Cobrador de ônibus faz de trajeto uma divertida viagem por cartões-postais da cidade

"Oi, minha linda! Tudo bem, meu amigo? Está descendo o queridão! Complexo Clínicas, próximo ponto." Na linha 719P-10, que corta a zona oeste paulistana da marginal Pinheiros ao centro, quem comanda o show é Francisco Carlos do Nascimento, o Chicão.

Dos seus 59 anos, 1m87 e 20 anos como cobrador nesse itinerário, ele conhece cada quadra do percurso. Com voz de barítono, vai cantando os pontos para seus clientes –como chama os passageiros do ônibus.

Não é apenas um roteiro turístico. Chicão se diz responsável por "não deixar a energia do ônibus cair". "Essa é uma linha de dor. Passa pelo HC, Instituto do Câncer, três cemitérios, laboratórios e a Santa Casa", diz

"Brincando, tento fazer os clientes esquecerem a dor e a preocupação."

O caráter clínico do trajeto foi providencial há dez anos, quando uma mulher entrou em trabalho de parto na altura do número 1.045 da avenida Angélica.

"Comecei a chorar", diz Chicão. Depois, achou melhor rezar. Foi salvo por uma enfermeira, que amparou a mãe e a criança.

Nas oito viagens que faz todos os dias, o cobrador não para de falar: são 50 e poucos minutos de conselhos, brincadeiras, cumprimentos e orientações. "Sou tímido, linda, e como se quebra a timidez? É dando o primeiro passo", diz, escancarando o sorriso.

A revista sãopaulo acompanhou uma dezena de viagens de Chicão antes de pedir uma entrevista com ele. Em todas, brincadeiras, elogios, cumprimentos e declarações de amor marcaram a viagem.

Apesar de tanta manifestação de carinho, ele diz que não recebe cantadas das clientes. "Não sei o que é paquera. Converso com todo mundo, tem amigo que sobe e beija, e tem os que dão cartão, um sorriso"

Segundo homem de uma família de sete filhos, Chicão está casado há 35 anos e teve um casal de filhos -só o menino sobreviveu para lhe dar o neto de quatro anos, cuja foto ele carrega no crachá.

Na quadra que dá acesso ao ponto final, no Terminal Princesa Isabel, ele se lembra de que a prefeitura prometeu acabar até 2020 com os cerca de 19 mil cobradores de ônibus. "Tenho que criar coragem para ir embora."

Quando sua vaga for extinta, diz que vai se mudar para a praia. "Vou vender alguma coisa, água de coco, pipa, voltar a jogar capoeira. Parar eu não paro."

Os clientes agradecem!

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