
O esvaziamento noturno prejudica a região?
Sim. E criar atividades em horários diferenciados também é uma questão política. São decisões que deveriam ser vistas como prioridade porque, potencialmente, poderia contaminar outras cidades.
Fiz recentemente um pequeno percurso no Porto Maravilha, no Rio. A praça Mauá mudou de cara. Mas foi graças a uma política articulada. Há no Brasil uma ignorância de como a cultura tem peso e potencial, algo que grandes centros no mundo já perceberam.
O fato de São Paulo não ter prédios históricos como o Rio atrapalha?
Mas há um patrimônio da arquitetura modernista muito significativo, que infelizmente não é explorado. Nunca será o Marais, mas há circuitos que podem ser muito interessantes.
Não há um patrimônio monumental, mas pode ser extremamente atrativo desde que seja bem tratado. A grande cidade é aquela que permite se perder sem ter medos. Poder flanar, como dizia Walter Benjamin, como dizia [o filósofo e sociólogo alemão] Walter Benjamin [1892-1940].