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03/11/2010 - 19h15

Detritos jogados nas ruas entopem bueiros e bocas de lobo em São Paulo

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GIBA BERGAMIM JR.
DE SÃO PAULO

Tarde de terça-feira, dia 19, rua Honduras, Jardim América, zona oeste da capital. Com golpes de picareta, operários arrancaram um enorme bloco de concreto que entupia uma boca de lobo. Perto dali, na praça Charles Müller, no Pacaembu, pelo menos seis facas foram retiradas de dois bueiros, algumas semanas antes. No dia 22, de uma galeria no Ipiranga, na zona sul da cidade, calças, blusas e até um cobertor foram içados de uma das valas de concreto.

Às vésperas da temporada em que São Paulo costuma ser castigada pelas enchentes, o subterrâneo da cidade fica repleto de lixo. De janeiro até agora, uma quantidade de sujeira suficiente para encher 4.652 caminhões já foi removida dos bueiros e bocas de lobo de São Paulo. O impacto dessa sujeirada vem à tona após a chuva. Cenas comuns nessa época, como casas e carros debaixo d'água, muitas vezes começam com um prosaico bueiro entupido que perde a função de escoadouro.

Mas, ao contrário do rio que sobe, cuja solução depende de obras grandiosas do poder público, o entupimento do bueiro está relacionado a um fator simples: você. É o morador da cidade, que deixa seu rastro de lixo, o principal responsável por essa parcela na conta das enchentes.

De janeiro até a última quarta-feira, trabalhadores da limpeza urbana da prefeitura retiraram 27.909 m3 de sujeira dos bueiros, bocas de lobo e galerias --há 400 mil deles na cidade. É a maior prova de que o destino de boa parte do lixo continua sendo as ruas.

Para saber na prática o quanto aquela bituca de cigarro traz em transtornos à cidade, a sãopaulo acompanhou, durante dois dias, o trabalho dos "bueiristas", como são chamados os profissionais que limpam o subsolo.

Ao final de um dia, o caminhão que armazenou toda a sujeira retirada de 16 bueiros em quatro ruas estava quase cheio --algo em torno de três toneladas de terra, garrafas pet, embalagens e pedaços de concreto. Outros itens improváveis, como tapetes de carro, facões e roupas também foram encontrados.

Ainda na rota do lixo, a reportagem percorreu oito ruas das zonas oeste e central para observar se havia sujeira nos bueiros. Em quatro endereços, que alagaram no ano passado, havia detritos.

Tanto bairros de periferia como áreas nobres sofrem com a imundície. O concreto que obstruía a boca de lobo na rua Honduras veio de uma obra próxima --a água com cimento que vazou de uma betoneira caiu na sarjeta. Seu fim foi o bueiro mais próximo, e lá dentro a calda cinzenta endureceu, formando um bloco de quase 1 m2. Segundo o fiscal de limpeza Newton Carlos da Silva, 58, esse tipo de "achado" é comum. "Se não limpar, transborda. O ideal é fazer o serviço a cada 25 dias", afirma. Para a manutenção do sistema de drenagem, cuja limpeza é o serviço principal, a prefeitura gasta R$ 110 milhões num ano.

CAUSA E EFEITO

A ocupação das áreas de várzeas, o que tornou a cidade mais impermeável, e a mudança dos cursos dos rios ao longo dos anos são fatores determinantes quando o assunto é enchente. Mas está claro para especialistas que a falta de educação dos moradores é responsável pelos alagamentos. Se São Paulo já foi prejudicada pela substituição de várzeas por ruas e avenidas da década de 1930 para cá, a falta de consciência ambiental só aumenta o problema.

"A cidade se impermeabiliza, a vegetação é removida, escavações de terreno ficam expostas às chuvas. E os resíduos vão parar na boca de lobo até chegar aos córregos canalizados e grandes rios", explica o engenheiro José Rodolfo Scarati, professor da Escola Politécnica da USP. Para Aluísio Canholi, autor do plano de macrodrenagem do Estado, nada motiva mais as enchentes do que o fato de a maior parte do sistema viário ter sido feita ao longo de rios canalizados. "No entanto, uma boca de lobo entupida paralisa uma avenida, para o trânsito", diz Canholi.

PISCINÕES COM ROLHA

O lixo produzido pelos paulistanos não entope só os bueiros, mas também os reservatórios criados exatamente para evitar enchentes. Qualquer papel jogado na rua segue um caminho cujo destino final será os grandes rios da cidade, Tietê ou Pinheiros. Num dia de chuva forte, mesmo se o lixo passar pelos bueiros sem entupi-los, seguirá pelos córregos até cair nos grandes rios ou piscinões, que absorvem a água em excesso. Ali, o acúmulo de detritos se transforma numa enorme rolha. Entupido, o piscinão também pode transbordar.

"Muitas vezes, é tanta sujeira que vem do rio que, com a pressão, o lixo entorta a grade de proteção do piscinão e entope o sistema de bombeamento. A população tem de ter consciência", diz Amauri Luiz Pastorello, superintendente do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

No começo deste ano, a prefeitura criou um sistema de acompanhamento da limpeza de bueiros pela internet (www.prefeitura.sp.gov.br, pelo ícone "zelando pela cidade"). Mas não é tão fácil saber quando o serviço será feito. De cinco endereços consultados pela reportagem, em três a informação era "não há registros". A prefeitura diz que a quantidade de acessos causa o problema.

O DAEE diz que, para evitar transtornos como os do verão de 2010 --quando a cidade ganhou 68 novos pontos de alagamento e o Tietê transbordou--, investiu R$ 67 milhões no desassoreamento de uma área de um milhão de m3 na calha do rio. Na semana passada, foi inaugurado o piscinão Anhanguera 2, entre a capital e Osasco. Em parceria com a prefeitura, um dique e um piscinão devem ser entregues até o fim do ano no Jardim Pantanal (zona leste), que ficou alagado por quase três meses entre 2009 e 2010.

Segundo a prefeitura, há hoje 26 obras no sistema de drenagem, e a promessa é de que 22 delas sejam concluídas até o fim deste ano. Na zona sul, foi feita a substituição de um dispositivo para garantir o escoamento da água do lago do parque da Aclimação. A intenção é evitar episódios como o de 2009, quando o reservatório esvaziou após um defeito.

Aos moradores da cidade, não adianta só rezar por menos chuvas. Da próxima vez que arremessar aquela bituca na sarjeta, lembre-se de que, quando a tempestade vier, o cigarro dispensado vai voltar, junto com toneladas de detritos, com a força de um tsunami urbano capaz de destruir o que encontrar pela frente.

POR QUE SÃO PAULO FICA EMBAIXO D'ÁGUA

TERRA IMPERMEÁVEL
Áreas verdes foram substituídas por concreto. Com isso, a água se acumula na superfície

BUEIROS SUJOS
Basta uma boca de lobo entupida para alagar uma rua

CIDADE SOBRE RIOS
Rios foram aterrados para dar lugar a ruas e avenidas. Sem suportar a água da chuva, eles transbordam e ocorre o refluxo, quando a água volta pelos bueiros

*

O CAMINHO DE UMA BITUCA

1. Quando o lixo não entala nos bueiros, ele deve fazer o caminho até os grandes rios

2. O cigarro, que demora dois anos para se decompor, segue por uma galeria e cai em algum córrego canalizado...

3....e termina o percurso num dos grandes rios da cidade...

4....ou em algum dos piscinões construídos para reter a água

*

NA MARGINAL
Desde a década de 1930, rios importantes como o Tietê perderam as curvas e foram canalizados. Curtos, não suportam as chuvas e transbordam. Como o canal do Tietê é aberto, ao transbordar, a água invade a marginal, especialmente nos pontos mais baixos --pontes das Bandeiras, Anhanguera e Casa Verde

SOLUÇÕES
Para devolver a capacidade de vazão que foi diminuída com as canalizações dos rios, só mesmo construindo piscinões, que armazenam a água das tempestades. Há, na Grande São Paulo, 50 reservatórios. Estima-se que o ideal sejam 100. A limpeza de galerias, bueiros e bocas de lobo é fundamental

*

A AMEAÇA DO LIXO

Este é o PIB, o produto interno dos bueiros, que faz a cidade temer as chuvas de verão

1. garrafas e embalagens
Rua Honduras, esquina com a avenida 9 de julho, nos Jardins
Área nobre da cidade, tinha bueiros cheios de garrafas, embalagens de chocolate e muita terra. Um deles estava obstruído pelo cimento que saiu de uma obra

2. terra e folhas
Praça Horácio Sabino, em Pinheiros
O tipo de sujeira nos bueiros muda muito quando está perto de uma área arborizada. Nesta praça, havia muitas folhas, terra e pedras, que não causam grandes estragos

3. faixa de isolamento e até tapete
Alameda Gabriel Monteiro da Silva com rua Ibiapinópolis, Jardim Paulistano
Não foram só latinhas de cerveja. Numa das bocas de lobo havia um toco de madeira, um tapete de borracha e faixas de isolamento daquelas usadas pela polícia

*

TEM DE TUDO

Veja o que foi achado no subterrâneo da cidade

- A jaqueta seria útil na campanha do agasalho, mas estava no bueiro
- Garrafas pet são os clássicos das bocas de lobo. São vistas aos montes
- Facas saem de barracas em feiras e vão para o bueiro. Colheres são raras
- O cimento escorre com a água das obras e vira um bloco de concreto
- Embalagens de marmita são comuns em áreas com moradores de rua

 

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