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20/03/2011 - 10h26

Envelhecer não tem nada de bom

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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Envelhecer não é exatamente um passeio no bosque sobre um manto de margaridas. Estamos falando de atividade que exige controle emocional de ninja e boa forma física. Envelhecer é coisa de gente grande. Não pretendo desencorajar quem ainda não entrou nessa fase da vida nem soar materialista, mas serão necessárias doses maciças de sabedoria para quem queira conduzir a entrada na terceira idade com uma pitada de dignidade. Confesso que não tenho dado conta do recado com a devida elegância.

Estou naquela parte do processo em que já encaro como rotina --e sem ter de ingerir um copo d'água com açúcar-- o surgimento, da noite para o dia, de um novo cabelo branco, geralmente em formato de saca-rolha e localizado no cocuruto da cabeça, na ponta do queixo, do nariz, da língua ou em alguma outra inesperada protuberância inglória do corpo humano.

Tampouco me assusta a panorâmica da plantação de brócolis que avisto quando me vejo indo de marcha a ré em direção ao espelho. Não sou de pregar peças em meu imaginário nem de me deixar abater por aquilo que fica abaixo de mim. Ou atrás de mim, no caso.

Muito mais grave do que a visão do inferno de me ver indo embora é o exercício que tenho sido forçada a praticar, de lembrar de onde conheço os amigos carecas, desdentados, cheios de pregas, arestas e/ou capitonês em quem esbarro nos sites de relacionamento e que estou certa de um dia já ter beijado na boca. "Esse aí está me parecendo tão familiar... Será que...?" E bote pensamento nublado no vazio do meu esquecimento. A falta de memória que aflige quem já dobrou o cabo dos 50 anos bem vividos pode ser um inverno gélido e assombroso.

Mas o pior de ficar velho é que a gente não envelhece. Continuamos exatamente os mesmos beócios de sempre. Só que mais feios, mais carcomidos e menos funcionantes. E ainda por cima mais pobres.

Calma, que a vovó Donalda explica: se eu tivesse de escolher entre os males que acometem a quem vai avançando nos anos aquele com o qual tive maior implicância, diria que foi desembolsar o equivalente a um MacBook Pro por um par de óculos multifocais. Não sei o que nos espera no dia em que tiver de encarar as fraldas contra a incontinência, mas vamos fazer a coisa um dia de cada vez, que tal?

Não me traz conforto algum saber que a Carolina Ferraz e a Sharon Stone estão circulando de óculos iguais aos meus. Não digeri o fato de que terei de desembolsar mais quatro prestações de um acessório que esqueço por aí como se fosse guarda-chuva e que, ainda por cima, me deixa com cara de nova-iorquina mal comida.

De coisa cara a gente logo gosta, não é mesmo? Não é o caso das tais preciosas lentes multifocais. Sabe kabuki, curling, canto lírico e arroz-doce? Pois é mil vezes mais fácil acostumar com eles do que com as lentes.

Quando fui buscar meus óculos multifocais, já tratei de chegar à ótica com uma cartela de remédio antienjoo no bolso. Havia sido avisada da confusão mental que me acometeria nos 15 dias seguintes.

E realmente passei a viver como se estivesse dentro de um desenho do Escher. Não sabia se lia ou se descia a escada. Toda vez que olhava para baixo, os óculos me convidavam à leitura. Mas eu só quero achar o próximo degrau, ora bolas!

Até hoje penso duas vezes antes de virar a cabeça com rapidez. Não me atrevo a pensar no que vai acontecer quando tiver de assistir a um páreo no Jockey Clube, a uma partida de tênis ou a uma corrida de carro.

Quem sabe eu não devesse usar minha "prótese" para ficar trancafiada no sótão admirando as fotos da época em que eu tinha cintura? O quê? Vai dizer que sou a única com dificuldade de envelhecer com leveza e dignidade?

 

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