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28/07/2012 - 22h45

Yayoi Kusama recebe retrospectiva em Nova York

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MARCELO BERNARDES
DE NOVA YORK

Se a banana era o business de Carmen Miranda, e os girassóis, o de Van Gogh, a associação imediata que se faz com a obra de Yayoi Kusama são as bolinhas. Centro do universo dessa artista japonesa de avant-garde que fez sucesso nos anos 60 e andou sumida por várias décadas, as bolinhas estão por todo o lado em suas obras.

"Como estrelas no firmamento, que se movimentam livremente e desnudas, ou o sol, ou a lua, minhas bolinhas são minha filosofia de vida e também meus medicamentos, meus remédios caseiros", explica Yayoi à Serafina, sentada numa cadeira de rodas e respondendo com a ajuda de uma intérprete.

No momento, suas bolinhas amarelas, brancas e pretas, entre outras cores, se encontram espalhadas por Nova York. No museu Whitney, em Manhattan, Yayoi, 83, ganhou a maior retrospectiva (em cartaz até o dia 30 de setembro) dedicada à sua longa carreira. A exposição leva o nome da artista e foi importada da galeria Tate Modern, em Londres, que a homenageou em fevereiro deste ano.

Pelo mundo

Elas também estão presentes no Brasil: bolas gigantes suas, ou melhor, 500 esferas brilhantes de aço inoxidável flutuam nos espelhos d'água da cobertura do
Centro Educativo Burle Marx, em Inhotim (MG).

Já nas lojas Louis Vuitton, um lado mais comercial e chique da sua arte emerge numa coleção de bonecas, óculos escuros, malas de viagem e sapatos de salto alto -o vermelho de bolinhas brancas faria Minnie Mouse enlouquecer, assim como a carteira do Mickey ficar mais leve: eles custam R$ 2.350.

Jeremy Sutton-Hibbert
A artista plástica Yayoi Kusama
A artista plástica Yayoi Kusama

A iniciativa de atrelar o nome de Yayoi ao de uma grife de luxo veio do diretor criativo, o designer norte-americano Marc Jacobs, que costuma associar-se com artistas importantes como o pintor e fotógrafo Richard Prince, o artista e designer Stephen Sprouse (1953-2004) e o pintor e escultor japonês Takashi Murakami.

Em 2006, Jacobs visitou a artista em Tóquio. A química foi imediata. "Marc é um gênio, ser reconhecida por ele só me fez sentir honrada", afirma.

"O Japão é uma sociedade rígida e conservadora, que não costuma reconhecer seus artistas, e agora que o governo é fraco, com países como a China e Coreia do Sul liderando o bloco asiático, ter alguém desse calibre propagando a mensagem positiva de minhas bolinhas é incrível." E ela continua: "Na verdade, os Estados Unidos, agora em fase economicamente delicada, precisam dessa minha energia positiva".

Sexo

Dócil e diminuta, Yayoi atualmente tem dificuldades de andar, por isso a cadeira de rodas (decorada com bolinhas, é claro). Mas que ninguém se engane pela candura que essa senhora parece emanar. Sua personalidade é tão travessa, provocadora e dramática como a cor de sua peruca vermelha, ainda uma das marcas registradas de sua aparência física.

A panfletagem de Yayoi também invade o terreno sexual. Ela dizia que "assim que uma mulher dorme com um homem, ela perde sua única arma". Mas "por outro lado, se a mulher não desiste, ela pode usar um homem por uns bons dez, 15 anos!"

Os homens na sua vida, porém, foram poucos, e sua grandes paixões, platônicas. "Minha mãe dizia que sexo era sujo", escreveu em sua autobiografia, "Infinity Net" (rede infinita), lançada no início deste ano.

Ela diz que "frequentemente" bebia com Salvador Dalí, e que viveu um relacionamento assexuado com o escultor e cineasta experimental Joseph Cornell. Ambos trocavam desenhos que haviam feito um do outro nus. No livro, ela descreve cruamente o pênis do artista como "um calzone grande e seco."

Mecenas

Marc Jacobs não é o primeiro a reconhecer e dar um mãozinha à carreira de Yayoi. Quando tinha 20 anos, ela tinha uma meta: vir morar nos Estados Unidos. O sonho era inatingível para a maioria das adolescentes japonesas, mesmo para uma de família abastada como a de Yayoi (os pais dela eram comerciantes muito bem-sucedidos).

Mas, em vez de ficar cerzindo paraquedas em trabalho obrigatório durante a Segunda Guerra Mundial e esperar por um marido escolhido por comitê familiar, Yayoi estava disposta a virar artista e ser reconhecida nos EUA. Despachou um pacote com suas pinturas para Abiquiú, Novo México, onde morava a artista americana Georgia O'Keeffe (1887-1986).

"Para minha surpresa, Georgia não só me escreveu, como chegou a me convidar para ir morar com ela, caso precisasse", conta. As correspondências, com a caligrafia imponente de Georgia O'Keeffe, fazem parte da exposição do Whitney. Acabou fincando o pé em Nova York em 1958. Estabeleceu-se então no circuito das artes efervescente de downtown Manhattan, onde Andy Warhol (1928-1987) e Roy Lichtenstein (1923-1997) já começavam a reinar.

Tornou-se uma espécie de promoter das artes, criando esculturas de pênis semirrígidos que brotavam de sapatos, organizando eventos culturais ("um motivo para todo mundo tirar a roupa"), flertando com a moda.

Chegou a criar uma grife em 1968 e vendeu sapatos e calças (com desenhos fálicos) em lojas pop-up, que abriam por tempo limitado. "Ficava num grande astral ao criar um vestido ou um casaco. Era como se estivesse escrevendo um poema com uma tesoura."

A artista cruzou muito o caminho de Warhol, que pertencia, segundo ela, à "gangue rival". As imagens repetidas de algumas das obras do pai da pop art, como as de sopas da marca Campbell's, não são tão originais assim, diz ela: "Andy Warhol copiou todo o meu trabalho. Na verdade, a fama dele continuou depois da minha, mas ele se apropriou das minhas ideias! Mas, ei, tudo bem, eu já tinha feito tudo o que ele fez bem antes, e isso é o que importa".

Na época, Yayoi também ministrou casamentos entre homens e mulheres gays, documentados com bastante interesse pela imprensa local. "Eu casava gays muito antes de o Barack Obama dar força à causa", diverte-se a artista.

Loucura

Apesar do arrivismo e da irreverência, existe uma mensagem cultural e filosófica forte presente na sua obra polivalente. A exposição do Whitney vai mostrar móveis, esculturas gigantescas que simulam o movimento das nuvens, páginas e mais páginas de poesia e uma incrível instalação de luzes batizada de "Fireflies in the Water" (vaga-lumes na água, em tradução livre).

Mas o fator que parece unir esses interesses todos é a loucura, literalmente experimentada pela artista no começo dos anos 70. Yayoi chama seu trabalho de "arte medicinal". Em 1973, falida e sofrendo de distúrbios mentais (ataques de ansiedade, alucinações e espasmos), ela se internou num hospício de Shinjuku, região metropolitana de Tóquio, para tratamento.

Na verdade, Yayoi ainda passa algumas noites na clínica, num regime voluntário. Seu ateliê, com um time de nove pessoas, funciona a poucos quarteirões do hospital. "Costumo pintar no final da tarde, escrevo poesia, trabalho em cima de novos capítulos de meus livros. Esse trabalho terapêutico é que continua salvando essa pequena bolinha que eu sou."

 

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