Quarenta anos atrás, em São Bartolomeu de Messines (em Algarve, sul de Portugal), Mário Rolando fazia pães de trigo com a bisavó. Fermentados naturalmente, amassados à mão e assados em forno de alvenaria aquecido pela lenha.
Hoje, assiste à retomada dos modos de fazer de antigamente nas cidades portuguesas. Entusiasta da fermentação natural (o pão feito com "massa mãe", no país), é um "investigador" dos processos desse "alimento base. O primeiro e o último. O mais barato e o mais completo".
O mestre padeiro português está em São Paulo para um workshop para iniciantes (R$ 100) e um curso avançado de pães de fermentação natural, ao lado do chef Vítor Sobral (R$ 799, dois dias), em comemoração ao primeiro aniversário da Padaria da Esquina. À sãopaulo, Rolando falou sobre a diversa padaria portuguesa e a importância de valorizar o pão de cada região.
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sãopaulo - Hoje, em Portugal, qual é o lugar do pão?
Mário Rolando - O azeite, o alho e o pão percorrem toda a gastronomia portuguesa. Pão pequeno no café da manhã e pão grande no almoço e jantar. Partilhado. Com tudo: caldo verde, sardinha, enchidos, manteiga. Nas açordas, nas migas, nos ensopados... Onipresente.
As pessoas ainda produzem seu próprio pão?
No interior, as mães e as avós ainda o amassam e cozem uma vez por semana. Nas cidades há uma nova leva de pessoas que o começam a fazer por hobby.
A fermentação natural é um procedimento comum?
Cada vez mais difundido. Brinca-se falando em tráfico de massas mãe. As pessoas estão cada vez mais preocupadas com o bem-estar, procuram alimentos menos processados, fermentados pela mãe natureza. É um processo complexo, mas que oferece muitas vantagens em termos nutricionais. Toda a gente quer ser Oscar Niemeyer, viver mais de cem anos.
Onde ela se encontra com nosso corrido modo de vida atual? Não se opõe a ele?
Encontra-se no outro extremo. A condição humana é isso: contraditória. Ritmo vertiginoso, faça-se alguma coisa que respeite o tempo. Uma massa mãe é como um zoo de estimação que exige pelo menos uns minutos de atenção por dia para ser refrescada e alimentada. Com vantagens, por fim pode-se amassar e cozer. E, no fim do dia, fez-se alguma coisa humanamente simples e verdadeira.
No que a padaria portuguesa se destaca em relação às outras?
A padaria de Portugal tem notas únicas. Difere no uso de farinhas (usa as de trigo, centeio e milho e combinações das três —ninguém mais o faz na Europa porque não usam milho), as fermentações (uma fermentação só nas broas de centeio e milho e três no pão pequeno dobrado, como carcaça e papo-seco; todos os outros usam duas), no formato (os pães são dobrados, poucos são cortados com lâmina). E o pão é usado na nossa gastronomia de forma visceral.
Como se dá a gama de tipos de pão pelo país?
Não há dúvida acerca do mapa do pão de Portugal. Todo o país come pão de trigo, mas há especificidades. Norte come broa de milho. Centro interior come broa de centeio. Centro-sul e todo o sul só comem pão de trigo. Essa distribuição está intimamente ligada à agricultura. O pão é feito com o cereal que se cultiva na região. Sem pegada ecológica.
Por que na padaria é importante resgatar as técnicas de antigamente?
A química e a bioquímica invadiram os nossos pequenos mundos. Há químicos na indústria alimentar e, por isso, também na padaria. Porque facilitam o trabalho, baixando sua remuneração, diminuem o erro, aumentam a conservação, tornam tudo volumoso, ligeiro, fofinho e brilhante. Tem o seu lugar. Mas a opção hoje, a minha, a nossa, é a de voltar ao processo simples e natural de fazer um pão com a magia de leveduras e bactérias lácticas e outras que a natureza oferece e nós selecionamos. Os alimentos fermentados oferecem saúde, e é isso que todos nós procuramos. O pão da eterna juventude.
O que tem em comum o pão de diferentes lugares do mundo ou de diferentes períodos? O que, no pão, atravessa o espaço e o tempo?
A história do homem é a história do cereal. Nas regiões que usam trigo, milho e centeio reina o pão como base. O primeiro e o último dos alimentos. O mais barato e o mais completo. O mais místico suporte de religião. Onde há pão, há paz e vida. Ele é farinha, água, sal e, há vezes, um agente levedante. Há 150 anos começou-se a usar todo o tipo de auxiliares tecnológicos de produção. Nos últimos dez anos há uma onda para se voltar a fazer o pão apenas com massas mãe. E há uma tendência assustadora, ligada a esse movimento "back to basics", de uso de massas mãe, levain ou sourdough que, acompanhada do uso de banettons [cestas que dão formato à massa] tem feito com que o pão se esteja a estandardizar. O pão é igual em Buenos Aires, São Paulo, São Francisco, Lisboa, Londres e Tóquio. Há que parar e respeitar a identidade do pão de cada região.
O que é preciso para um bom pão?
Tempo e respeito pelas matérias-primas e pelo produto. O intestino é um segundo cérebro. Temos que lhe dar atenção. A fermentação tem que ser levada a sério e ser completa para que quando o pão seja ingerido venha já todo "digerido".
O pão deve ser feito com ingredientes locais?
Com os recursos naturais no limite, o caminho a seguir só pode ser esse.
Como serão as aulas em SP? Qual a sua expectativa?
São 10 mil anos de pão. Mais do que um produto é o alimento primeiro. Carregado de simbologia e misticismo. Quem o respeita, respeita os outros alimentos e por isso respeita o homem. É de pão português que se fala, de massas mãe, de fermentação e tempo. Comparar a qualidade de um mesmo pão usando processos diferentes. Ensinar, aprender, relembrar e partilhar é bom.
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Workshop com três receitas de pão
Dia 26/09, das 18h às 21h45; R$ 100
Curso avançado, sobre pré-fermento e massa mãe
Dias 27 e 28/09, das 18h às 21h45; R$ 799
Padaria da Esquina
Al. Campinas, 1.630, Jardim Paulista, tel. 2387-0149; Inscrições p/ contato@padariadaesquina.com