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11/09/2011 - 10h22

"Melancolia"

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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA sãopaulo

Ontem fui ver "Melancolia", de Lars von Trier, e saí do cinema comovido e irritado. Comovido porque o filme é lindo, Charlotte Gainsbourg é trágica e o cavalo é um animal soberbo. Irritado porque parte do público foi tomada por um ataque de idiotia, e ria alto, muito alto, como se na tela estivessem projetando "Se Beber Não Case" ou "A Princesa Xuxa e os Trapalhões", sei lá.

Sei que "Melancolia" não é engraçado e as pessoas riam. Não uma nem duas vezes: em todos os momentos em que a tensão da narrativa relaxava um pouco. Não dois ou três babacas: um terço da sala 2 do Espaço Unibanco da rua Augusta.

Um exemplo de "cena cômica": a noiva, deprimida, se arrastando pela própria festa de casamento, incapaz de cumprir seu papel de mulher-feliz-porque-casar-é-tudo, vai ao banheiro, tira o vestido branco e entra na banheira como quem mergulha na cova. Qual a graça disso? Espero não descobrir. Mas foi aí que as primeiras gargalhadas explodiram. Levei um susto. Minutos depois, outra bateria de risadas. E assim até o final.

Tenho um certo bode de escritores que sempre tentam provar que o homem é podre, vil e mau, e que estão convencidos de que a ironia é a mais poderosa das figuras de linguagem (prefiro a compaixão de Tchékhov ao sarcasmo de Machado de Assis).

Ontem porém saí do cinema pensando o pior, senão da nossa espécie, ao menos das dezenas de "blasés" (ou seres com um senso de humor sofisticado) que assistiram a "Melancolia" na mesma sessão que eu. Só com algum esforço (e meia dúzia de cervejas mexicanas) consegui varrer da cabeça minha antipatia generalizada e me concentrar na expressão única --desesperadamente bela ou belamente desesperada-- que o rosto de Claire, a personagem de Charlotte Gainsbourg, adquire nos últimos 20 minutos de filme.
Pedi uns tacos e anotei uns versos:

vida longa a Charlotte Gainsbourg
morte aos boçais metidos a "cool"

Mas então me lembrei que quando minha avó morreu, eu não segui como esperavam o Manual do Luto. Não sofri, não chorei. Pelo contrário, fiz inclusive uma piada no velório. Um primo me censurou com um olhar duro, e minha irmã me mandou calar a boca... A verdade é que eu não estava sentindo aquela morte. Anos depois, em Buenos Aires, gripado e sozinho, acordei no meio da noite aos prantos --e entendi que era por causa da minha avó.

Maldita lembrança, bendita lembrança. Parei de comer os tacos, arrependido do meu dístico vagabundo. Pois me dei conta de que aquelas risadas no cinema, por mais idiotas que fossem (e eram), não passavam de subprodutos do medo, da solidão e da nossa completa falta de vontade de acreditar no fim do mundo, que de resto acaba todos os dias --sem garantia de recomeçar.

 

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