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14/01/2011 - 16h17

Cristina Kirchner está mais popular do que nunca

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RAUL JUSTE LORES
DE BUENOS AIRES

"A presidente precisa saber as cores das cortinas e das paredes das salas aonde ela vai discursar ou ser fotografada". Os diplomatas argentinos em Washington receberam a ordem antes de uma das primeiras viagens de Cristina Fernández de Kirchner. O reconhecimento do terreno permite à presidente escolher que modelitos combinam ou não com o décor.

Marcos Brindicci/Reuters
Alvo de fofocas, a presidente da Argentina Cristina Kirchner está mais popular do que nunca após a morte do marido
Alvo de fofocas, a presidente da Argentina Cristina Kirchner está mais popular do que nunca após a morte do marido

O wikileak fashion sobre a legendária vaidade de Cristina, 57, 1,57m elevado por um salto "stiletto" de 10cm, deleitava seus múltiplos detratores nos cafés portenhos. Mas, desde o último 27 de outubro, quando perdeu seu companheiro de 35 anos de casamento e militância, o ex-presidente Néstor Kirchner, Cristina adotou a sobriedade do luto e conquistou uma empatia inédita com os argentinos.

De presidente com esquálidos 23% de popularidade há um ano, sua aprovação saltou para 59% no mês passado. Cristina passou a marcar reuniões com ministros às 8 da manhã e dobrou o número de compromissos em sua agenda oficial pós-viuvez.

As histórias sobre botox, rímel e apliques, ataques histéricos com assessores e o autoritarismo da dupla que comandou a Argentina por sete anos passaram a ser sussurradas discretamente --e há quem acredite que Cristina se reeleja em 2011, apesar da inflação de 30% ao ano e da dúvida sobre quem, de fato, mandava na Casa Rosada, Néstor ou ela- pergunta feita pela diplomacia americana nos Wikileaks.

Até as fofocas sobre Cristina ganharam um tom pungente. Como a crise de choro e gritos a bordo do avião presidencial de Florencia, 19, filha da presidente, levada à cúpula do G20, em Seul. "Mãe, não quero que você se candidate outra vez. A política levou meu pai e vai levar você também". A jovem voltou a Nova York, onde estuda cinema, e o irmão, Máximo, 33, continua na Patagônia, onde administra os negócios da família. Sozinha, Cristina parece mais mergulhada na política que nunca.

No restrito grupo de mulheres que chegaram à chefia de Estados e de governos, Cristina pertence a um clube ainda mais exíguo: a das que não sacrificaram a vaidade feminina em troca da imagem gerencial dada por terninhos pesadões.

A argentina não pertence à linhagem de Angela Merkel, Michelle Bachelet e, vá lá, Dilma Rousseff. "Me maquio desde os 14 anos, vocês jamais me verão desarrumada", confirmou no início de mandato. No dia 1º de janeiro, se vier à posse da colega brasileira, o encontro das duas mulheres mais poderosas da região pode render uma foto tão esperada na América Latina quanto a de Michelle Obama e Carla Bruni no hemisfério norte.

EVITA GUERREIRA

Cristina tem os genes políticos de Eva Perón, a icônica mãe dos descamisados que fazia distribuição de brinquedos e mantimentos aos mais pobres vestindo modelitos Dior. A presidente nasceu em fevereiro de 1953, sete meses após a morte de Evita, declarada postumamente "líder espiritual da Nação".

Ela admite a inspiração, mas despista: "A Evita que eu mais admiro é a do coque, com o punho em riste", descreve. "A Evita do conto de fadas, com os vestidos de luxo no Teatro Colón, é a da minha mãe."

Ninguém duvida de seu lado combativo. Em três anos na Casa Rosada, brigou com fazendeiros, banqueiros, grandes meios de comunicação, com a Igreja e boa parte do establishment político, incluídos os barões do seu partido peronista.

"Sua formação vem das assembléias universitárias. Cristina sempre preferiu vencer a convencer. Sua retórica fascina até adversários", diz Carlos Pagni, o colunista político mais respeitado do país, do jornal La Nación.

Ela praticamente não dá entrevistas a jornalistas argentinos e estrangeiros, nem coletivas, preferindo pronunciamentos em cadeias de rádio e televisão. Entrou em confronto violento com os principais meios de comunicação do país e patrocina publicações pró-governo que chegam a comparar Néstor a Churchill.

LOBBY DE DIA

Na capital argentina, é impossível escapar ileso à atmosfera política. Em apenas quatro bairros, concentram-se as elites política, econômica e cultural da Argentina, algo como se Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro se concentrassem entre os paulistanos Jardins e Pinheiros. Deputados namoram atrizes, diplomatas linguarudos batem cartão em cafés e empresários são vistos fazendo lobby à luz do dia.

"Cristina é uma mulher riquíssima, mas que tem poucos amigos e vive em um ambiente que não domina, que é Buenos Aires", diz Sylvina Walger, autora de uma biografia não-oficial em que a presidente é retratada como uma megera.

Apaixonados por política, os argentinos nunca terão uma opinião moderada e imparcial sobre a performance da peronista. "É uma mulher forte, autêntica, que jamais quer parecer frágil em público", diz Olga Wornat, autora da biografia oficial "Rainha Cristina" e claro, defensora ferrenha da mesma. "É um pouco histérica, como qualquer líder político, mas o machismo local se horroriza por sua vaidade ou porque gosta de fazer compras quando viaja ao exterior".

Seus admiradores lembram que Cristina manteve o fim da imunidade dos militares anistiados da última ditadura e tentou aumentar os impostos das exportações de grãos, contra os "latifundiários".

Cristina também foi a primeira líder da América Latina a aprovar o casamento gay. Mas só depois de uma viagem que já tinha agendada ao Vaticano. "Não estraguem a minha viagem para ver o papa!", reclamou a um político que pedia celeridade ao projeto de lei.

Em seus três anos no poder, a economia cresceu a taxas sempre superiores a 6%. A se acreditar nas estatísticas oficiais, o desemprego, de 7,6%, é o menor da década.
Mas a oposição diz que a Argentina está desperdiçando uma conjuntura econômica única, de manufaturas baratas e produtos agrícolas com preços nas alturas, ao manter instituições frágeis que dependem do caudilho da vez.

Nos últimos anos, contratos têm sido rasgados de acordo com o humor presidencial, negócios são entregues a empresários próximos à família Kirchner e uma nova onda de estatizações desestimula investimentos em um país que é pária dos mercados desde o calote de 2001.

Sindicalistas acusados de enriquecimento ilícito e de usar táticas de intimidação a adversários fazem parte do círculo próximo da presidente. A percepção de insegurança no país aumentou muito (a presidente criou o Ministério da Segurança Pública no início do mês), e pela primeira vez os estudantes da Argentina ficaram atrás do Brasil nas notas de matemática, ciências e leitura do exame internacional Pisa. O Brasil está em 53º lugar e a Argentina em 58º, ambos atrás de Chile, México, Colômbia e Uruguai. Um vexame para a terra de Borges e Cortázar, onde o analfabetismo em 1930 já era menor que o do Brasil de hoje. Mas o poder fez bem às finanças da família Kirchner. O patrimônio declarado do casal cresceu sete vezes desde que chegou à presidência em 2003, alcançando US$ 14 milhões.

MUDANÇA BRUSCA

Antes da morte de Néstor, Cristina parecia encurralada, e não só pela popularidade reduzida. Em 2008, a presidente rompeu com o vice-presidente, Julio Cobos. Chegou a cancelar em cima da hora uma viagem à China porque temia um golpe do vice.

Nas últimas intervenções médicas de Néstor, levava água mineral de casa. "Tenho medo que me envenenem", confessou a uma amiga.

Vários governadores peronistas já ensaiavam candidaturas para 2011 e pediam para Cristina não se apresentar à reeleição diante de uma derrota inevitável.

Com a morte de Néstor, ela deu o troco. O vice foi impedido de ir ao velório e os líderes da oposição não puderam se aproximar do caixão.

Em Buenos Aires ainda se sente o luto produzido pela militância. Há grafites dizendo "Néstor vive" e capas de revista com a viúva chorando.

Hoje, o serpentário de seu próprio partido peronista parece mais calmo diante da possibilidade de mais quatro anos no poder, e Cristina voltou a ser líder natural.

Mudanças bruscas são comuns à vida da presidente. Aos 17 anos, ela estudava em colégio marista, filha de classe média baixa da periferia de La Plata, e namorava um jogador de rugby da pequena burguesia local. Aos 22, já estava casada com o esquerdista Néstor e era militante da Juventude Peronista (o casamento foi consumado após seis meses de namoro, só no civil, sem igreja e sem fotógrafo e ao som da Marcha Peronista).

Com o golpe de Estado que levou os militares ao poder no país, o jovem casal de oposição se mudou para Rio Gallegos, capital da Província de Santa Cruz, na Patagônia. Em 1977, nascia o primeiro filho do casal, Máximo, e a família começava a fazer fortuna, em plena ditadura, com um escritório de advocacia na região que concentra as maiores reservas de petróleo do país.

Em 1990, Néstor se tornaria governador de Santa Cruz, cargo que ocupou até 2003, quando concorreu e chegou à Presidência. Cristina se tornaria senadora em 1997 e seria a metade articulada e falante do casal em Buenos Aires.

Daí à Casa Rosada a história é conhecida. Cristina está à vontade no palácio. No ano passado, quando caminhava com a rainha Sofía, da Espanha, um repórter do CQC espanhol tentou chamar a atenção da majestade. "Rainha, rainha", gritou. Ao que a argentina reagiu: "Qual das duas?"

 

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