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25/02/2011 - 17h01

Repórter vai a retiro que desintoxica corpo e mente

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TETÉ RIBEIRO
DE UBERLÂNDIA

"É como levar o carro pra revisão", explica dr. Ruguê, o médico ayurvédico e uma das principais autoridades do Brasil na medicina tradicional indiana, condutor dessa experiência.

"Nosso corpo é uma máquina metabólica que alimentamos com comidas, bebidas, mas também pensamentos, imagens, emoções. E eliminamos as sobras", completa. Mas nem sempre todas as sobras. Daí a tal "revisão" ter a eliminação como estrela. E eliminação sem duplo sentido, é cocô e vômito mesmo. Mas tudo tão limpinho e terapêutico quanto possível, e feito na privacidade de seu quarto no alojamento.

O processo dura uma semana, e o meu acontece no retiro construído por dr. Ruguê a uma hora de Uberlândia. É um ashram, como o do livro "Comer, Rezar, Amar". Mas em vez de meditação, massagens, mapa astral, sauna, conversas em volta da fogueira. E sem TV, telefone, internet, jornal, revista. A ideia é pensar só em você, sem distrações.

Mas vamos por partes. Na teoria do ayurveda, sistema de medicina indiana criada há mais de 6.000 anos, é assim: cada ser humano é uma combinação única de cinco elementos: água, ar, terra, fogo e éter. E esses elementos formam os biotipos energéticos, chamados "doshas". Existem três (veja abaixo): os Vata, cujo elemento principal é o ar, Pitta, que tem a ver com fogo, e Kapha, regido por terra e água.

Todo mundo tem os três doshas, mas um ou dois deles são dominantes. Nenhum é melhor que o outro, o que se quer é que haja equilíbrio, harmonia, sem agravar nem negligenciar as necessidades de cada um.

Uma causa de desequilíbrio são as toxinas, aí pense em poluição, pesticidas e também as que o nosso organismo produz, como resultado das funções vitais ou mesmo pensamentos ou sentimentos ruins. A maneira ayurvédica de se livrar das toxinas e botar o organismo para funcionar direito é um conjunto de procedimentos e dieta chamado panchakarma. É isso que eu fui fazer.

Antes

Assim que você se inscreve e paga 50% do preço (o total é R$ 1.950), recebe em casa um kit preparatório, com uma explicação do panchakarma escrita e um pote de ghi. Ghi é uma manteiga sem sal clarificada, evaporada e então coada para que a gordura boa seja separada da ruim. Tem aparência de manteiga de garrafa.

Esse é o desjejum na semana anterior à viagem ao ashram. Assim que acordar, a futura desintoxicada deve deixar um pouco de ghi em banho-maria e engolir de colherada.

Dureza, mas dá pra aguentar. Tem gosto e cheiro de manteiga e consistência de azeite. O drama é que a quantidade aumenta durante a semana, e o que era simples na segunda, uma colher de chá, vira um suplício lá pra quarta, quinta, quando chega a seis colheres.

Alexandre Schneider
Dr. Ruguê, médico ayurvédico condutor do panchakarma, tratamentos desintoxicantes da medicina indiana
Dr. Ruguê, médico ayurvédico condutor do panchakarma, tratamentos desintoxicantes da medicina indiana

Durante

Chegando lá o regime é mais estrito. Meu grupo só tinha mulheres, éramos 14. Só eu de São Paulo. A maioria vinha de Brasília, Minas e Goiânia, mas tinha gente de Cuiabá e Joinville. As idades variavam de 21 a 76 anos.

Chegamos domingo à noite e somos recebidas com um copinho de leite morno misturado com 50 ml de ghi e um pouco de açúcar mascavo. O jantar é um caldo ralo. Vamos dormir pouco depois das 22h, em suítes bem simples em um alojamento ainda sem pintura.

Na manhã seguinte, acordo com sinos badalando às seis da manhã. O primeiro encontro é às 6h15, uma espécie de meditação coletiva. Em seguida, adivinha? 100 ml de ghi, leite morno e açúcar mascavo. A combinação de pouca comida com muito ghi provoca enjôos e fraqueza. O grupo todo sente as consequências. Algumas ficam deprimidas, outras letárgicas, outras raivosas.

Na parte da tarde, cada uma recebe um tratamento individual, de acordo com suas queixas. O elemento comum é o óleo, presente em todos os procedimentos, como a minha primeira e divina massagem a quatro mãos. Em seguida uma sauna que parece um ofurô com tampa e um buraco no meio, para a cabeça ficar de fora. Delícia.

A última atividade do dia é separar o grupo. Uma parte vai ter diarreias terapêuticas, a outra vai pro vômito. Fico na primeira turma, a mais populosa, são dez contra quatro.

Na manhã seguinte, dia D da desintoxicação, minha turma recebe um copo de óleo de rícino misturado com um chá de ervas. Engolimos de uma vez. Depois recebemos dois comprimidinhos laxantes, que devem começar a fazer efeito em duas horas.

A turma do vômito teve que tirar esmalte e cortar as unhas (caso precisem induzir com o dedo na garganta), prender o cabelo e tirar brincos compridos e colares, para não sujar. E ficam na clínica, para contar com a ajuda das terapeutas.

Nós, da diarreia, ganhamos uma jarra de chá de gengibre com limão, sal e açúcar para não desidratar. Logo no meu primeiro copo tenho um enjôo inabalável e passo por uma série de cinco vômitos. Corro até uma terapeuta --a essa altura os assuntos escatológicos viraram rotina-- e ela me deixa calma, quase me dá os parabéns. Fiz dois tratamentos em um, afinal de contas. Fora isso, o dia corre bem. Todo aquele óleo ingerido faz sentido, e por favor use sua imaginação para entender o significado dessa frase, que essa é uma revista de família.

Lá pelas 15h as pessoas começam a ressurgir de seus quartos. O esforço e a agitação interna fazem com que todas cochilem um pouco, e acordamos morrendo de fome.

Passada meia hora da última incursão ao toalete, você pode tomar chá com torrada. Devoramos, desesperadas.

Depois

A operação logística no ashram é complexa. Tem quase uma terapeuta por paciente, além de quatro cozinheiras. Margaret, irmã do dr. Ruguê, é vice-presidente da fundação Sri Vajera, nome formal do ashram. E é responsável por desde a compra dos mantimentos até as aulas de ioga da manhã.

Qualquer problema que aconteça, a indicação é falar primeiro com ela, que além de ótima contadora de histórias sabe que algumas regras são melhores quando quebradas. Um dia, por exemplo, tenho dor de cabeça. Ela surrupia da cozinha uma xícara de café, o primeiro em muitos dias, que me cura na hora.

Nos dias seguintes à grande expulsão, tudo fica mais ameno. O sino continua batendo às seis, mas agora temos comida de verdade. Tudo vegetariano, sem frutas nem verduras cruas. Um prato típico tem quatro porções, uma de arroz, uma de lentilha, uma verdura e um legume cozidos. Tudo muito saboroso.

Cada tarde tem pelo menos um tratamento incrível, como o "shirodhara", meu predileto, em que um fluxo contínuo de óleo morno é despejado no centro da testa, e provoca um relaxamento profundo e imediato, um soninho de quem não tem uma preocupação na vida.

Acontecem mais duas incursões aos fiofós, em que é colocado um pouco de óleo para terminar de tirar o que por acaso não tenha ido embora e hidratar a flora intestinal.
E aí tem as consultas individuais com o dr. Ruguê, que faz muitas perguntas, examina os pulsos, a língua e faz um mapa astral védico. É um pouco diferente do tradicional, a leitura dos astros se dá em uma posição diferente, 23 graus a menos.

Tem gente que muda de signo ou de ascendente. Eu continuo capricórnio e sagitário, e tenho muitos elementos de ar e fogo, mas me falta terra --coincide com a classificação dos meus "doshas" dominantes, Vata e Pitta. Dr. Ruguê explica: "Você tem ideias criativas e muita força de trabalho, mas lhe falta o pé no chão."

A pele, no entanto, acorda melhor a cada dia. Menos marcas, menos olheiras, olhos abertos. Nenhuma dorzinha, nenhum cansaço, nenhuma preguiça. A impressão é que não há nada impossível, nenhum desafio ousado demais, nenhuma tarefa que eu não possa realizar. Dá vontade de voltar para a vida e a impressão de que tudo vai ser mais fácil daqui para frente. Nem férias com o pé na areia, nem semana de teatro e compras em Nova York, nem romance em Paris fazem tão bem.

Sei que me falta o pé no chão, mas com toda essa disposição para voar, talvez eu nem precise mais dele.

*

Quem é você?

Segundo a tradição ayurvédica, as pessoas têm três biotipos energéticos, os chamados "doshas". Em geral, um ou dois deles são dominantes (os bi-doshas, com dois elementos dominantes, são o tipo mais comum).

Vata
Elemento dominante: ar
Magro, de ossos finos
Pele seca
Entusiasma-se com facilidade
Reage ao mundo pelo tato e pela audição
Tendem a manter hábitos irregulares e pular refeições
Tendência à preocupação e a ansiedade

Pitta
Elemento dominante: fogo
Constituição mediana, boa musculatura
Sente muito calor e irrita-se com facilidade
Inteligente, bom de argumento
Pele clara, sardenta
Odeia pular refeições, sente muita fome e sede
Reage ao mundo visualmente

Kapha
Elementos dominantes: terra e água
Constituição forte, muita resistência
Calmo, conciliador, respeitoso
Demora muito para tomar decisões
Pele fria, macia, geralmente oleosa
Tendência a melancolia, tristeza, obesidade
Sentidos aguçados: olfato e paladar

 

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