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09/08/2010 - 10h28

O cartunista da comédia humana

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Entre 1964 e 1973, o desenhista Quino publicou, nos jornais da Argentina, tiras com uma personagem desconcertante: Mafalda, uma contestadora mirim das mazelas da classe média de seu país. Das hipocrisias e vaidades sociais à ameaça da hecatombe nuclear e ecológica, não faltava nada no cardápio dessa gorducha que tinha horror a sopa e, aproveitando a paranoia anticomunista da época, torcia para Fidel Castro declarar seu amor à beberagem, para vê-la proscrita...

Quino decretou o fim da Mafalda em 1973, mas suas ironias continuaram incrivelmente atuais, como mostra o álbum "10 Anos com Mafalda" --antologia dividida por temas como a família, a escola, a TV (com seu impacto sobre os valores pequeno-burgueses) e seus colegas de turma (como o avarento Manolito e a perua em miniatura Susanita).

Se, passadas a Guerra Fria e as ditaduras do Cone Sul, algo ficou datado nas tirinhas, Quino continuou praticando sua mordacidade em charges de álbuns como "Humanos Nascemos" e "Que Presente Inapresentável!". São instantâneos das crises latino-americanas (com seu convívio de emergentes e indigentes) e dos risíveis efeitos da globalização sobre o anacronismo das sociedades periféricas.

Uma cabine de avião cheia de objetos contra mau-olhado, um cachorro de madame escoltado por guarda-costas, um ambulatório em que os pacientes contam seus hábitos como se estivessem num confessionário, uma professora que enxerga conotações sexuais num inocente brinquedo --são sátiras das fobias pós-modernas e do discurso politicamente correto, que fazem de Quino um cartunista da comédia humana.

LIVROS

"10 ANOS COM MAFALDA" **
AUTOR: Quino
TRADUÇÃO: Monica Stahel
EDITORA: WMF Martins Fontes (192 págs., R$ 45)

"HUMANOS NASCEMOS" **
AUTOR: Quino
TRADUÇÃO: Eduardo Brandão
EDITORA: WMF Martins Fontes (128 págs., R$ 45)

"QUE PRESENTE INAPRESENTÁVEL!" **
AUTOR: Quino
TRADUÇÃO: Eduardo Brandão
EDITORA: WMF Martins Fontes (136 págs., R$ 45)

FILME

"CIDADÃO BOILESEN" *
Chaim Litewski (Imovision; locação)
O documentário sobre o dinamarquês Henning Boilesen --que, radicado em São Paulo, financiou a Operação Bandeirantes (órgão de repressão da ditadura) até ser morto por militantes de esquerda, em 1971-- é um retrato repugnante das alianças entre o empresariado brasileiro e um sistema político sem pudor. A narrativa contida deixa a violência aflorar nos depoimentos sobre o sadismo de um cidadão respeitável, que tinha prazer em assistir a sessões de tortura.

LIVROS

"ESPINHOS E ALFINETES" *
João Anzanello Carrascoza
(Record, 112 págs., R$ 34,90)
Carrascoza parece escrever em surdina: seus contos captam nuances de alegria e dor na solidão de objetos imantados de afeto, na réstia de sol que invade uma sala e aquece sua melancolia. As 11 narrativas desse livro estão irmanadas pela nostalgia da infância, com crianças que se descobrem precárias e adultos que redescobrem sua pueril fragilidade numa prosa com arestas e cortes abruptos.

"SÁBADO NA LIVRARIA" **
Sylvie Neeman; ilustrações de Olivier Tallec; tradução de Cássia Raquel da Silveira
(Cosac Naify, 32 págs., R$ 42)
Na atmosfera silenciosa de uma livraria, uma menina encontra um senhor que folheia, com olhos marejados, um livro de guerra. Essa cena pungente, que se repete em páginas ilustradas com beleza crepuscular, é uma celebração da curiosidade despertada pelos livros --mesmo que a leitura signifique o reencontro com algo que se quer (e que não se pode) esquecer.

DISCO

"HAYDN: CONCERTOS PARA VIOLONCELO" *
Antonio Meneses e Northern Sinfonia (Clássicos, R$ 35)
Os concertos para violoncelo de Haydn parecem ter sido escritos para Meneses, cuja graça expressiva conserva um senso clássico de precisão. E ele retribui o compositor austríaco: inclui um "Concertino" de seu conterrâneo, o pernambucano Clóvis Pereira, em que o violoncelo emula a rabeca sertaneja, num diálogo com Vivaldi que serve de comentário às matrizes barrocas de Haydn.

 

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