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17/09/2010 - 16h15

Djavan compõe no banheiro, sentado no vaso; veja entrevista

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MARCUS PRETO
DO RIO DE JANEIRO

Djavan compõe no banheiro, sentado no vaso. Leva para lá o violão, o gravador, o caderninho e aproveita a boa acústica para ouvir no eco das paredes a própria música nascendo. Tem dentro de casa, na Barra da Tijuca, um estúdio completo, de última geração, mas só entra ali para gravar ou ensaiar. Os momentos de criação, aqueles que considera os mais gratificantes de sua vida de artista, ele prefere viver em cenários bem mais íntimos.

Christian Gaul
Aos 61 anos, casado pela segunda vez, Djavan tem dois filhos em idade escolar com a segunda mulher, Rafaella, 36.
Aos 61 anos, casado pela segunda vez, Djavan tem dois filhos em idade escolar com a segunda mulher, Rafaella, 36

Toda vez em que termina uma canção nova, sente-se como uma espécie de super-herói, "a pessoa mais poderosa do mundo" --sentimento que, descreve, costuma durar dois ou três dias antes de se dispersar por completo. Assim que o efeito passa, vem a coceira do compositor, que trata de recomeçar todo o processo. Parte para a próxima música, alimentando o vício que o consome desde os 17 anos, quando experimentou a sensação pela primeira vez.

Esses "poderes", no entanto, andam congelados desde 2007. Depois de compostas as 12 faixas que integraram "Matizes", seu último trabalho autoral, Djavan nunca mais escreveu uma só canção completa. E a greve de fome continua em "Ária", álbum que lança neste mês, apenas com repertório alheio.

"Eu precisava dar uma quebrada no que vinha [fazendo] para, a partir daqui, começar outra coisa", conta. "Precisava zerar, descansar de mim mesmo, dar uma suspendida."

Foi por isso, ele diz, que andou sumido nos últimos tempos. Sua derradeira aparição pública aconteceu em 6 de dezembro de 2008, noite em que colocou o ponto final na turnê de "Matizes". A ausência, relativamente longa, rendeu comentários de que ele estivesse doente.

"Não, não tive nada", garante. "Tendo um pouco ao isolamento. Adoro solidão. Gosto de ficar só. Sou uma pessoa sociável, evidentemente, mas não vivo muito em sociedade."

Conta que, nesse aspecto, gostaria de ser parecido com Caetano Veloso. Ter o gosto pela noite, pela festa, e não viver, como vive, à margem dessa ebulição. "Mas minha natureza é tímida, não sei se pelo fato de eu ser negro", diz. "O negro traz isso dentro de si."A história que vem à memória de Djavan nesse momento remete à infância. Sua mãe, mulher que ele descreve como "incrível e musical", sempre lhe dizia: "Meu filho, você tem que saber onde é que você entra. Você é negro. Tem que se cuidar".

"Ela dizia isso no afã de me proteger e me reprimia", diz. "O negro se cria assim, traz essa repressão no espírito. Já não tenho mais um décimo da timidez que tive, e a vida nos ensina que os lugares podem ser nossos. Mas esse instinto de preservação fica ainda um pouco no sangue."

BICHO SOLTO

No sítio que tem em Araras, cidade próxima a Petrópolis, no Rio de Janeiro, Djavan mantém um orquidário com mais de 500 espécimes. Foi na companhia delas que se escondeu no último ano e meio. O terreno abrange sete alqueires de mata atlântica, nos quais se espalham bromélias, plantas endêmicas e árvores centenárias.
"Não existe diversão melhor para mim do que ser botado dentro de uma mata", diz. "Admiro tudo: a textura das plantas, a coloração, a ramificação, a galhação das árvores. Adoro. Fico horas olhando, remexendo."

Como também gosta de arquitetura, coordenou ele mesmo a construção da sede do sítio. E projetou a reforma
radical da casa em que mora desde 1982, na Barra. As obras duraram um ano e dois meses e só agora, em maio, ele pôde voltar a viver nela.

Aos 61 anos, casado pela segunda vez, tem dois filhos em idade escolar com a segunda mulher, Rafaella, 36. Inácio, o mais novo, tem três anos e meio. Sophia já completou oito. O papai reconhece as diferenças entre o tratamento que vem dando aos pequenos de agora e o que deu a Flávia Virgínia, 37, Max Viana, 36, e João Viana, 32, filhos do primeiro casamento.

"Decidi ajudar Rafa a cuidar das crianças", conta. "Levo e trago da escola, acompanho nas festinhas, em casa de amiguinhos. Levo uma atividade de pai tal qual jamais tive na minha vida."

No resto do tempo, lê (está relendo Graciliano Ramos), assiste à televisão e devora três jornais diferentes. Nunca vai para a cama antes das duas da manhã, já que é nas madrugadas, com a criançada dormindo e os telefones desligados, que consegue melhor concentração para trabalhar.

Parou de fumar e de tomar café há 19 anos. Não come carne, exceto a de peixe, há 16. Ingere muita verdura, legumes, frutas. "Quero preservar a natureza, quero que as coisas sofram apenas o que têm de sofrer, não porque foram abusadas pelo homem", diz. "Mas há também a questão da saúde. Carne vermelha faz mal. Fica 72 horas no organismo, enquanto qualquer outra coisa leva no máximo 24 para ser digerida", prega.

SINA

Aquariano, Djavan acredita na relação entre as coisas deste mundo --a terra, a árvore, a água-- e os astros. Não que tenha desenvolvido grandes teorias a respeito disso, mas resume o assunto com uma frase: "Tenho fé que essa vida se inter-relaciona com outra vida".

Mais que isso, crê em reencarnação. Ganhou de presente de uma fã paulista um mapa astral. Leu ali que teve outras cinco vidas antes da atual. "Minha primeira encarnação foi na Grécia, a segunda na África, a terceira no Egito, a quarta no Peru, a quinta na Espanha e estou na sexta, esta aqui no Brasil. E vou voltar mais uma aqui para o Brasil", enumera. "São apenas curiosidades, mas descubro que essas coisas têm uma relação com a realidade. Na primeira vez em que estive na região de Andaluzia, em Sevilha, na Espanha, chorava o tempo todo. Senti uma emoção tão violenta que era como se estivesse voltando para um lugar."

Com repertório composto por canções de artistas como Caetano Veloso ("Oração ao Tempo"), Cartola ("Disfarça e Chora"), Gilberto Gil ("Palco"), Chico Buarque ("Valsa Brasileira") e Tom Jobim ("Brigas Nunca Mais"), "Ária" remete aos tempos em que Djavan era "crooner" e vivia de cantar músicas alheias --como fazem hoje com as canções dele milhares de músicos de "banquinho e violão pelos bares do Brasil. Djavan ocupou o sétimo lugar entre os maiores arrecadadores de direitos autorais no ano passado, segundo a lista oficial do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.

Logo que se mudou de Alagoas para o Rio, no começo dos anos 1970, passou cerca de quatro anos tocando e cantando em uma boate. Já tinha canções próprias e estava louco para apresentá-las, mas ninguém estava ali para saber de novidade. Agora que tem tantas --e muita gente que quer ouvi-las--, faz o caminho inverso. "Em um disco como este, acabei falando tanto de mim quanto se tivesse composto todas as canções.

Fui deixando que corressem ali reminiscências de infância, de adolescência", diz. "Agora, vou ficar pelo menos um ano à mostra com ele. Depois me recolho de novo. Preciso desse tempo para voltar a ter vontade de ser artista. Tem gente que quer viver essa sensação de glamour o tempo todo. Eu não sou assim."

 

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