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16/03/2011 - 18h38

Paulistanos dizem como lidam com perdas causadas por enchentes

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LAILA ABOU MAHMOUD
DE SÃO PAULO

"Nunca choveu tanto", pensa todo ano o paulistano. Contudo, a cidade, que já nasceu no entrerrios, segue com uma estrutura para escoamento subdimensionada. A expansão, feita sem planejamento, agrava a erosão e a impermeabilização do solo, dificulta o escoamento dos rios e gera ainda mais enchentes.

"Nós não precisamos do aquecimento global para morrermos afogados na cidade", diz Álvaro Rodrigues dos Santos, consultor em geologia e geotecnia e ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo).

As chuvas que vêm castigando a cidade desde dezembro fizeram moradores retomarem suas maratonas antienchentes, que incluem subir comportas, levantar móveis, mudar para o andar de cima da casa e fugir com carros para regiões elevadas.

A sãopaulo visitou paulistanos que vivem esse pesadelo há décadas.

Um arsenal antienchentes na zona oeste

Como em um desenho animado no qual o personagem tapa um vazamento e, na sequência, jorra água de outro furo: é assim que Ideli Del Tedesco, 62, moradora da rua José Aires Neto, no Jardim Bonfiglioli, zona oeste, diz se sentir. São 28 anos no casarão com o marido, Irineu Del Tedesco Jr., 62, convivendo com sucessivas enchentes --e fazendo obras para vencê-las.

Entre os prejuízos, estão o jardim destruído, infiltração no teto, sistema elétrico prejudicado e vidro da sala cedendo. "Somos idosos. Temos dificuldade de repor tudo", diz ela.

No álbum de família, a água está presente. Em 1999, na formatura de um dos filhos, o nível chegou a 70 cm. O smoking pendurado na cadeira fez companhia aos eletrodomésticos boiando e foi salvo por um secador de cabelos quando a energia voltou.

Neste ano, no dia 15 de janeiro, ao sinal dos relâmpagos, Ideli enrolou os tapetes orientais e subiu-os. Com febre, o marido levou os dois carros para uma área elevada.

Ao projeto inicial feito por um arquiteto para a casa de 300 m2, somam-se hoje comportas e muros elevados e reforçados. A piscina de fibra de vidro foi trocada por uma de vinil, mais fácil de substituir em caso de perda --o que já aconteceu.

"Cheguei ao limite. Vou pedir ao menos isenção do IPTU", diz Ideli. O último veio no valor de R$ 4.300.

Rodrigo Paiva/Folhapress
Roberta de Oliveira, 38, trabalha no Projeto Aprendiz há seis anos e relata situação dos moradores da Vila Madalena
Roberta de Oliveira, 38, trabalha no Projeto Aprendiz há seis anos e relata situação dos moradores da Vila Madalena

Perdas e danos na Vila Madalena

São cinco chuvas por verão e sempre alguém do Projeto Aprendiz perde algo --um compromisso, um carro. A organização, com ações nas áreas de educação, comunicação e arte, está na Vila Madalena, na zona oeste da cidade, há 13 anos.

Roberta de Oliveira, 38, trabalha lá há seis e relata que a situação dos moradores é ainda pior. A tempestade já causou a morte de uma criança em 2002 e de um idoso em 1992.

No último dia 27 de fevereiro, o nível das águas chegou a 1,5 m. As perdas foram "só" materiais, mas a unidade da rua Padre João Gonçalves virou um amontoado de lama e lixo. Computadores, instrumentos pedagógicos e musicais e todo o mobiliário foram destruídos. No restaurante do projeto, na rua Belmiro Braga, os alimentos das geladeiras ficaram imprestáveis. "Por pouco não perdemos vidas", diz Roberta.

Com água pelos joelhos, ela ajudou moradores e visitantes. "Teve gente que a correnteza quase levou. Havia uma mulher grávida que não conseguia sair do carro", conta.

"Nos outros nove meses do ano, acabamos nos esquecendo das catástrofes. Agora queremos tomar providências", diz a agente.

Eles pretendem mobilizar ao menos 200 pessoas, via conselho da rua, para acionar o poder público. "Se as chuvas fossem em setembro ou outubro, período eleitoral, os políticos fariam algo", conclui.

Em Pinheiros, o bar encheu. De água

A história do bar do Biu com as enchentes já tem 20 anos. Mas, como a que ocorreu no último dia 27, só a de duas décadas atrás, diz Rogério Gomes da Silva, 28, que toca o boteco fundado por seus pais em Pinheiros, na zona oeste.

Neste ano, 40 das 80 pessoas que lotavam o bar naquele domingo, dia de maior movimento, abrigaram-se em cima de mesas e cadeiras, já que a água subiu 55 centímetros.

O prejuízo, somado aos estragos da chuva de dez dias antes, chega a R$ 20 mil --entre os estoques de comida e de cigarros perdidos, os freezers boiando e o muro dos fundos que desabou.

Dois clientes perderam seus carros. "Muita gente foi embora e deixamos de faturar R$ 5.000", contabiliza.

Já foram 20 as vezes em que o bar foi tomado pelas águas. Os proprietários cogitam mudar de endereço. "Não é fácil parar seu ganha-pão para cuidar da chuva", reclama Rogério.

Todo verão, alimentos, documentos e objetos são colocados em locais elevados. "Estamos entrando com abaixo-assinado na prefeitura, para ver se tomam providências com relação às pequenas galerias e às bocas de lobo", diz.

Seu vizinho, Felipe Monroe, 53, dono da loja de móveis de design Maria Jovem, também cogita deixar o casarão. Ele estima que, só em 2011, teve um prejuízo de R$ 25 mil com os móveis destruídos. "É a quarta vez em oito anos que isso acontece."

ZN: 5 vezes alagada

A poodle Minnie já sabe que, ao menor sinal de chuva, deve ir para um lugar alto. Afinal, é para lá que seu dono, Carlos Rosa, 56, morador há 40 anos da travessa Correntinos, no Tremembé, zona norte, leva os móveis nas épocas de chuva.

São cinco grandes enchentes por verão. Seu discurso, contudo, é otimista. "É o custo-benefício", diz. "Sofremos três meses por ano, mas moramos num lugar em que as crianças podem brincar na rua", pondera, apesar do prejuízo de R$ 6.000 que teve só neste ano.

Já Daniel Rosa, 31, um dos dois filhos de Carlos, jogou a toalha. Ele morava com a mulher grávida em uma das quatro suítes, mas, depois da enchente do dia 12 de janeiro, decidiu se mudar para uma nova residência. Numa ladeira.

O que leva às enchentes

- Impermeabilização crescente do solo e das margens e várzeas devido a novas construções --o que prejudica o escoamento da água
- Expansão urbana para áreas periféricas e com solos irregulares
- A canalização de córregos feita há décadas considerou uma população inferior à atual. Hoje, com mais gente, há menos área permeável e mais água para escoar
- Canalizações que não respeitam as partes sinuosas dos rios. Deixá-lo reto faz correr a água mais rápido, o que favorece enchentes

O que já foi feito (especialistas avaliam)

CONSTRUÇÃO DE PISCINÕES

"O raciocínio hidráulico é correto. Contudo, esses reservatórios são um atentado do ponto de vista sanitário. A água suja e com sedimentos acumulada gera um novo problema. Causa até desvalorização imobiliária."
Álvaro Rodrigues dos Santos, consultor em geologia e geotecnia e ex-diretor de planejamento e gestão do IPT

APROFUNDAMENTO DAS CALHAS

"Aumentar a capacidade de vazão do rio é caro. E cada rio tem a sua. Um afluente, como o Aricanduva, pode interferir na cheia do Tietê, no qual deságua."
Andréa Young, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp

O que pode evitá-las

- Instalação de calçadas e valetas drenantes
- Sistema de reservatórios em cada um dos novos edifícios construídos
- Plantação de pequenos bosques florestados. Colocar árvores em esquinas e outros terrenos vazios pode ajudar muito. Segundo estudos, um bosque florestado retém 80% a mais de água
- Ao construir, levar em conta a necessidade de uma área para os recuos a partir dos rios, uma na sequência para margens e várzeas e uma para um bolsão viário, antes das novas construções

 

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