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23/03/2011 - 15h19

Fernando Jaeger vende 1.200 peças de design por mês em SP

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MARIANNE PIEMONTE
DE SÃO PAULO

Com o casamento marcado para fevereiro de 2012, o advogado Carlos Portugal Gouvea, 32, e a professora Mariana Pargendler, 28, perambulam entre sofás, poltronas e mesas de jantar. Depois de pesquisar nos shoppings especializados em objetos para casa, ruas de comércio popular e lojas de "design em série", o lugar escolhido pelo casal foi o showroom de Fernando Jaeger.

Na loja-ateliê da Pompeia (zona oeste), uma das seis que o designer mantém na capital, eles chegam, preenchem uma ficha e aguardam o atendimento enquanto testam algumas cadeiras. Após meia hora, munida de um iPad com as imagens das peças da coleção, uma vendedora se aproxima. "Já decidimos!", anuncia Mariana, antes mesmo de ouvir qualquer sugestão. "Vamos levar esse conjunto", diz. "Exatamente como está aqui na loja".

Assim foi tirado o pedido de duas poltronas listradas e um sofá modelo kenzo em bege, apenas 40 cm menor do que o do mostruário, por recomendação de Yaskara, mulher do designer, que estava atendendo naquela tarde de sábado quente de fevereiro.

É a primeira vez que o casal Carlos e Mariana compra móveis assinados. Quando eles moraram nos EUA, durante os anos que estudaram por lá, a casa em Nova York foi toda montada com móveis e utensílios de uma loja de design de massa, muito conhecida pelos preços acessíveis e desenhos atuais, popular na Europa e na América. Nessas lojas, nada é customizado --quando muito, há duas opções de cor.

Cia da Foto
O designer de móveis Fernando Jaeger e seu cachorro Oliver no quintal de sua casa, em Perdizes, zona oeste de São Paulo
O designer de móveis Fernando Jaeger e seu cachorro Oliver no quintal de sua casa, em Perdizes, zona oeste de São Paulo

"Mas não foi por isso que não alteramos o tecido. Gostamos da sugestão do showroom", conta Mariana. As poltronas de braços em madeira arredondados devem fazer parte da decoração do apartamento de 110 metros quadrados que o casal comprou nos Jardins.

No mesmo dia, o designer gráfico Alessandro de Campos Pinto, 37, que acabou de mudar com a família para o Mandaqui, zona norte, estava encantado com a maneira como Jaeger mistura madeiras. Alessandro arrematou um "buffet" na loja de pronta entrega, que fará o papel de rack em sua casa. Além do desenho, o que mais o impressionou foi o preço. "Paguei R$ 1.500", diz. "Com esse valor não compraria algo durável nessas lojas de designer em massa. Por menos, eles tinham cara dessas lojas que os garotos-propaganda gritam na televisão", disse.

Fernando Jaeger, 54, é o designer por trás de um fenômeno que há dois anos acontece nos grandes centros. Ele é um dos responsáveis por aproximar esses "objetos de desejo" (antes restritos à elite) da classe média. A equação parece simples: preços mais acessíveis + pessoas com mais dinheiro.

Segundo o economista da Fecomércio-SP Altamiro Carvalho, desde que o "boom" imobiliário começou, os números do setor de móveis e decoração registram sucessivos recordes.

Na região metropolitana, é a atividade varejista que teve a terceira maior taxa de crescimento em 2010, perdendo apenas para eletrodomésticos e veículos. No ano passado, o setor movimentou, na Grande São Paulo, cerca de R$ 4 bilhões, crescimento de 8,1% em relação às vendas de 2009.

Fácil compreensão

Jaeger (pronuncia-se "ieguer") nasceu em Santa Cruz do Sul (RS). "Eu não cabia lá", diz o designer, ao lembrar das ruas perfeitas, arborizadas e de arquitetura tipo "casa de boneca". Ouça o podcast da repórter Marianne Piemonte sobre a trajetória do designer Fernando Jaeger:

Marianne Piemonte

Em 1975, mudou-se para o Rio com a intenção de fazer vestibular para medicina. Como num filme, um folheto do curso de produção industrial voou para as mãos dele. Fernando, que adorava desenhar motos e aviões, mudou o rumo e entrou na faculdade de Belas Artes da UFRJ.

Durante o curso, Jaeguer morou de favor na casa de um amigo de faculdade. "Eu era o 11º filho da dona Zeli", lembra-se com ternura da senhora que o acolheu. "Se não fosse por isso, não conseguiria terminar os estudos", diz. Foram naqueles anos que ele conheceu Yaskara, uma garota de Penápolis (interior de SP), que fazia arquitetura e morava num pensionato com uma amiga de Jaeger. Hoje, Yaskara, 51, é mãe dos três filhos do designer: Felipe, 26, Marina, 22, e Theo, 14. E a amiga, Regina Kato, é sócia responsável pelos tapetes em uma das seis lojas do designer.

Com uma proposta de emprego de uma empresa paulistana de origem alemã, que trabalhava com madeira de reflorestamento, ele, a mulher e o primeiro filho chegaram a SP. Instalaram-se na Vila Romana (zona oeste).

Como free-lancer, Jaeger desenhava móveis para a Tok&Stok. "Tive 65 produtos em linha na loja", conta. Yaskara lembra que, na época, ficava deitada numa rede embalando Felipe, enquanto Jaeger desenhava. "Muitos móveis surgiram da nossa necessidade."

Naqueles tempos, quando foi comprar berço para o primeiro filho, tudo o que podia pagar era feio ou perigoso. Então, resolveu desenhar. Como conhece bem o processo industrial, ele mesmo fez parcerias especiais com fábricas, principalmente com as do sul, e assim conseguia preços mais em conta.

A parceria com a Tok&Stok durou 15 anos. Algumas peças, como a cama Mirage, o sofá Art Deco e a cadeira Talk, venderam cerca de 30 mil unidades, segundo Ademir Bueno, gerente de design e tendências da marca. "Os móveis de Jaeger têm desenho fácil de ser compreendido pelo público, por isso são bem comerciais."

A primeira loja própria do designer foi aberta em 1994, num corredor da rua Cotoxó, em Perdizes (zona oeste). O showroom, ou loja-conceito, onde sofás podem ser comprados por cerca de R$ 3.000, foi inaugurado em 2005 na Pompeia, também na região oeste.

Pizzaiolo nas horas vagas

Enquanto outros designers torcem o nariz para a palavra "comercial", Jaeger segue com a loja cheia. Ele pessoalmente ajuda a atender aos sábados.

O designer conta que uma senhora se surpreendeu ao reconhecê-lo durante um atendimento. "Você é ele?' Ela me perguntou", lembra, arrancando risos de todos em volta. "As pessoas se sentem lisonjeadas quando eu as atendo. Eu também", diz.

Mais uma prova desse sucesso é que algumas de suas peças serão estrelas da novela das oito da Globo, "Insensato Coração". Farão parte do cenário no núcleo dos atores Camila Pitanga e Lázaro Ramos.

Jaeger diz que seu desenho é contemporâneo. Gosta de afirmar seu apreço pelas formas simples. "Os [irmãos] Campana trabalham no limiar arte-design. Sou mais racional. Sigo a escola [alemã] Bauhaus, que alia desenho à função", diz.

Para Adélia Borges, membro do conselho diretor do Museu da Casa Brasileira, Jaeger não é um criador. "Ele pega as tendências e adapta. Como ele equaciona bem a questão industrial, resolve o custo-benefício", diz.

Adélia não é unanimidade. Sérgio Rodrigues, 83, um dos mais aclamados designer brasileiros, também salienta a afinidade de seu colega com a indústria e diz que o desenho de Jaeger tem, sim, valor. "Ele é um criador que não se cansa." Assim, provocando polêmica, segue Jaeger.

O designer não usa computador. Seus esboços e desenhos técnicos ficam espalhados pela mesa de trabalho, em folhas de papel reciclado que já foram usadas pelo escritório. É um homem que não leva trabalho para casa. "Superfamília", segundo Yaskara, a mulher.

Ela brinca que, se tudo der errado, transformarão o showroom da Pompeia em uma pizzaria. "Ele é ótimo pizzaiolo, faz a massa, o molho e tudo. As melhores são a de berinjela e um calzone de ricota temperada", conta.

Mas o negócio do marido de Yaskara, por enquanto, é mesmo o design. Suas lojas concentram-se em regiões onde a classe média está em expansão e fogem de lugares temáticos, como a alameda Gabriel Monteiro da Silva, no Jardim América --meca do comércio de móveis finos.

O designer não tem interesse naquele local. "Não quero deixar de ter aquele público que tem informação e cultura e não tem grana, como eu não tive no começo da minha carreira", conta. "Já fui esse cara."

*

Casulos têm decoração, não arquitetura

Raul Juste Lores, editor de Mercado

O home theater substituiu a ida ao cinema e a internet trouxe entretenimento, comunicação e trabalho para dentro de casa. Por que sair dela?

São Paulo empurra os paulistanos a adotarem esse casulo. Feiúra arquitetônica disseminada e metrô e corredores de ônibus que não se expandem (e o trânsito só piora).

Arrastões em restaurantes, calçadas esburacadas e parques superlotados reforçam a preguiça.

Quanto mais bunkers, menos cidadãos exigem praças, calçadas, programas culturais e ruas mais convidativos. A cidade perde.

Se há alguma vantagem nessa reclusão, é que o consumidor queira mobiliar seu casulo com o melhor. Por décadas, vivemos entre dois extremos, dos pavorosos sofás dos magazines populares às peças das lojas da alameda Gabriel Monteiro da Silva, que cobram preços para xeique árabe em férias na Suíça.

Design também é economia e esses preços refletem um mercado (e uma sociedade) de extremos.

No mundo, a sueca Ikea faz o papel de popularizadora do design, uma espécie de Zara da decoração. Presente em 30 países, a multinacional só não entra no Brasil pelos impostos excessivos, o que permite que fabricantes nacionais vendam sofás estampados roxos a preços altos, sem concorrência.

Mas o que casulo nenhum ainda muda é a supremacia da decoração sobre a arquitetura no país.

A alta renda se contenta com uma coleção de móveis caríssimos e modernos, emolduradas em casas e prédios mal-ajambrados.

Enquanto a arquitetura é coletiva, dá cara à cidade e pode ser desfrutada por qualquer passante, a decoração sempre será restrita ao casulo.

 

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