Moda busca ideias e matérias-primas nas comunidades da Amazônia
Bruno Santos/Folhapress | ||
A empresária Chiara Gadaleta usa colar feitos com sementes de morototó, em São Paulo |
Artesãs natas, as índias da etnia wai wai que vivem na região de Oriximiná, no Pará, produzem peças misturando crochê e sementes de morototó, árvore nativa da América do Sul presente nas paisagens amazônicas.
Cada única peça pode utilizar até mil sementes, o que requer grande habilidade manual das mulheres da tribo.
Numa das viagens à região, a empresária e consultora de moda Chiara Gadaleta se encantou com o artesanato e enxergou nas peças potencial de geração de renda.
Conhecida como grande produtora de castanha-do-pará, a população indígena e ribeirinha de Oriximiná sofre com a falta de alternativas econômicas nos períodos de baixa da safra do fruto.
Entusiasta dos trabalhos manuais, Gadaleta iniciou com as mulheres da etnia o projeto Kaapu, que contempla oficinas de crochê, conceitos de design e busca de canais de comercialização.
Em nove meses desde o início do projeto, Gadaleta fechou duas parcerias para a venda do trabalho. Uma é com a loja multimarcas de moda Mix, de Curitiba, que comercializou vestidos com bordados de morototó produzidos pelas índias. A outra é com a Artefacto, de produtos para casa. A coleção deve chegar às lojas até o fim do ano, com mantas, colchas e outras peças bordadas com as sementes amazônicas.
O artesanato wai wai estará em destaque no portal Ecoera (portalecoera.com.br), recém-lançado e que reúne produtos e serviços de moda, beleza e design com atributos de sustentabilidade. A ideia da plataforma, além de divulgar conteúdo, é possibilitar um "marketplace" para aproximar produtores espalhados pelo país dos consumidores.
"É possível usar o design para fazer a diferença. Milhares de mulheres alimentam a família com trabalho manual. Temos que valorizar esse artesanato", diz Gadaleta.
SÓ O COMEÇO
Ainda é incipiente o número de marcas que se inspiram na floresta para criar coleções ou buscar materiais sustentáveis. A opinião é de François-Ghislain Morillion, fundador da marca franco-brasileira Vert, que produz tênis com matérias-primas sustentáveis, como o algodão orgânico do semiárido cearense e borracha natural do Acre.
"A floresta tem um potencial de inspiração enorme, mas as marcas brasileiras olham mais para o 'lifestyle' europeu", diz Morillion, que fez o caminho inverso -a marca que criou é dependente do que a floresta produz.
A borracha usada para fazer o solado dos calçados da Vert é fornecida por três associações extrativistas que reúnem 40 seringueiros no Acre, um projeto em parceria com o governo do Estado e a ONG ambientalista WWF.
A empresa produz 400 mil pares por ano e estabeleceu um programa de reflorestamento com os extrativistas, para tentar evitar o avanço da pecuária na região.
Com valores entre R$ 200 e R$ 500 o par, os tênis da marca podem vir em outros materiais, como couro de tilápia. Os modelos são produzidos no polo calçadista de Novo Hamburgo (RS).
O uso desses materiais tem ônus: o custo de produção de um calçado da marca é sete vezes maior que um similar produzido na China.
"Como nosso modelo de produção é diferente do das grandes marcas, não temos verba para publicidade", diz Morillion. O marketing é feito por meio de redes sociais, exposições e parcerias com estilistas.