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29/09/2010 - 18h16

Aeroportos

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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Quase nunca viajo de avião, mas adoro aeroportos. Sinto uma alegria desgovernada, uma euforia infantil, quando entro num desses lugares mágicos. Afinal, é ali que o homem pode voar. Pouco me importa que cem anos me separam dos contemporâneos boquiabertos de Santos Dumont. Pra mim, um avião continua sendo uma invenção fantástica. Mais que isso: um completo absurdo. Por sua vez, aeroportos são as salas de espera do absurdo. Vale dizer: do maravilhoso. Daí minha incapacidade de lhes ser indiferente. (Melhor recomeçar a crônica? Está exaltada demais pra uma manhã de domingo? Não, é isso mesmo. Vamos em frente. Ânimo, leitor!)

Dentre a meia dúzia de aeroportos que conheço, o de Congonhas é o meu preferido. Pequeno, anacrônico, de fácil acesso, é o Pacaembu dos aeroportos (Guarulhos é o Morumbi: monumental e frio). Sempre que posso vou até lá. Não pra pegar avião, mas a fim de observar o movimento. Chego dez, onze horas; saio duas, três da tarde. Compro os jornais do Rio e de São Paulo, descolo um café ou uma cerveja e sento numa das mesinhas simpáticas que ficam ao lado daquela parede de vidro abaulada, diante das escadas rolantes que levam às salas de embarque. Entre uma e outra matéria, lidas com um prazer que não tenho no dia a dia (no aeroporto mesmo as notícias mais banais se tornam interessantes), levanto os olhos pra espiar o que acontece.

Um executivo trabalha em seu laptop; um punk bufa, a caixa da guitarra entre as pernas e a cara estuprada pela ressaca; uma mãe de trinta anos com as costas à mostra e salto alto corre pra alcançar o filhinho fujão; um grupo de adolescentes morre de tédio; dois funcionários do restaurante japonês riem, depois praguejam; uma mulher lancinantemente linda, por quem eu desejaria ter me apaixonado, come um x-salada lutando pra não sujar a camiseta com catchup; um piloto (um piloto de verdade!) passa enxugando com o punho a testa suada.

Em breve a maioria deles estará voando. Inevitável pensar que o avião pode cair. De repente, acredito que estes são os últimos minutos do punk (talvez amigo do meu amigo Fralda), dos adolescentes (que precisam sobreviver pelo menos até descobrir que a vida não é tão chata quanto parece) e da irmã gêmea da Nastassja Kinski. Então esses desconhecidos me comovem. Lembro de pessoas de que gosto mas não vejo muito, ligo pra elas a cobrar do meu celular sem crédito e digo besteiras.

Depois relaxo, termino de ler os jornais, me dirijo ao balcão do japonês e peço outra cerveja. A essa altura Nastassja Kinski já foi embora. Saboreio alguns sushis conversando com o sushiman, que confessa não achar tanta graça em trabalhar no aeroporto -é um trabalho como outro qualquer. Irritante. Normal. Viro a cabeça pra trás no momento em que um avião atravessa uma nuvem. De fato, nada mais normal que um avião. Nada mais normal do que uma nuvem. E nada mais irritante do que ver a Nastassja Kinski comer um x-salada sem se lambuzar.

 

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