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30/10/2011 - 11h22

Marisa Monte lança 8º CD e quebra o sossego dos últimos anos

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CHICO FELITTI
DE SÃO PAULO

Marisa de Azevedo Monte passa ilesa pelos olhares de mais de 30 pessoas de uma equipe de TV que grava na porta do parque das Ruínas, no bairro carioca de Santa Teresa, onde foram feitas algumas fotos deste ensaio. Talvez porque ela não se pareça com Marisa Monte.

A carioca de 44 anos usa uma malha cinza, calça skinny e óculos de casco de tartaruga. Nos pés, bota de couro vinho e salto quadrado, amarrada atrás como um espartilho. Os cabelos também estão amarrados, num coque alto. Nada fluido, florido nem molinho como a imaginação tende a vestir a cantora. E sua boca não é vermelha nessa tarde de terça.

É que a faceta cantora de Marisa Monte anda ficando mais em casa. "Trabalhei demais até os 35. Tinha turnê de 80 shows que acabava tendo 120. Não quero mais isso, não", comenta com o fotógrafo Walter Firmo, logo que chega.

Walter Firmo/Folhapress
A cantora Marisa Monte, que lança seu 8º CD, em ensaio especial para a revista *Serafina*
A cantora Marisa Monte, que lança seu 8º CD, em ensaio especial para a revista Serafina

Os dois se conheceram na sessão de fotos para a Serafina. Firmo fez história retratando sambistas desde 1960 e Marisa sonhava em ser fotografada por ele.

Ela aparece pouco na mídia. E quando o faz é com intuito certeiro. Dessa vez, a ideia é promover o lançamento do CD "O que Você Quer Saber de Verdade" neste 31 de outubro, no Brasil e em mais 30 países. Além de apontar por quem, onde e como preferia ser clicada, o "entourage" ao seu redor pediu que a reportagem respeitasse seu silêncio. Não daria entrevista.

Grandes colaboradores dela, procurados pela reportagem, também optaram por não falar. Caso de Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, parceiros de composição, que alegaram estar muito ocupados.

Mas Marisa não se opôs à presença do repórter na sessão de fotos. E falou abertamente nas cinco horas de sessão. Cumprimentou todo mundo com dois beijos, comeu um sanduíche de
queijo amarelo na hora do almoço. Mais antidiva, difícil.

"Ela comprou fotos minhas", disse o fotógrafo Firmo antes de a cantora chegar. O retrato de Pixinguinha ela deu para o pai. O de Clementina de Jesus, de costas, ficou com ela. A compra dos dois somou R$ 30 mil. Dinheiro que ela tem, mas em que não se liga. "Não sou do tipo de pessoa que quer ter um jatinho. Nunca tive o sonho da ilha própria", continua no set.

Mais antidiva, improvável.

Duas horas de maquiagem, cabelo e escolha de roupas e sai do camarim Marisa Monte: vestido fluido, cabelo solto, boca carmim e uma sandália dourada. A gravação pela qual ela passou batida pausa para ver passar a cantora, agora com a cara que sua música teve durante a carreira.

Ela se apoia na parede de tijolos aparentes. Vira-se de costas e mostra o zíper do vestido, que travou e não conseguiram fechar. "Não faz mal. Tá tudo bem." Ao fazer as primeiras poses, pede: "Posso segurar o vestido, pra ele não sujar?". Mais antidiva, impossível.

Terminada a sessão em que sentou numa cadeira de palhinha, imitando Pixinguinha em foto dos anos 1960, Marisa improvisa. Sobe no parapeito do prédio, com vista para o Pão de Açúcar. Abre os braços sobre o muro, a uns cinco metros do chão, sem nada que a segure em caso de queda.

"Adoro seu perfil", diz o fotógrafo. "Eu também adoro meu perfil", responde. Fazem então várias fotos dela de lado, e sua desenvoltura deixa claro que é dona do próprio nariz.

DONA DO NARIZ

Mesmo: Marisa é a feliz proprietária de tudo o que gravou na vida. São 115 obras e 310 fonogramas que lançou desde 1987, quando iniciou o ofício. Conquistou a independência de fazer o que quer.

Isso permite que ela hoje escolha o que grava e o que lança e relança. Sem alarde nem avisar gravadora. O novo álbum, por exemplo, foi gravado em seis meses, com viagens a São Paulo, Nova York, Los Angeles e Buenos Aires.

Ela diz no site oficial que o CD é seu oitavo. Exclui da conta "Infinito ao meu Redor" (2008), trilha do documentário autobiográfico de mesmo nome, e "Tribalistas" (2002), com Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes. "É um projeto coletivo", explica ela na página da internet.

Por mais que negue "Tribalistas" como obra própria, é desse álbum que saiu "Velha Infância", a música mais executada de sua carreira no rádio, tanto na categoria compositora quanto como cantora, atesta levantamento feito pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) para a Serafina.

Para o CD, Marisa aprendeu a "falar" com um novo instrumento. "Ela descobriu no uquelele uma maneira de se expressar que tem muito a ver com ela", diz Adriana Calcanhotto, amiga de Marisa desde que esta foi ver sua primeira apresentação no Rio, em 1989.

O instrumento é primo havaiano do machete. "Os portugueses levaram a viola, chamada de braguinha, para a ilha no fim do século 19", diz o luthier Marcelo Silva, que produz uqueleles. "É como se fosse um cavaquinho, bem brasileiro, mas virado ao contrário."

É que as cordas do uquelele fazem o caminho inverso dos outros parentes do violão: as de cima são as primas, de som mais agudo, e as de baixo são os bordões, notas mais graves. A inversão da lógica no instrumento em que ela diz ter se encontrado vale também para sua carreira.

VOZ PELADA

Marisa Monte surgiu para o público de uma vez, como uma erupção. "Ela contrariou os hábitos e as regras", diz Nelson Motta, que a produziu para o pop quando a cantora ainda pertencia ao universo erudito e cantava ópera, no fim da década de 1980.

"Com ela, eu consegui fazer um trabalho sem nenhuma concessão." Por liberdade total, Motta quer dizer apresentar a cantora com um CD ao vivo, sem truques de gravação em estúdio nem programas eletrônicos para melhorar o timbre. Ela estreou de voz pelada.

O resultado foi "MM", álbum que vendeu meio milhão de cópias e emplacou "Bem que Se Quis" como trilha de novela global. Pronto: nascia junto à década a primeira --e única?--- diva dos anos 1990.

Desde então, Marisa vendeu 10 milhões de CDs. Recolocou Tim Maia na moda musical. Pôs o samba de volta em posição cool e ganhou três Grammy. "Ela toma as escolhas certas, sempre. Faz o que quiser", diz Motta. "Parece um roteiro pré-escrito em que tudo dá certo."

Resolvida a vida profissional, os últimos anos da cantora foram dedicados à pessoal.

"Tem uns três anos que a Portela não vê a Marisa", conta Tia Surica, sambista da Velha Guarda da Portela, grupo retratado no documentário "O Mistério do Samba", que Marisa produziu e protagonizou.

O filme estreou nos cinemas em 2008. A data coincide com o nascimento de Helena, filha de Marisa e de Diogo Pires Gonçalves. Ele é empresário e agente de atores e de outros cantores, como Silvia Machete, mas não da própria mulher.

"Eu tenho família. Dois filhos, uma de três [anos, Helena] e outro de oito [anos, Mano Wladimir, filho do músico Pedro Bernardes]. Não dá para levar a mesma vida de antes", diz a cantora a Firmo.

Desde que virou mãe de dois, a escola de samba azul e branco da rua Clara Nunes, em Madureira, saiu da sua rotina.

A sambista Surica diz que, mesmo à distância, a comunidade "morre de amores por essa menina. Sempre morreu".

O pai de Marisa é Carlos Monte, figura central da Portela, que voltou à diretoria da agremiação em 2004. "Quando eu tenho uma necessidade, ligo para ela, deixo recado e resolvo o que tenho que resolver", continua Tia Surica. Mas e a saudade? "Saudade também, mas ligo mais por coisas práticas, ela é muito prática", conta a tia de consideração.

O hiato de três anos, em que Marisa só participou de alguns shows, como o da cantora mexicana Julieta Venegas, foi acompanhado por poucos amigos. Calcanhotto foi um deles: "Acho incrível poder desfrutar do silêncio com alguém de quem a gente gosta muito".

O lutador Anderson Silva diz que adorou gravar o clipe de "Ainda Bem", música nova. Nele, Silva e Monte dançam num encontro silencioso, enquanto ela canta ao fundo.

E a volta da cantora parece que será feita do mesmo silêncio, quando não estiver cantando. Marisa Monte não está no Facebook. Teve uma conta por dez minutos e cometeu suicídio virtual. Explicou depois, em carta aos fãs, que a decisão foi "ao me dar conta da demanda".

Quem quiser romper o silêncio dela que compre seu CD novo. Ou entre no perfil dela no site de perguntas e respostas FormSpring, onde ela adota o nome Procure Saber (formspring.me/mmprocuresaber ) e explica sua quietude: "Muito tempo se perde com informações sem a menor relevância. Tempo para mim é precioso e tenho preferido usá-lo com outras coisas".

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