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01/01/2011 - 12h00

Cláudia Wonder era homem, mulher e androide andrógino

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EDUARDO LOGULLO
DE SÃO PAULO

Cláudia Wonder morreu em 26 de novembro. Quem foi Cláudia Wonder? Muitas respostas para um único corpo. Performer, atriz, cantora, escritora, militante das causas GLBT, compositora, homem, mulher, "trans". Nasceu Marco Antônio Abrão. Com 16 anos, contou aos pais que mudaria de gênero, número e grau. De gênero, por começar a se travestir. De número, por não aceitar o papel que o corpo masculino a obrigaria a seguir. E de grau porque do primeiro boá de plumas a gente nunca esquece. A alienígena Cláudia invadiu o corpo de Marco Antônio até desenvolver um ser híbrido, raro, inteligente e politizado. "Fui homem mas quero ser mulher. Ou você me aceita ou você me aceita."

Moises Pazianotto/Divulgação
Claudia Wonder, que morreu em 26 de novembro, fez história na noite paulistana e circulou entre os intelectuais da cidade
Claudia Wonder, que morreu em 26 de novembro, fez história na noite paulistana e circulou entre os intelectuais da cidade

A trajetória dela passa longe dos clichês do travestismo. No lugar de dublagens e bobagens, desenvolveu um notável senso da diferença e da relatividade dos papéis sexuais. Preferiu montagens experimentais e cenas performáticas. Trabalhou com o Teatro Oficina, fez nu frontal no cinema, montou Jean Genet e Oswald de Andrade, escreveu livros, circulou no Rio com Cazuza, filmou há pouco com Helena Ignez, cantou Lou Reed, pulou do rock para o eletrônico, discutiu o HIV no ápice da Aids, foi musa do underground no Madame Satã. Conseguia anular o caricato
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E mais: estudou Ciências Sociais, era interlocutora de Zé Celso, Erika Palomino, Mirian Muniz, Barbara Gancia, Darcy Penteado, Roberto Piva, Jorge Mautner e, fato incrível, teve uma filha que jamais conheceu. Cláudia Wonder também participou da primeira coletânea de electro nacional, "Body Rapture" -prenúncio do seu álbum "Funky Disco Fashion".

O premiado documentário "Meu Amigo Cláudia", de Dácio Pinheiro, hoje reconta a trajetória de Cláudia Wonder para plateias nacionais e internacionais. O título vem de um texto de Caio Fernando Abreu que ressaltava: "Maravilha, prodígio, espanto. Cláudia é uma das pessoas mais dignas que conheço".

No documentário, muitas passagens revelam uma artista solidária, envolvida em causas de cidadania, diversidade sexual e representatividade política das minorias. As exibições eram aplaudidas. O trabalho parecia antecipar a sua despedida. Zerar a vida. Fechar o ciclo. Abrir caminhos.

Cláudia Wonder lia Jung, Nietzsche, Rimbaud, Hilda Hilst. O crítico Alberto Guzik (1944-2010) publicou algo definitivo sobre ela: "Um travesti que emprega o poder transgressivo de sua personificação, com acuidade e extraordinária força cênica". Nos anos 1980, participou da sessão de fotos do segundo disco da Legião Urbana, depois de encantar, com seu look de androide-andrógino new-wave, Renato Russo e o fotógrafo Chico Aragão. Histórias mirabolantes não faltam. Como descobrir que era síndica de seu elegante prédio nos Jardins.

Cláudia Wonder desaparece num período em que a diversidade sexual no Brasil volta a ser atacada por injunções conservadoras -como o manifesto pró-homofobia de uma instituição universitária paulistana. Ações de combate a atitudes arcaicas devem (e precisam) continuar. Multiplicar-se. Cláudia, a diva das rupturas, permanecerá um marco, um enigma e um ponto de exclamação para o surgimento de novas mentalidades.

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