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05/08/2011 - 17h16

Ministro cinéfilo: releia entrevista de Celso Amorim à Serafina

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DE SÃO PAULO

Em entrevista à repórter Flávia Marreiro, em Brasília, em novembro de 2009, o então chanceler brasileiro Celso Amorim --que acaba de substituir Nelson Jobim no Ministério da Defesa-- relembrou sua juventude atrás das câmeras.

Amorim participou, em 1954, de uma cena no filme "Nem Sansão nem Dalila", de Carlos Manga. Na reportagem, o ministro também revela quais são os cinco filmes que marcaram sua vida.

Abaixo, leia a íntegra da matéria publicada na revista Serafina.

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Anderson Schneider - 19.nov.09/.
Celso Amorim posa para retrato em seu gabinete no Palácio do Itamarati em Brasília, em novembro de 2009, para *Serafina*
Celso Amorim posa para retrato em seu gabinete no Palácio do Itamarati em Brasília, em novembro de 2009, para Serafina

Oscarito está prestes a entrar num salão de beleza em Ipanema. Três meninos, numa carreira embalada, esbarram nele. Curiosamente, um deles, cabelo cortado rente, shorts e blusa, corre com a mão no bolso traseiro esquerdo.

A cena, que não dura mais do que quatro segundos em "Nem Sansão nem Dalila" (1954), de Carlos Manga, marca o início da longa relação de Celso Luiz Nunes Amorim--e família-- com o cinema. O ministro das Relações Exteriores é o tal menino com a mão no bolso.

"Eu estava na rua, e pediram: 'Três meninos aqui!' Apareço com a mão no bolso de trás porque estava com a chave de casa..." Amorim, mais ou menos 11 anos, morava perto dali, na Raul Pompeia, em Copacabana. Filho de pais separados, com a irmã mais velha já casada, foi naquele quarto e sala que passou a adolescência de filho único e bom aluno com a mãe e a avó.

No filme, Oscarito entra no salão e, na sequência rocambolesca depois, vai parar numa máquina do tempo. Amorim falou sobre sua estreia no cinema quando estava em sua própria máquina de flashback. Relembrou, a pedido de Serafina, seus encontros e desencontros com o cinema.

CENA 1: MAO E A TOALHINHA

"O Celso era um rapaz de esquerda, muito educado. Na minha cena nua, ele virou de costas. Não queria ver para não me deixar constrangida", diz a atriz Norma Bengell, por telefone.

A diva do cinema novo estava numa praia deserta do Rio, o dia apenas começando, em 1961. Haviam acabado de gravar a cena, hoje clássica, em que a personagem de Norma, nua, sofre com os algozes de "Os Cafajestes" (1962). Celso Amorim era o continuísta, parte da equipe mínima que o diretor Ruy Guerra levou para a locação.

Em sua ampla sala no Palácio do Itamaraty, em Brasília, o ministro, tímido, fixa o olhar no assessor Mauricio Carvalho Lyrio enquanto lembra: "Veja bem, eu fui discreto. Apesar, talvez, da curiosidade". Continua: "Não fiquei de costas na filmagem, porque eu tinha de saber o que estava acontecendo. Mas, na hora de entregar a toalha, fui discreto..."

Norma se lembra de um circunspecto e "inteligente" Amorim, que andava com um livrinho vermelho debaixo do braço. "O Ruy Guerra disse assim: 'É Mao Tse-tung'", ri.

"Nãããããão", estica a negativa o ministro. Amorim garante que era um "sartriano-raiz", mas não um fã do líder comunista chinês. Fora parar no cinema justamente por inspiração da "filosofia da autenticidade", um princípio de Jean-Paul Sartre. Quando terminou o 2º grau, disse para a mãe que queria ser "autêntico" à moda sartriana: se não sabia o que queria fazer, não iria fazer nada.

A mãe, uma corretora de seguros de raízes ilustradas (filha de um livreiro santista) e pés no chão, impôs restrições: "casa, comida e roupa lavada. Nem para a condução e nem para o cigarro".

"E cigarro naquela época era bem de primeira necessidade", lembra o ministro. Foi aí que o fã do neorrealismo italiano e fundador de cineclube no segundo grau aceitou fazer os bicos que apareciam. O cinemanovista Leon Hirszman o encontrou num dos muitos festivais de cinema da época e contou: tinha indicado o futuro ministro para a equipe de "Os Cafajestes".

Anderson Schneider - 19.nov.09/.

CENA 2: O FEIJÃO E O SONHO

O cineasta Amorim seria, porém, posto à prova pela atriz Vanja Orico. Convidado para dirigir, aos 19, "Os Mendigos", o garoto hesitou. Impôs condições até ele mesmo travar a negociação: não filmaria com Vanja, a imprescindível filha de Oswaldo Orico, financiador do filme.

"A Vanja Orico me pegou no contrapé", diverte-se. "Só não fiz cinema por causa da oferta. Sem a oferta, teria sido assistente de mais dois, quatro filmes, até chegar o momento de dirigir." O aspirante estava "apalavrado" para trabalhar em "Os Fuzis", de Ruy Guerra (1964) e em "Porto das Caixas", de Paulo César Saraceni (1962).

Com ou sem Vanja, o cineasta Amorim foi mesmo posto à prova por um misto de dúvida sartriana e desejo de estabilidade. "Talvez houvesse um lado meio burguês dentro de mim. Vendo em retrospecto, talvez por influência da minha mãe, tinha de ter um trilho mais certo, que cinema talvez não desse."

CENA 3: SEGUNDA-FEIRA: GREVE GERAL

Amorim entrou no Instituto Rio Branco. Não havia se desfeito dos sonhos artísticos. Quem sabe literatura? Veio o golpe. Tudo se dispersou. O grande reencontro com cinema foi em 1979, na direção da finada Embrafilme.

Orgulha-se: foi lá que apoiou Glauber Rocha e seu questionado "Idade da Terra" (1980), de lá saiu por motivo nobre: apoiar o censurado "Pra Frente, Brasil" (1982), de Roberto Farias.

Mas seu filme preferido do período é "Eles Não Usam Black-Tie", de Hirszman. "O Leon queria que o filme se chamasse: 'Segunda-Feira: Greve Geral'. Falei: 'Leon, a gente não pode dar esse nome!'" Era a época das greves do sindicalista Lula, no ABC.

CRÉDITOS: CHICO GIRAMUNDO E FAMÍLIA

O barbudo Celsinho das sessões de cinema do MAM, no Rio, virou o Celso-diplomata, de "cabelo acertadinho", que conheceu Ana Maria nos anos 60, num grupo de psicanálise. Tiveram quatro filhos. Três deles --voltas que a vida dá--, trabalham com cinema (Anita, a única mulher, trabalha na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra).

Amorim se contraria: não é verdade que tenha objetado a escolha do mais velho Vicente, diretor de "O Homem Bom" (2008), pelo cinema. "Só queria que ele estudasse mais. Cinema é uma coisa insegura, poderia dar alguma coisa errado", fala o menino que nos anos 1950 viveu num cômodo só, numa pensão no Rio, com mãe, pai, irmã e avó.

O flashback puxa a memória do pai, a parte sonho da família: "Meu pai foi corretor de seguros, viajava muito. Tinha vocação literária, escreveu resenha de cinema. Escrevi um poeminha sobre ele, não sei onde está escondido, dizendo que era uma mistura de Chaplin, no 'Vagabundo', com Dom Quixote. Ele me contava histórias para dormir sobre um personagem que criou, o Chico Giramundo, que era ele mesmo...".

Entre viagens e viagens, hoje o Giramundo chanceler lê roteiro, opina sobre o trabalho dos filhos, que cresceram assistindo a Chaplin no projetor super-8 da família.

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5 FILMES QUE MARCARAM O MINISTRO CINÉFILO

1. "Roma Cidade Aberta", de Roberto Rosselini (1945)
"Um dos maiores impactos que já tive no cinema"

2. "Ladrões de Bicicleta", de Vittorio De Sica (1948)
"Grande carga de
humanismo e esperança"

3. "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha (1964)
"Revolução estética e
cultural no Brasil"

4. "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos (1963)
"Um hino à perseverança; uma das melhores transcrições de obra literária brasileira para o cinema"

5. "Eles não usam Black-Tie", de Leon Hirszman (1981)
"Mais do que um filme político, um profundo estudo das relações humanas

 

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