Cotidiano

Em meio à polêmica de música ambiente no Metrô, rappers dizem ganhar R$ 100 por hora nos vagões

Veridiana Scarpelli

"A porta fechou, o show começou." Quando o metrô parte da estação República, no centro da cidade, o rapper Luiz, 27, que pediu para ter o nome trocado nesta reportagem, liga sua pequena e potente caixinha de som. Dela sai uma batida de hip-hop, base sobre a qual ele soltará suas rimas.

Enquanto caminha veloz entre os passageiros, Luiz repara em cenas comuns do transporte público, como a mulher mexendo no celular, o homem com uma pasta pesada, o casal que se abraça, a moça que lê um livro. "Amiga, desculpe atrapalhar sua leitura. É que o seu um real garante a minha mistura."

Nos minutos finais da viagem, Luiz passa o chapéu, que fica repleto de moedas. "Num dia bom, dá pra ganhar R$ 100 em uma hora", conta ele, que passou a enfrentar uma espécie de concorrência interna no mês passado, quando o Metrô de São Paulo instalou música ambiente nas estações e nos trens que opera. Jazz, bossa nova e samba são alguns dos ritmos de fundo que vêm dividindo a opinião de usuários paulistanos.

Na Barra Funda, zona oeste, o rapper encontra Marcelo –ele pediu para ter o nome trocado nesta reportagem–, 28, que rimava no vagão da frente. Nesse trabalho, os artistas se apoiam em frases prontas, as "muletas". Eles trazem na memória rimas para vários perfis e brincadeiras sobre temas do noticiário. "A rima é meu trabalho, a rima me sustenta. Com o Temer, vou ter de trabalhar até os 80", continua Luiz, no vagão que segue de volta à República.

QUEM RIMA
Luiz e Marcelo moram em bairros das periferias da maior cidade do país e se conheceram em rinhas de MCs, duelos em que os rappers disparam versos para desqualificar o oponente. A ovação do público aponta quem vence.

Algumas dessas batalhas são realizadas há anos ao lado de estações de metrô como a Santa Cruz, na zona sul, e a Corinthians-Itaquera, na zona leste. Com o aumento do desemprego e os cortes nos programas de fomento à cultura, parte dos rappers foram aos vagões em busca de "fazer uma moeda".

Assim como muitos passageiros, Marcelo e Luiz fazem jornada dupla: acordam por volta das 5h, vão para a faculdade (paga com o dinheiro ganho no metrô, segundo eles) e, depois das 14h, começam a rimar. Param no horário de pico e voltam entre 20h e 23h.

Os dois também se apresentam nos fins de semana sobre os trilhos.

QUEM OUVE
Entre os rimadores, a linha mais elogiada é a 2-Verde, devido ao poder aquisitivo dos frequentadores. Sob comando privado, a 4-Amarela é evitada, pois seguranças aparecem com mais frequência.

Ao serem abordadas de surpresa, alguns passageiros têm reações inesperadas.

"Um dia, na linha Verde, a mulher tava chorando no vagão. Fiz ela rir com uma rima, e ela me deu R$ 50. Depois falou que tinha acabado de terminar com o marido e que eu trouxe alegria pro dia dela", lembra Marcelo.

O Metrô não permite rimas em suas dependências. Quando flagrados, os rappers são retirados pelos seguranças, mas pagam uma nova tarifa e voltam a atuar.

Para eles, a música ambiente instalada em trens e estações é uma maneira de atrapalhar quem se apresenta nos vagões. "É algo para tentar tirar a gente, mas resistimos", diz Marcelo.

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O Metrô diz ser a favor da liberdade de expressão e da manifestação cultural e artística em suas dependências e que cede espaços para apresentações sem custos, mediante cadastro e autorização prévia, de modo a não interferir na operação do transporte.

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