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09/08/2010 - 10h26

Cicloativíssima

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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Em 3 de setembro, minha sis Renata Falzoni será agraciada com a medalha José de Anchieta por sua luta para transformar a bike em meio de transporte.

Os Falzoni são uma gente extremamente inteligente e inquieta e nenhum jamais possuiu qualquer traço de mediocridade. Mas Renata tanto fez que conseguiu tornar-se uma excêntrica mesmo dentro desse núcleo familiar bastante incomum.

Mãe da Tati, 29, e avó da Giulia, 7, e do Caio, cinco meses, quem a conhece de suas transmissões pela ESPN (feitas com câmeras que ela mesmo adapta para usar no capacete), logo percebe nela uma coisa assim meio Vivienne Westwood de ser. Mas eu, que convivi com a Renata como vizinha na infância do Jardim Paulista, posso garantir que seu interesse não está em qualquer movimento de vanguarda.

E que apesar do ar andrógino que cultiva, Renata sempre foi uma heterossexual convicta. Pior. Sempre sofreu de amores por homens que eu considero nada menos do que repugnantes (algo me diz que este comentário vai me meter em apuros).

Renata vira e mexe dá as caras na minha casa às sete e meia da matina, lépida e falante, puxando meia dúzia de cães sem raça definida na coleira, que lembram um pouco um seu namorado inglês que já passou desta para melhor. Invariavelmente, ela me obriga a levantar da cama e ir atrás de sua cabeleira "fogo selvagem" para onde for, o que faço em estado de quase narcolepsia, mas não sem me perguntar quando é que a ficha vai cair de que dona madame Falzoni está prestes a completar 57 anos e que a maioria das senhoras de meia idade não anda por aí escalando o Aconcágua de bicicleta nem se digladiando para fazer a bike tomar o lugar do automóvel.

Há algo de heroico na sua militância. Pela persistência, pelo pioneirismo, mas, sobretudo, pela intransigência no compromisso conservacionista que assumiu desde o primeiro dia.

Isso não quer dizer que eu concorde com ela. A bicicleta deveria se apresentar como alternativa para quem não tem dinheiro, deveria ser a solução para despoluir, deveria ajudar a descongestionar o trânsito, mas, no caso de São Paulo, presta-se apenas a paliativos.

A fim de se proteger de um "inimigo" invisível, mauricinhos se juntam
para pedalar à noite e atravancam os faróis como se fossem donos do mundo. Outra noite, na frente de um restaurante japa, tive de ouvir de um ciclista desses: "Vai acabar essa moleza! Cigarro e bebida têm os dias contados!" Pensei comigo: "E você vai cair daí e quebrar todos os dentes, seu nazista".

A Renata que me desculpe, mas a visão, nos fins de semana, daquela faixa da direita segregada por cones para uso exclusivo do ciclista não faz exatamente engrandecer a alma. A bicicleta a beira-mar ou na cidade do interior ganha outro sentido, mas em São Paulo ela não cabe com naturalidade. É preciso montar uma operação de guerra para acolhê-la e o ônus para a prefeitura é grande. Falzoni sabe disso tudo. Mas continua irredutível em seu cicloativismo, convicta de que, a longo prazo, a bicicleta é a melhor saída.

É uma postura nobre e, no fim das contas, eu sou uma mulher pequena e mesquinha. Digo mais: excluindo seu gosto para homens, queria ser metade da rapariga que a Renata é.

 

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