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11/07/2010 - 11h10

Sonia Braga se despe do glamour de Hollywood

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ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO

Ela paga R$ 2,80 pelo bilhete da barca que vai levá-la de Niterói ao centro do Rio. Cerca de 20 minutos depois, Sonia Braga desce na praça 15 e se mistura à massa de anônimos.

Christian Gaul
Sonia Braga, aos 60 anos, longe das paixões e dos embalos de outros tempos
Sonia Braga, em esplendor aos 60 anos de idade, e longe das paixões e dos embalos de outros tempos

A estrela de "A Dama do Lotação" (1978) se converteu numa ardorosa defensora do transporte público. "Meus amigos acham graça quando digo que peguei a barca e o metrô para ir ao Rio", conta Sonia. Estranheza também compartilhada pelos companheiros de viagem.

Alternando temporadas entre o Brasil e os Estados Unidos (leia mais à pág. 41), Sonia tem ficado cada vez mais na cidade fluminense na casa comprada, em 2001, de presente para a mãe --que morreu no mesmo ano. Em Niterói, sai de cena a figura produzida que frequenta os tapetes vermelhos mundo afora.

Sempre de mochila, roupas esportivas e chinelos de borracha, incorpora Maria Campos, persona criada por Caetano Veloso quando o compositor namorava a atriz, nos anos 1980. "Maria Campos é a secretária, aquela que toma conta da outra que fica lá na banheira", explica Sonia Maria Campos Braga.

São duas das múltiplas faces de uma mulher que acaba de fazer 60 anos. "Pelos amores que vivi, pelos homens que tive, pelos filmes que fiz e pelas pessoas incríveis com quem trabalhei, eu devo ter uns 400 anos", diz a atriz, que estrelou pelo menos 35 filmes, 12 novelas e 14 séries, aqui e nos Estados Unidos. "Se eu tiver crise de idade, vai ser a dos 500 anos. Não vou ter uma crisezinha dos 60. "Sonia sexagenária continua de bem com o espelho. Diz ter feito uma única plástica, no rosto, há nove anos, com Ivo Pitanguy.

Ao final da maquiagem para as fotos destas páginas, ela indaga: "Quem é essa pessoa?" Tem diante de si um rosto naturalmente belo. "Acabei de acordar", brinca, jogando a cabeleira escovada, aquele mesmo "cabelo preto/explícito objeto", cantado por Caetano em "Trem das Cores". "Não entendo por que nunca me convidaram para fazer anúncio de xampu!"

Jabuticaba malandra

Sonia faz pose apenas diante das lentes. "A câmera gosta dessa cara", diz, ao ver no computador o resultado dos primeiros cliques de Christian Gaul. O fotógrafo conta a ela que foi assistente de Antônio Guerreiro, referência entre seus pares, com quem Sonia foi casada. "Te comi?", solta ela, gargalhando.

A frase soa natural na boca de uma Sonia que nunca teve pudores de se despir para encarnar personagens que repousam na galeria de ícones do cinema nacional (veja mais nas págs. 40 e 41). Hector Babenco, diretor do clássico "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), recorda-se do susto ao vê-la circular nua pelo set de gravação do filme que concorreu a quatro Oscars.

Babenco admoestou o assistente por não ter oferecido um robe à atriz. Ela recusara a oferta. "Explicou que todos sempre ficavam esperando o momento em que ela iria tirar a roupa. Por isso, chegava nua e, logo, cansavam-se de olhar. Ela, então, relaxava", lembra o cineasta.

Em maio, atriz e diretor voltaram ao Festival de Cannes, duas décadas e meia depois, para reapresentar "O Beijo..." em cópia restaurada --o filme abre o 3º Festival Paulínia de Cinema, em 15 de julho. "Era como estar com a Sonia de 25 anos atrás. Uma gatona, com a mesma pele de pêssego e os mesmos olhinhos de jabuticaba malandra, só um pouquinho mais encorpada."

Sonia surgiu em Cannes em um longo vermelho, desenhado por ela mesma e confeccionado por Inácia Rodrigues, sua costureira de Ipanema. "Gastei R$ 1.500 [os vestidos das outras atrizes chegam a custar mais de US$ 30 mil]. Só não ficou perfeito porque minha costureira não acreditou que eu iria perder um centímetro de cintura."

Ela adora o ritual do tapete vermelho. "É um momento tão felliniano, tão cinema." Em Nova York, conhece os fotógrafos das premières pelo nome.

É hora de tirar do armário mais uma Sonia Braga. Ou melhor, Sonia "Draga". "É como alguns amigos chamam essa outra figura, que é quase um travesti", explica a atriz, sobre o trocadilho com drag queen. "É uma personagem que adoro compor. O sonho dela era ser Sonia Braga, por isso se veste como ela. Não é falsa, mas é uma produção minha."

Entre o despojamento de Maria Campos e os exageros de Sonia "Draga", existe ainda "Gabriela", aquela que subiu no telhado para pegar uma pipa na novela homônima dirigida, em 1975, por Walter Avancini e exibida pela Globo. Não desceu mais das fantasias masculinas.

Pernas grossas

Há duas semanas, numa noite de quarta-feira, o cartaz anunciava a peça "Dona Flor e Seus Dois Maridos", com Marcelo Farias e Fernanda Paes Leme, no Teatro Municipal de Niterói.

No café quase vazio, um senhor de 55 anos se aproxima da mesa, onde a eterna Dona Flor faz um lanche. "Desculpe-me, mas vi o espetáculo no domingo. Com todo respeito, não existe dona Flor sem as suas pernas grossas", diz Humberto Inecco, um dos 10,8 milhões de espectadores do filme de Bruno Barreto em 1975, a maior bilheteria do cinema nacional.

Sonia agradece o elogio e defende a colega que incorpora a personagem de Jorge Amado na produção atual. "Até ser escolhida para ser Gabriela, eu só fazia papéis de garotas feias, neuróticas", conta.

Em família, seu apelido era Zezé Macedo (1916-1999), atriz que fez fama pela feiura. "Sonia era uma criança magra e tinha os olhos enormes", diz o irmão Hélio Braga, artista plástico e ator, que a levou para o mundo das artes. Ele fazia um príncipe e ela, uma das princesas, no programa "Jardim Encantado", na TV Tupi.

A infância de Sonia não teve nada de conto de fadas. Perdeu o pai aos oito anos. Viúva e com sete filhos, sua mãe virou caixa em um posto de gasolina. "Foi uma crise absoluta. Aos nove anos, eu me sentia velha, com muitas responsabilidades. Acordava às 5h, ia para a escola, deixava os meus dois irmãos pequenininhos na creche, limpava a casa e só depois fazia o dever."

Na adolescência, viveu seu momento Gata Borralheira. "Aqui se vão cem anos dos meus 400." Decidiu que ia trabalhar, como já faziam seus irmãos maiores. Um primo lhe arrumou um emprego no tradicional Buffet Torres, em São Paulo, onde era recepcionista e datilografava orçamentos.

Sabão de coco

Em um dos desfiles de moda no bufê, ela conheceu um maquiador que a levou para um teste de modelo. Vestida com um estiloso terninho costurado pela mãe, chamou a atenção de um dos maiores astros da época. Ronnie Von, o príncipe da jovem guarda, parou para ver o ensaio daquela menina interessante e com olheiras.

A foto dos dois saiu numa revista. Sonia não parou mais de atrair os flashes. "Eu era toda chiquezinha." Pegava peças escondido da irmã, Maria, que mantinha o guarda-roupa trancado. "Com uma chave de fenda e um martelo, eu desmontava a porta do armário. Maria tinha xampu, enquanto eu lavava o cabelo com sabão de coco."

Batia ponto como secretária em um escritório de advocacia, quando o diretor e tradutor José Rubens Siqueira a chamou para fazer o curta "Atenção, Perigo", em 1967.

Como Sonia morava longe, no Butantã, vivia no apartamento do amigo no edifício Copan, no centro de São Paulo. "Lembro-me dela posando nua para mim na cozinha, enquanto minha mulher fazia sopa de mandioquinha", conta o diretor.

Nos idos de 1967, Sonia integrou a trupe da diretora Heleny Guariba e foi fazer teatro engajado no ABC. A diretora é parte da lista dos desaparecidos políticos da ditadura militar. Sonia foi resgatada do desbunde por um zeloso José Rubens. "Fui duro e paterno. Disse: 'Isso não tá com nada. Se quiser morrer, fica'."

Sonia quis viver. "Fiquei louca, era festa dia e noite." José Rubens a incentivou a fazer o teste para o musical "Hair". Não foi escolhida de cara. Ademar Guerra, o diretor, foi categórico sobre a aspirante de 18 anos que dançava bem, mas não cantava. "Não quero essa pessoa no meu elenco."

O diretor da montagem brasileira do controverso espetáculo foi convencido a escalá-la. "No meio do caminho, ele esqueceu que tinha me odiado, passou a me amar, e eu, a ele."

Lá se vão outros cem anos de vida. Logo que o musical chegou ao Rio, ela foi chamada por Daniel Filho para um papel em "Irmãos Coragem", na Globo. "O resto todo mundo já sabe", resume a atriz. "Mas é desse comecinho que mais gosto."

Era também temporada de grandes amores. Com Arduíno Colassanti, o galã do cinema novo, escapou para viver uma paixão idílica ao sabor das ondas, quando inicia o capítulo carioca de sua biografia. "Morávamos no barco dele, sempre nus e cozinhando peixe fresco na areia."

Nascia ali o protótipo de Gabriela. "Fui ficando bronzeada e os cabelos foram encaracolando com a água do mar." Logo depois, foi chamada para viver a personagem de Jorge Amado na TV. "Gabriela" (1975) é a expressão de uma sensualidade cantada em prosa e verso. "Foram músicas, gols e filmes dedicados a mim", desconversa Sonia. "Não vou declarar nomes. Uns foram namorados; outros, amantes. Não faz sentido contar minhas próprias fofocas."

A atriz fica mais à vontade para falar sobre quem não namorou. "Não fui amante do Tom Jobim", esclarece. "Ele compôs o tema de 'Gabriela' na casa dos Barreto [Luiz Carlos e Lucy, produtores do filme]. Sentava-se ao piano e se virava pra mim: 'O que você acha desse acorde, Sonia?'"

Sozinha há algum tempo, a atriz diz que não é muito paquerada. "Canto mais do que sou cantada." Pulou o capítulo filhos. "Adoro criança, mas não daria certo para mim uma produção independente. Faltou um pai."

Eterna latina

Sonia manteve uma produção constante nos EUA ao longo das duas últimas décadas, enquanto no Brasil trabalhou ocasionalmente. "Infelizmente, ela não fez coisas à altura do talento dela em Hollywood, que a catalogou no escaninho das latinas", avalia Babenco. "No Brasil, a indústria também não aproveita a grande atriz que ela é."

Sonia se ressente dos preconceitos. "Eu sou latina no cinema, sou latina na vida e tenho orgulho disso." E manda um recado: "Trabalho pouco no Brasil, embora meu desejo sempre tenha sido o de fazer cinema brasileiro para os brasileiros. Mas, se o J.J. Adams [produtor americano] me chama para fazer [a série de TV] 'Alias', não vou fazer?"

Sobre a carreira da sobrinha Alice Braga, ela é breve. "Não é o caso de dar privilégio para uma pessoa só por ser da família." No mesmo clima distante, Alice, por e-mail, declara que Sonia é um ícone. E pondera: "Tive o espelho da minha mãe, Ana, que também era atriz nos anos 1970, 1980".

Era a época de "Dancin' Days" (1978), quando Sonia estourou com as meias lurex de Júlia, na novela de Gilberto Braga. Neste mês, ela começa a gravar um dos episódios da minissérie "As Cariocas", sob a direção de Daniel Filho, na Globo.

No filme "Lope", de Andrucha Waddington, uma coprodução Brasil-Espanha que tem estreia prevista para novembro, a atriz faz uma anciã. "Ela curtiu o fato de fazer uma velhinha de mais de 70 anos. Fez uma composição incrível. Tem gente que viu o filme e só percebeu que era Sonia quando leu os créditos", diz o diretor.

Em sua versão 6.0, Sonia não dá sinais de que vai diminuir o ritmo. E avisa aos interessados: "Não acho bacana me aposentarem. Eu nunca tiro férias".

 

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