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Serafina

Romero Britto revela seu esquema de produção artística

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Numa sexta-feira de abril, em Miami, Romero Britto convocou uma reunião para discutir os gastos de sua empresa, a Britto Central. De pronto, assinou 40 cheques, somando US$ 141.695 (R$ 224 mil), para cobrir aluguel, seguro e compra de materiais. "Faço isso uma vez por semana", explicou.

Em seguida, foi abordado por uma assistente, para tratar dos 300 ursinhos de cerâmica, decorados com cristais Swarovsky, todos "Made in China". "Eu mando o molde, eles fazem, eu assino", explicou. "Para colocar cristais um a um, e vender por esse valor, só se vier da China."

O valor, ao qual Britto se referia, era de US$ 6 mil por exemplar. Multiplicando-se, ele acabava de encomendar US$ 1,8 milhão em ursinhos.

BICHOS DE PELÚCIA

Aos 47 anos, Romero Britto disputa, com Vik Muniz, o posto de artista brasileiro mais conhecido no exterior. Os dois nasceram em periferias; os dois têm obras vendidas na centena do milhar; os dois despontaram nos Estados Unidos antes de se fazer conhecidos no Brasil.

As semelhanças terminam aí. Muniz vende quadros (ou fotografias em forma de quadros). Britto vende quadros, esculturas, malas, carteiras, velas, relógios, quebra-cabeças e todo tipo possível e imaginável de bugiganga.

Digitando seu nome no site de compras Amazon, chega-se a 483 produtos –todos estampados com os motivos vibrantes e geométricos de sua obra. Há guarda-chuva para os precavidos, saleiro para os gourmets, perfume para os asseados. Crianças compram bichos de pelúcia. Casais, porta-retratos. Idosos, jogos de xícaras. "Passou o tempo de arte ser vista em galeria e museu. Ela tem que estar em todos os lugares", ele costuma dizer.

Britto é casado com a americana Sheryl, com quem teve Brendan, de 22 anos. Os três moram em uma casa de seis quartos em Pinecrest, a meia hora de carro do centro de Miami. As paredes são decoradas com réplicas de Warhol, gravuras de Picasso e pôsteres das bandas Metallica e Led Zeppelin. "O Brendan adora rock and roll", justifica. Britto diz só ter aberto a casa a três jornalistas: "Antes de você, veio a 'Caras', o Gugu Liberato e o 'New York Times'."

Brian Smith/.
Em entrevista à *Serafina*, Romero Britto repassa sua trajetória e revela seu esquema de produção artístico
Em entrevista à Serafina, Romero Britto repassa sua trajetória e revela seu esquema de produção artístico

Ele é discreto no dia a dia. Usa jeans, camiseta e um inseparável colar com uma cruz e uma estrela de Davi. "Não sou judeu, mas admiro a comunidade. A maior parte dos meus clientes vem de lá", diz, com seu português ao estilo Roberto Mangabeira Unger, em que toda palavra, se possível, é pronunciada com sotaque americano.

Trabalha de domingo a domingo, em um estúdio de 15 mil m2 próximo a Miami Beach, o bairro badalado da cidade. As paredes estão atulhadas de fotos dele com a nata da elite política, artística e empresarial, como Arnold Schwarzenneger ("Tem 18 quadros meus"), Paulo Coelho ("Não consegui ir ao aniversário dele na Turquia") e o mexicano Carlos Slim, dono da Embratel, tido como o homem mais rico do mundo ("Sou o pintor oficial da família").

Dos Estados Unidos, Britto conheceu os últimos três presidentes. "O Clinton merecia um filme; o Bush foi mal julgado; o Obama vai ser melhor no segundo mandato", avalia. Dos mandatários brasileiros, esteve, em fevereiro, com Dilma Rousseff, a quem presenteou com um retrato à sua imagem e semelhança.

"Conheci a Dilma em 2010, quando era ministra, na inauguração de um hospital decorado com um painel meu", explicou. "Sempre quis homenageá-la, mas não tive tempo. Acabei fazendo depois que ela foi eleita." Para divulgar a pintura, publicou-a em anúncio de página inteira, por US$ 20 mil, na revista do "New York Times". Duas semanas depois, foi chamado pelo Palácio do Planalto para um encontro com a presidente.

O GOLPE DA GALERIA

Miami está, para Romero Britto, como Brasília, para Oscar Niemeyer. A cidade é coalhada de esculturas suas de casais felizes, cachorros fofinhos e frutas coloridas em escolas, shoppings, bibliotecas, hospitais, condomínios, parques, hotéis e mansões. São 15 obras públicas. "Se você não encontra um canal para aparecer, não se destaca", ele ensina.

A Royal Caribbean, empresa de cruzeiros sediada em Miami, contratou-o para adornar as piscinas de um transatlântico para 3.000 pessoas. A prefeitura o contratou para decorar os "parking meters" (medidores que controlam o tempo dos carros estacionados em locais públicos). Recentemente, Britto passou a integrar o conselho da escola de administração da Universidade de Miami.

Ele chegou à cidade em 1986, após passar infância e adolescência em Jaboatão, município da área metropolitana de Recife. Foi criado pela mãe, em uma família de nove irmãos. "Meu pai aparecia, fazia bebê e ia embora. Não me lembro de ter conversado com ele", diz. Formou-se em escola pública; abandonou a faculdade pela metade.

Aos 23 anos, a convite de um amigo, resolveu tentar a sorte na cidade americana. Entregava pizza, lavava carros e, nas horas vagas, vendia seus quadros em pequenas galerias. Para valorizar o passe, colocou US$ 300 na mão de Sheryl –então sua namorada–, e pediu que comprasse sua própria obra a esse preço. "O galerista ficou com metade do dinheiro", lembra, rindo. "Tive um prejuízo de 150 dólares, mas ganhei visibilidade." O quadro está até hoje em sua casa.

Mas o pulo do gato veio em 1989, quando uma galeria foi visitada por Michel Roux, então presidente da vodka sueca Absolut, nos Estados Unidos. Foi quando Britto teve um auxílio nada discreto do destino.

Responsável por organizar as campanhas publicitárias da bebida, Roux associara a marca a ícones da arte pop: fizera anúncios com pinturas de Andy Warhol e Roy Linchenstein. Por considerar Britto seguidor da mesma linha, pagou-lhe US$ 65 mil pelo direito de explorar três de suas obras.

Meses depois, as pinturas adornavam anúncios da bebida em 60 revistas. "Decidi que nunca mais queria ficar sem dinheiro", conta. Não ficou. A Britto Central tem hoje 72 funcionários e, segundo ele, faturou US$ 30 milhões em 2010. Nos dois dias em que o acompanhei, em Miami, ele tomou chá com a princesa Madalena, da Suécia, e jantou com Anthony Shriver, sobrinho do ex-presidente John Kennedy. "É importante participar de eventos públicos. Contatos ajudam, mas alguns artistas não entendem isso", explicou.

No escritório havia duas cartas, esperando envio, para o governador do Rio, Sérgio Cabral, e para o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman. Ambas propunham projetos para as Olimpíadas de 2016.

Por telefone, Michel Roux, da Absolut, resume: "O Romero é bom em misturar arte com negócios."

SISTEMA FORDISTA

Britto pinta em sistema fordista, enquanto ouve música eletrônica. O processo é dividido em quatro etapas. Na primeira, ele recebe uma fotografia da pessoa a ser retratada (normalmente casais recém-juntados, crianças recém-nascidas e yuppies recém-enriquecidos). Em posse da imagem, esboça os traços, em uma tela, com pilot preto. Depois, pincela de forma tosca, com tinta acrílica, as cores que serão usadas no preenchimento (azul no cabelo, amarelo na pele, vermelho no fundo, por exemplo). O processo dura menos de uma hora.

Isso feito, uma equipe se encarrega de pintá-lo de acordo com as cores escolhidas. Cada cor chega a levar oito demãos de tinta, para ficar sem nuances, saturada, como se tirada de uma impressora.

No fim, a pintura volta ao artista, para que ele realce os contornos, novamente com um pilot preto, de tinta óleo. Diz fazer 30 quadros em dias de pico, cujos preços variam de US$ 10 mil a US$ 290 mil. Sua mesa está atulhada de encomendas, como o de uma família, de sobrenome Vohra, que vem acompanhado de uma observação: "Para ser entregue em 17 de janeiro de 2012."

Até lá, Britto terá pintado algumas dezenas de novos quadros, que hão de se somar aos retratos de Madonna, Giselle Bündchen, Lady Gaga e, claro, Dilma Rousseff. Das musas inspiradoras, ele tem a presidente em mais alta conta: "Foi muito importante ela ter dado atenção ao meu trabalho." Despedindo-se, comentou: "Vou abrir a porta do escritório para você voltar. Não sabia que existia essa simpatia no Brasil. Quem me ensinou foi a Dilma. Ela disse: 'Deixa que eu abro a porta do Palácio'."

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Arte ou Decoração?
por Artur Voltolini

É complicada a tarefa de se fazer uma apreciação crítica da obra de Romero Britto. Muitos não o levam a sério. Entre os artistas plásticos, a simples menção de seu nome provoca controvérsia. Dos que foram procurados pela Serafina para falar a respeito, a grande maioria respondeu com um seco: "Me desculpe, mas eu nem penso no trabalho de Romero Britto".

A questão-chave é definir sua obra –os mais ácidos chegam a qualificar de "decorativa". A discussão é longa. A grande dificuldade é situar seu trabalho na tênue fronteira entre arte, artesanato, arte naif e design.

Artistas plásticos de expressão como Jac Leirner, cujo trabalho é associado a uma forte carga conceitual, hesitam em chamar sua produção de arte: "O conceito de arte é elástico, mas acredito que a arte deva ter uma complexidade, deva se inserir num contexto histórico, e não ficar reduzida a uma meia dúzia de cores e linhas". Já o artista Carlos Fajardo, sem emitir um juízo sobre a obra de Britto, se limita a dizer que "pode até acontecer de uma não-arte vender mais rapidamente, mas não é isso que define seu valor, e sim o lugar que ela alcançará na história". Vai no mesmo sentido a opinião da galerista Márcia Fortes: "Respeito sua trajetória e seu sucesso. Mas não há diálogo entre seu trabalho e a prática da arte contemporânea. Há uma vasta diferença entre usar elementos pop ou ornamentais dentro de uma tradição pictórica ou conceitual e produzir objetos decorativos como faz Britto."

Menos purista, o tradicional leiloeiro Aloisio Cravo diz: "Precisamos ter um olhar generoso: podem dizer que seus traços são simples, mas é isso que dá a beleza de suas obras. As coisas não têm que ser conceituais ou dramáticas, elas devem ser mágicas".

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